JurisHand AI Logo
|

Ação individual e coletiva

Conceito

No âmbito da tutela jurisdicional dos direitos do consumidor, o sistema normativo brasileiro confere especial relevância tanto à ação individual quanto à ação coletiva, como meios legítimos de realização do direito material. Ambas coexistem harmonicamente no ordenamento jurídico, cada qual com sua vocação própria, sem que isso represente exclusão ou sobreposição. A ação individual se presta à defesa de interesses concretos e particulares, permitindo ao consumidor diretamente lesado postular em juízo a reparação dos danos materiais e morais sofridos, o cumprimento de obrigações contratuais ou mesmo a abstenção de condutas ilícitas por parte do fornecedor. Nessa via processual, destacam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor, especialmente o artigo 84, que autoriza o juiz a conceder tutela específica ou a determinar providências que assegurem resultado prático equivalente ao do adimplemento, inclusive com a imposição de multa diária pelo descumprimento da ordem judicial. Tal sanção cominatória, conhecida como astreinte, possui natureza coercitiva e visa à efetividade da tutela, podendo ser fixada, revista ou até excluída de ofício, conforme a conveniência da execução forçada, nos termos do artigo 537 do Código de Processo Civil de 2015. A atuação judicial é potencializada ainda pela possibilidade de concessão de tutela de urgência e tutela de evidência, inclusive antes da citação do réu, desde que presente o receio de ineficácia do provimento final ou a plausibilidade inconteste da pretensão autoral.

A eficácia do processo individual é reforçada, também, pela admissibilidade da produção antecipada de provas e da exibição de documentos, instrumentos que asseguram ao consumidor, desde o início da relação processual, os meios necessários à formação de um conjunto probatório mínimo, apto a embasar o juízo de procedência. Em demandas consumeristas, tais providências possuem utilidade concreta na constatação de cláusulas abusivas, na verificação de defeitos ocultos e na comprovação de vínculos contratuais quando o fornecedor se recusa a fornecer documentação essencial. O Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar esses mecanismos nos artigos 381 a 404, estabeleceu parâmetros que privilegiam a boa-fé processual, a efetividade da prova e a instrumentalidade do processo. Nessa mesma linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a admissibilidade do pedido de exibição, desde que demonstrada a existência da relação jurídica entre as partes e a recusa injustificada do réu ao fornecimento do documento, notadamente quando o consumidor é titular do direito à informação sobre o conteúdo da relação de consumo.

No que se refere à ação coletiva, sua relevância é ainda mais acentuada no cenário das sociedades de massa, em que práticas abusivas tendem a afetar simultaneamente inúmeros consumidores. A proteção coletiva, tal como delineada nos artigos 81 a 104 do Código de Defesa do Consumidor, revela-se instrumento essencial para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A legitimidade ativa conferida a entidades civis, ao Ministério Público e à Defensoria Pública amplia o alcance da jurisdição, permitindo que grupos vulneráveis ou hipossuficientes tenham seus direitos resguardados por meio de ações com alcance coletivo. Nesse contexto, a finalidade da ação coletiva ultrapassa a simples reparação de danos individuais: busca-se, sobretudo, prevenir lesões futuras, uniformizar a jurisprudência e promover a pacificação social. A extensão dos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas — limitada, nas ações de direitos individuais homogêneos, aos beneficiários identificados ou identificáveis — revela-se mecanismo de racionalização do sistema de justiça e de economia processual, desde que observados os limites subjetivos definidos na legislação.

Importante notar que tanto nas ações individuais quanto nas ações coletivas admite-se a aplicação das medidas de tutela específica, com base no artigo 84 do CDC e nos artigos 497 e seguintes do CPC/2015, sendo perfeitamente possível a cumulação de pedidos de obrigação de fazer com indenização por perdas e danos, inclusive com o manejo de tutela inibitória ou de remoção de ilícito. Em ambos os casos, o magistrado detém poderes suficientes para determinar o cumprimento da ordem judicial sob pena de multa, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, busca e apreensão e até requisição de força policial, nos termos do artigo 536 do CPC. Tais providências demonstram o comprometimento do processo com sua função social e com a promoção de resultados úteis e concretos.

Em situações em que a estrutura societária é utilizada para fraudar a lei ou frustrar a reparação de danos, o sistema prevê, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica. O artigo 28 do CDC, mais amplo do que a regra geral do artigo 50 do Código Civil, autoriza sua aplicação sempre que a autonomia patrimonial for obstáculo à reparação dos prejuízos causados aos consumidores. O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, instituiu o incidente específico para tanto, nos artigos 133 a 137, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao sócio ou administrador atingido. Ainda que a norma consumerista utilize a expressão "o juiz poderá", a doutrina dominante e o novo CPC reconhecem que tal providência não pode ser decretada de ofício sem prévia oitiva da parte afetada, respeitando-se a diretriz da confiança legítima e da segurança jurídica. A possibilidade de formulação do pedido já na petição inicial, nos termos do artigo 134, §2º, do CPC/2015, elimina a necessidade de instauração formal do incidente, especialmente nos juizados especiais, em que muitas vezes o consumidor litiga desacompanhado de advogado.

Portanto, a conjugação entre ação individual e ação coletiva não apenas fortalece o sistema de proteção do consumidor, como também concretiza os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do acesso à justiça. A efetividade dessas ações depende, em grande medida, da atuação ativa e comprometida do Poder Judiciário, que deve manejar os instrumentos processuais disponíveis com vistas à promoção de resultados úteis, tempestivos e proporcionais. Assim, o que se busca não é apenas o reconhecimento teórico de direitos, mas a realização prática da justiça nas relações de consumo, mediante decisões que transcendam a letra fria da lei e se imponham como expressão legítima da vontade constitucional.

Referências principais

  • ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021.
  • BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2020.
  • MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: Forense, 2024.
  • NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 15ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.
Remissões - Leis
Remissões - Decisões