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Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 15446 de 17 de Janeiro de 2020

Institui o Estatuto da Pessoa com Câncer no Estado do Rio Grande do Sul.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. FAÇO SABER, em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV, da Constituição do Estado, que a Assembleia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:

Publicado por Governo do Estado do Rio Grande do Sul

PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 17 de janeiro de 2020.


Título I

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º

Fica instituído o Estatuto da Pessoa com Câncer no Estado do Rio Grande do Sul, destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o acesso ao tratamento adequado e o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com câncer, visando a garantir o respeito à dignidade, à cidadania e à sua inclusão social.

Parágrafo único

Esta Lei estabelece princípios e objetivos essenciais à proteção dos direitos das pessoas com câncer e à efetivação de políticas públicas de prevenção e combate à doença.

Art. 2º

O Poder Público poderá promover o consenso entre especialistas nas áreas de planejamento em saúde, gestão em saúde, avaliação em saúde, epidemiologia, oncologia clínica, radioterapia e cuidados paliativos sobre as formas de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer, em todos os seus estágios evolutivos, para subsidiar a implementação desta Lei.

Título II

DOS PRINCÍPIOS E OBJETIVOS

Art. 3º

São princípios essenciais deste Estatuto:

I

respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à não discriminação e à autonomia individual;

II

acesso universal e equânime ao tratamento adequado;

III

diagnóstico precoce;

IV

estímulo à prevenção;

V

informação clara e confiável sobre a doença e o seu tratamento;

VI

transparência das informações dos órgãos e das entidades em seus processos, prazos e fluxos;

VII

oferecimento de tratamento sistêmico referenciado em acordo com diretrizes preestabelecidas por órgãos públicos competentes;

VIII

estímulo à conscientização, à educação e ao apoio familiar;

IX

ampliação da rede de atendimento de forma regionalizada e de sua infraestrutura;

X

sustentabilidade dos tratamentos; e

XI

humanização da atenção ao paciente e à sua família.

Art. 4º

São objetivos essenciais deste Estatuto:

I

garantir e viabilizar o pleno exercício dos direitos da pessoa com câncer;

II

promover mecanismos adequados para o diagnóstico precoce da doença;

III

fomentar a comunicação, a publicidade e a conscientização sobre a doença, sua prevenção e seus tratamentos;

IV

oportunizar ao paciente e aos seus familiares o acesso às informações inerentes à doença e ao tratamento;

V

proporcionar o cumprimento da legislação vigente, visando a reduzir as dificuldades enfrentadas pelos pacientes desde o diagnóstico até a realização do tratamento;

VI

instituir instrumentos para viabilização da política estadual para a prevenção e controle da doença na Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS;

VII

criar e fortalecer políticas públicas de prevenção e combate ao câncer;

VIII

promover a formação, a qualificação e a especialização dos profissionais envolvidos nos processos de prevenção e tratamento da doença;

IX

combater a desinformação e o preconceito;

X

autorizar a criação de fundo especial de prevenção e combate ao câncer;

XI

garantir tratamento diferenciado, universal e integral às crianças e aos adolescentes, priorizando a prevenção e o diagnóstico precoce;

XII

estimular a expansão contínua, sustentável e responsável da rede de atendimento, de acolhimento e de sua infraestrutura;

XIII

incentivar a humanização do tratamento, prestando atenção diferenciada ao paciente e à sua família.

Título III

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Art. 5º

São direitos fundamentais do paciente com câncer:

I

obtenção de diagnóstico precoce;

II

acesso a tratamento universal, equânime, adequado e menos nocivo;

III

obtenção de informações claras, completas, compreensíveis e precisas sobre sua saúde, diagnósticos, exames solicitados e tratamentos indicados;

IV

assistência social e jurídica;

V

preservação do sigilo de toda e qualquer informação relativa à sua saúde;

VI

prioridade;

VII

acesso a prontuário médico ou hospitalar, atestados, laudos, resultados de exames e biópsias, podendo solicitar cópia integral deles;

VIII

recebimento de receitas com o nome genérico dos medicamentos prescritos;

IX

E T A D O

X

recebimento gratuito dos medicamentos prescritos por ordem médica, inclusive os de alto custo e quimioterápicos orais;

XI

proteção do seu bem-estar pessoal, social e econômico;

XII

liberdade e autonomia para tomar as decisões relacionadas à sua saúde e para consentir ou recusar, de forma voluntária e esclarecida, procedimentos médicos de qualquer natureza;

XIII

inclusão e participação plena e efetiva na sociedade, proporcionando melhor qualidade de vida às pessoas em tratamento e pós-tratamento.

§ 1º

Para efeitos de aplicação desta Lei, considera-se paciente qualquer pessoa sujeita a tratamento ou cuidado médico relativos ao câncer, ainda que em fase de suspeição.

§ 2º

Entende-se por direito à prioridade, previsto no inciso VI do "caput" deste artigo:

I

assistência imediata, respeitada a precedência dos casos mais graves e o oferecimento de acomodações acessíveis de acordo com a legislação em vigor;

II

acolhimento da pessoa com câncer por sua própria família, em detrimento de abrigo ou instituição de longa permanência, exceto das que não possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência, prevendo:

a

criação e aparelhamento de serviços multidisciplinares de atenção domiciliar;

b

formação de cuidadores habilitados;

c

orientação familiar;

d

cuidados paliativos;

III

presença de acompanhante durante o atendimento e o período de tratamento e de internação, devendo a instituição de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, exceto em ambientes de Unidade de Tratamento Intensivo - UTI;

IV

prioridade na tramitação dos processos judiciais e administrativos e no recebimento de créditos decorrentes de ações judiciais contra o Estado por meio de precatórios judiciais.

§ 3º

Para os efeitos desta Lei, considera-se pessoa com câncer aquela que tenha o regular diagnóstico, nos termos de relatório elaborado por médico devidamente inscrito no conselho profissional, acompanhado pelos laudos e exames diagnósticos complementares necessários para a correta caracterização da doença.

Art. 6º

O direito à saúde da pessoa com câncer será assegurado mediante a efetivação de políticas sociais públicas de modo a garantir seu bem-estar físico, psíquico, emocional e social no sentido da preservação ou recuperação de sua saúde.

Parágrafo único

A atenção à saúde da pessoa com câncer será prestada com base nos princípios e nas diretrizes previstos na Constituição Federal e nas demais legislações vigentes.

Art. 7º

O SUS, por meio dos seus serviços, próprios, conveniados ou contratados, deve assegurar a realização de exame mamográfico gratuito a todas as mulheres a partir dos 40 (quarenta) anos de idade.

§ 1º

As mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama, decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer, têm direito à cirurgia plástica reconstrutiva.

§ 2º

Cabe ao SUS, por meio de sua rede de unidades públicas ou conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama prevista no § 1º deste artigo, utilizando-se de todos os meios e técnicas necessárias.

§ 3º

Quando existirem condições técnicas, a reconstrução será efetuada no mesmo tempo cirúrgico.

§ 4º

No caso de impossibilidade de reconstrução imediata, a paciente será encaminhada para acompanhamento e terá garantida a realização da cirurgia imediatamente após alcançar as condições clínicas requeridas.

Art. 8º

Os exames para a detecção precoce do câncer de próstata são gratuitos e de realização obrigatória, por meio das unidades integrantes do SUS, para homens acima de 40 (quarenta) anos, sempre que, a critério médico, tal procedimento for considerado necessário.

Título IV

DOS DEVERES

Art. 9º

É dever da família, da sociedade e do Poder Público assegurar à pessoa com câncer a plena efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à assistência social e jurídica, à convivência familiar, à habilitação e à reabilitação.

Art. 10

Nenhuma pessoa com câncer será objeto de negligência, discriminação, tratamento desumano ou degradante, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

Parágrafo único

Considera-se discriminação qualquer distinção, restrição ou exclusão em razão da doença, mediante ação ou omissão, que tenha o propósito ou efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento dos direitos assegurados nesta Lei.

Art. 11

Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de ameaça ou violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.

Art. 12

O Poder Público, por meio dos gestores de saúde, criará mecanismos de acesso e inclusão da pessoa com câncer de acordo com as leis vigentes no Estado.

Art. 13

É dever do Estado desenvolver políticas públicas de saúde específicas voltadas à pessoa com câncer, que incluam, dentre outras medidas:

I

promoção de ações e campanhas preventivas da doença;

II

garantia do acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde públicos;

III

estabelecimento de normas técnicas e padrões de conduta a serem observados pelos serviços públicos e privados de saúde no atendimento da pessoa com câncer;

IV

criação de uma rede de serviços de saúde regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente, voltada ao atendimento da pessoa com câncer, incluindo serviços especializados no tratamento, na habilitação e na reabilitação;

V

disseminação de práticas e estratégias de atendimento e de reabilitação baseadas na comunidade, a partir da atuação privilegiada dos agentes comunitários de saúde e das equipes de saúde da família;

VI

fomento à realização de estudos clínicos, com periodicidade e abrangência adequadas, de modo a produzir informações sobre a ocorrência da doença;

VII

estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico que promova avanços na prevenção, no tratamento e no atendimento das pessoas com câncer;

VIII

promoção de processos contínuos de capacitação dos profissionais que atuam no sistema público de saúde, em todas as áreas, para o atendimento da pessoa com câncer;

IX

capacitação e orientação de cuidadores familiares e grupos de autoajuda de pessoas com câncer;

X

fornecimento de medicamentos comprovadamente eficazes, órteses, próteses e demais recursos necessários ao tratamento, à habilitação e à reabilitação da pessoa com câncer previstos na tabela do SUS;

XI

cuidados paliativos;

XII

promoção de campanhas de conscientização a respeito de direitos e benefícios previdenciários, tributários, trabalhistas e processuais e de tratamentos de saúde da pessoa com câncer.

XIII

o fornecimento de toucas hipotérmicas para pacientes em tratamento para neoplasias malignas na rede pública de saúde, sempre que houver indicação clínica para seu uso.

Art. 14

O direito à assistência social, previsto no inciso IV do "caput" do art. 5º desta Lei, será prestado de forma articulada e com base nos princípios e nas diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, de forma harmonizada com as demais políticas sociais, observadas as demais normas pertinentes.

§ 1º

O Poder Público deverá garantir o acesso da pessoa com câncer ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Poder Judiciário em todas suas instâncias.

§ 2º

O Poder Público estimulará, por meio de assistência jurídica, o conhecimento e acesso aos incentivos fiscais e subsídios devidos às pessoas com câncer.

Art. 15

O acolhimento da pessoa com câncer em situação de risco social, por adulto ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica para os efeitos legais.

Art. 16

O Estado poderá formular políticas que assegurem à pessoa com câncer, comprovadamente carente, e, havendo necessidade fundamentada, a seu acompanhante, o direito ao acesso ao transporte público gratuito.

Título V

DO ATENDIMENTO ESPECIAL ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES

Art. 17

O atendimento prestado às crianças e aos adolescentes com câncer, ou em suspeição, deverá ser especial em todas suas fases, devendo ser garantido tratamento universal e integral, priorizando a prevenção e o diagnóstico precoce.

Título VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 18

É obrigatório o atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por intermédio do SUS.

§ 1º

Para efeitos desta Lei, entende-se por atendimento integral aquele realizado nos diversos níveis de complexidade e hierarquia, bem como nas diversas especialidades médicas, de acordo com as necessidades de saúde das pessoas com câncer, incluindo assistência médica e de fármacos, psicológica, odontológica e atendimentos especializados, inclusive atendimento e internação domiciliares.

§ 2º

O atendimento integral deverá garantir, ainda, tratamento adequado da dor, atendimento multidisciplinar e cuidados paliativos.

Art. 19

A conscientização e o apoio às famílias das pessoas com câncer constituem compromissos fundamentais do Estado e fazem parte indispensáveis deste Estatuto.

Art. 20

Os direitos e as garantias previstos nesta Lei não excluem os já resguardados em outras normas específicas.

Art. 21

Na interpretação desta Lei, levar-se-á em conta o princípio da dignidade da pessoa humana, os fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum.

Art. 22

Esta Lei entra em vigor no dia 1º de janeiro do ano subsequente à sua publicação.


EDUARDO LEITE, Governador do Estado.

Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 15446 de 17 de Janeiro de 2020