Decreto nº 11.995 de 15 de Abril de 2024
Presidência da República Casa Civil Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos
Institui o Programa Terra da Gente e dispõe sobre a incorporação de imóveis rurais no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput , inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, na Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e na Lei nº 13.001, de 20 de junho de 2014, DECRETA :
Publicado por Presidência da República
Brasília, 15 de abril de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º
Este Decreto institui o Programa Terra da Gente, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e dispõe sobre a incorporação de imóveis rurais no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária, prevista na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 .
Parágrafo único
O Programa Terra da Gente tem como finalidade dispor sobre as alternativas legais para a aquisição e a disponibilização de terras para a reforma agrária, de forma a promover o acesso à terra, a inclusão produtiva e o aumento da produção de alimentos.
Art. 2º
O Programa Terra da Gente destina-se a atender o público beneficiário da Política Nacional de Reforma Agrária, de que trata o art. 19 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 , regulamentada pelo Decreto nº 9.311, de 15 de março de 2018 .
Parágrafo único
Incluem-se como destinatários do Programa Terra da Gente os beneficiários da política pública de regularização fundiária de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais, observada a legislação específica.
Art. 3º
São objetivos do Programa Terra da Gente:
I
obter imóveis rurais para a Política Nacional de Reforma Agrária;
II
promover a integração de ações com o objetivo de disponibilizar imóveis rurais para a Política Nacional de Reforma Agrária;
III
articular as políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais à gestão patrimonial e à arrecadação da Dívida Ativa Tributária e da Dívida Ativa não Tributária da União;
IV
promover ações conjuntas entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para a destinação de terras rurais ocupadas por comunidades quilombolas incidentes em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, nos termos do disposto no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 ;
V
contribuir para a promoção de paz no campo;
VI
ampliar as ações de destinação de terras públicas federais rurais para o reconhecimento de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais, observada a legislação específica; e
VII
implementar ações de cooperação federativa para a criação de projetos de assentamentos e o reconhecimento de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais em terras públicas.
Capítulo II
DAS MODALIDADES DE OBTENÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS
Art. 4º
São modalidades de obtenção de imóveis rurais, para fins do disposto neste Decreto:
I
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, nos termos do disposto no art. 184 da Constituição e na Lei nº 8.629, de 1993;
II
desapropriação por interesse social, nos termos do disposto na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962 ;
III
doação;
IV
compra e venda;
V
destinação de imóveis rurais objeto de perdimento;
VI
expropriação de imóveis rurais em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho em condições análogas à escravidão;
VII
arrematação judicial de imóveis rurais penhorados em execuções;
VIII
aquisição mediante autorização judicial de imóveis rurais penhorados em execuções em trâmite na Justiça do Trabalho;
IX
dação em pagamento;
X
adjudicação;
XI
aquisição onerosa de imóveis rurais pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos;
XII
discriminação e arrecadação de terras devolutas da União, nos termos do disposto no art. 188 da Constituição e na Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976 ;
XIII
transferência de domínio, nos termos do disposto na Lei nº 4.504, de 1964;
XIV
arrecadação de bens vagos;
XV
reversão à posse da União de terras rurais de sua propriedade, indevidamente ocupadas e exploradas por terceiros, a qualquer título;
XVI
herança e legado; e
XVII
permuta.
Da desapropriação
Art. 5º
A incorporação de imóveis rurais à Política Nacional de Reforma Agrária poderá ser realizada por meio da desapropriação, nas seguintes modalidades:
I
por interesse social para fins de reforma agrária, nos termos do disposto na Lei nº 8.629, de 1993 , e na Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993 , quando verificado o descumprimento da função social da propriedade, conforme normas editadas pelo INCRA; e
II
por interesse social para promover a justa distribuição da terra, na forma prevista na Lei nº 4.132, de 1962 .
§ 1º
Na desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, o cumprimento integral da função social da terra rural será verificado de forma simultânea à aferição de produtividade do imóvel rural.
§ 2º
Na desapropriação por interesse social para promover a justa distribuição da terra, o valor do imóvel rural será integralmente depositado em dinheiro, quando do ajuizamento da ação, como requisito do pedido de imissão provisória na posse.
§ 3º
Caberá ao INCRA regulamentar as hipóteses de encerramento da desapropriação por acordo, na via administrativa, quando obtida a concordância do expropriado, observado o disposto no caput do art. 10 e no § 2º do art. 10-A do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 , e no § 4º do art. 5º da Lei nº 8.629, de 1993 .
Da doação
Art. 6º
Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão receber imóveis rurais por meio de doação de particular ou do Poder Público, incluindo empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos.
Art. 7º
Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural recebido em doação para a política pública à qual será destinado.
Art. 8º
A doação de imóvel rural que contenha eventualmente benfeitorias úteis e necessárias de terceiros poderá compreender apenas a terra nua e o pagamento dessas benfeitorias deverá observar o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
Art. 9º
A incorporação de imóveis por doação independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Da compra e venda
Art. 10º
Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão adquirir imóveis rurais por meio de compra e venda.
Art. 11
O pagamento da terra nua e das benfeitorias realizadas no imóvel rural a ser adquirido poderá ser efetuado em moeda corrente ou em títulos da dívida agrária.
Art. 12
Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel para a política pública à qual será destinado.
Art. 13
A aquisição por compra e venda independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 14
Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique a compatibilidade do preço a ser pago e o valor de mercado do bem.
Art. 15
Em caso de oferta espontânea advinda do proprietário interessado em alienar imóvel, a União e o INCRA poderão instaurar processo administrativo de compra e venda de imóvel rural e solicitar ao ofertante a documentação pessoal e do imóvel a ser definida em normativos internos.
Art. 16
A União e o INCRA poderão publicar editais de chamamento público de proprietários rurais interessados em alienar imóveis por meio de compra e venda.
Art. 17
Mediante acordo com o proprietário, a União e o INCRA poderão iniciar estudos e trabalhos de implantação da política pública antes de efetuado o pagamento do preço.
Art. 18
O pagamento do preço contratado somente será efetuado após o registro da escritura pública no registro de imóveis competente.
Da arrematação judicial em processo de execução
Art. 19
A União e o INCRA poderão arrematar judicialmente imóveis rurais penhorados em processos de execução para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
§ 1º
A arrematação prevista no caput independe da aferição do cumprimento da função social do imóvel rural.
§ 2º
Poderão ser solicitadas informações ao Poder Judiciário, aos leiloeiros públicos ou a outros órgãos federais ou estaduais sobre imóveis rurais ofertados em leilão.
Art. 20
Para fins de arrematação judicial, a União ou o INCRA deverá emitir laudo ou estudo técnico para indicar:
I
a viabilidade do imóvel rural a ser adquirido para fins de implementação da política pública a que se destina; e
II
a compatibilidade entre os lances a serem ofertados e o valor de mercado do imóvel rural, a partir dos dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA e do edital público do leilão.
Parágrafo único
O valor indenizável referente a eventuais benfeitorias úteis e necessárias estará englobado no valor da avaliação do imóvel rural indicado no edital público do leilão.
Art. 21
O pagamento do valor após a arrematação será efetuado em moeda corrente ou em TDA, observada a legislação aplicável ao caso e de acordo com a determinação judicial.
Art. 22
Expedida a carta de arrematação pelo juízo competente, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural, com a anotação de aquisição originária.
Parágrafo único
A imissão na posse do imóvel rural arrematado poderá ocorrer mediante deferimento do juízo competente, com sua afetação às políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
Da adjudicação em processo de execução
Art. 23
Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão adjudicar imóveis rurais em execuções relativas a débitos federais tributários ou não tributários.
Art. 24
Obtidas as autorizações administrativas competentes, a adjudicação prescindirá de empenho e transferência financeira entre a União e o INCRA e a entidade credora no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI.
Art. 25
Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural adjudicado para a política pública à qual será destinado.
Art. 26
A adjudicação independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 27
Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique a compatibilidade do valor da adjudicação e o valor de mercado do bem.
Art. 28
Expedida a carta de adjudicação pelo juízo competente, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural, com a anotação de aquisição originária.
Art. 29
A União e o INCRA poderão solicitar informações ao Poder Judiciário, aos leiloeiros públicos ou a outros órgãos públicos sobre imóveis rurais penhorados em execuções fiscais relativas a débitos federais tributários ou não tributários.
Art. 30
Mediante solicitação ao juízo competente, poderão a União e o INCRA imitir-se na posse do imóvel rural adjudicado, afetando-o à política pública.
Art. 31
O auto de adjudicação poderá compreender apenas a terra nua e poderá a União ou o Incra efetuar o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias na forma estabelecida na legislação civil.
Da aquisição onerosa de imóveis rurais de empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos
Art. 32
Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão efetuar aquisição onerosa de bens pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos, observado o disposto no inciso XVI do caput do art. 29 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016 .
Art. 33
O pagamento da terra nua e das benfeitorias do imóvel rural a ser adquirido poderá ser efetuado, a critério do Ministério da Fazenda e mediante consentimento da empresa estatal, por meio de compensações de obrigações de empresas estatais perante a União, na condição de seu acionista controlador.
Art. 34
Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural adquirido onerosamente para a política pública à qual será destinado.
Art. 35
A aquisição onerosa de bens pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 36
Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique o valor de mercado do bem.
Art. 37
Efetuadas as compensações previstas no art. 33, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural em seu nome.
Art. 38
A União e o INCRA poderão solicitar a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos informações sobre imóveis rurais que possam ser objeto de aquisição onerosa.
Art. 39
Mediante acordo com a empresa pública, a sociedade de economia mista ou o serviço social autônomo, a União e o INCRA poderão iniciar estudos e trabalhos de implementação da política pública antes de efetuado o pagamento ou a compensação de valores.
Art. 40
O termo de alienação poderá compreender apenas a terra nua e poderá a União ou o INCRA, quando necessário, efetuar o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias na forma estabelecida na legislação civil.
Capítulo
Art. 41
Caberá ao INCRA regulamentar os procedimentos administrativos de obtenção dos imóveis rurais no âmbito do Programa Terra da Gente para a Política Nacional de Reforma Agrária, por meio de:
I
arrecadação de bens vagos;
II
permuta;
III
herança e legado;
IV
dação em pagamento;
V
expropriação de imóveis rurais em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho em condições análogas à escravidão; e
VI
aquisição mediante autorização judicial de imóveis rurais penhorados em execuções em trâmite na Justiça do Trabalho.
Art. 42
Ato conjunto do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e do Ministro de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos regulamentará:
I
os procedimentos necessários para destinação e incorporação de imóveis rurais à União para fins do Programa Terra da Gente;
II
o instrumento de transferência de gestão dos imóveis rurais entre os órgãos;
III
o cadastro dos imóveis rurais em sistemas patrimoniais; e
IV
outros trâmites necessários ao alcance dos objetivos do Programa Terra da Gente.
Art. 43
O Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública poderão editar ato conjunto com o objetivo de disciplinar a destinação de imóveis rurais objeto de perdimento para políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
Art. 44
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar poderá atuar na aquisição de imóveis rurais por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário - PNCF, financiado com recursos oriundos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária destinados ao acesso à terra e aos investimentos básicos, de forma complementar à reforma agrária.
Art. 45
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o INCRA poderão firmar:
I
acordos de cooperação com órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais com o objetivo de operacionalizar o Programa Terra da Gente; e
II
acordos de cooperação técnica e outras parcerias com:
a
órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais para possibilitar a troca de informações sobre trabalho análogo a de escravo, descumprimento de legislação trabalhista, danos ambientais e conflitos agrários, com vistas à instrução de processos de desapropriação por descumprimento da função social da terra; e
b
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para obtenção de apoio na adjudicação e na dação em pagamento de imóveis rurais passíveis de aplicação nas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, no âmbito de execuções de dívidas tributárias e não tributárias de titularidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 46
Ato conjunto do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e do Ministro de Estado da Fazenda:
I
definirá, para cada exercício fiscal, o quantitativo de adjudicações a serem efetuadas; e
II
disciplinará o disposto no art. 33.
Art. 47
No âmbito da execução do Programa Terra da Gente, os Estados e o Distrito Federal, a critério do Ministério da Fazenda, poderão efetuar a transferência de imóveis rurais à União, a fim de pagar:
I
créditos relativos aos contratos de refinanciamento de que trata a Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997 ; ou
II
créditos tributários inscritos em Dívida Ativa da União, nos termos do disposto no art. 4º da Lei nº 13.259, de 16 de março de 2016 .
Art. 48
As despesas decorrentes do disposto neste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas aos órgãos e às entidades envolvidos em sua implementação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Art. 49
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Luiz Paulo Teixeira Ferreira Esther Dweck
Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.4.2024