Resolução CNMP nº 288 de 19 de Março de 2024
Disciplina a atuação dos membros do Ministério Público em feitos envolvendo a apreensão, custódia e liquidação de ativos virtuais e dá outras providências.
O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício das atribuições previstas no art. 130-A, §2º, I, da Constituição Federal, e com fundamento no art. 147 e seguintes de seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão Plenária proferida na 1ª Sessão Ordinária Virtual, realizada no período de período de 7 a 11 de março de 2024, nos autos da Proposição nº 1.00343/2023-31 ; Considerando a crescente utilização de ativos virtuais nas relações jurídicas estabelecidas na sociedade, sendo identificados, em fevereiro de 2023, mais de 22.000 (vinte e dois mil) ativos desta natureza, os quais ensejaram, neste mesmo período, um volume negocial diário de aproximadamente USD 48,4 bilhões (quarenta e oito bilhões e quatrocentos milhões de dólares); Considerando que, diante deste cenário de crescimento na utilização de ativos virtuais, cada vez mais os membros do Ministério Público têm se deparado, no exercício de suas atribuições, com procedimentos e processos que exigem a prática de atos envolvendo a gestão destes ativos, seja em feitos relacionados à persecução penal, seja em demandas de natureza cível; Considerando que a gestão de ativos virtuais, em especial sua apreensão, custódia e liquidação, exige, além de conhecimento técnico específico, a prática de atos e a tomada de decisões por parte dos membros do Ministério Público, o que evidencia a necessidade de normatização desta temática, de modo a lhes conferir segurança jurídica no exercício de suas atribuições; Considerando, por fim, que os atos normativos existentes sobre a temática dos ativos virtuais, em especial a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, e a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (INRFB) nº 1.888, de 3 de maio de 2019, não regulamentam aspectos essenciais atinentes ao exercício das atribuições dos membros do Ministério Público nesta seara; RESOLVE:
Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público
Brasília, 19 de março de 2024.
Capítulo I
INTRODUÇÃO
Esta Resolução disciplina a atuação de membros do Ministério Público em procedimentos e processos de qualquer natureza, que envolvam a gestão, especialmente a apreensão, a custódia e a liquidação, de ativos virtuais definidos na Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022.
Para fins de aplicação desta Resolução, tendo em vista a natureza imaterial dos ativos virtuais, considera-se:
apreensão: qualquer ato capaz de retirar os ativos virtuais da esfera de disponibilidade da parte requerida, inviabilizando sua transferência para outros endereços;
custódia: domínio da chave privada de uma carteira apta a receber ou enviar ativos virtuais, seja pelo titular do ativo, seja por um terceiro prestador de serviços, conforme previsto no art. 5º, IV, da Lei nº 14.478/2022;
liquidação: prestação de serviços consistente na troca total ou parcial de um ativo virtual por moeda fiduciária, necessariamente realizada no ambiente de uma prestadora de serviços de ativos virtuais, conforme previsto no art. 5º, I, da Lei nº 14.478/2022.
Capítulo II
DA APREENSÃO DE ATIVOS VIRTUAIS
A apreensão de ativos virtuais se efetivará em cumprimento à determinação judicial, mediante a adoção dos procedimentos técnicos exigidos, conforme o controle das respectivas chaves privadas esteja em poder de prestadora de serviços de ativos virtuais, regulamentada pela Lei nº 14.478/2022, ou em poder de pessoas diversas.
Na hipótese de a decisão judicial de apreensão contemplar ativos virtuais cujas chaves privadas estejam em poder de prestadora de serviços de ativos virtuais, a efetivação da medida constritiva se dará através do envio da ordem judicial à prestadora de serviços respectiva, determinando sua apreensão e a impossibilidade de realização de novas transferências destes ativos para outros endereços.
O membro do Ministério Público também velará para que eventuais valores em moeda fiduciária custodiados pela prestadora de serviços de ativos virtuais sejam apreendidos.
Na hipótese de a decisão judicial de apreensão contemplar ativos virtuais cujas chaves privadas não estejam em poder de prestadora de serviços de ativos virtuais, a efetivação da medida constritiva se dará através da localização das respectivas chaves privadas, sucedida da transferência imediata dos ativos para endereços controlados pelo Estado, observadas as disposições a seguir apresentadas.
Todos os ramos e unidades do Ministério Público deverão, no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Resolução, realizar o credenciamento de distintas prestadoras de serviços de ativos virtuais, viabilizando a célere abertura de carteiras em nome da instituição, através dos membros com atribuição para os respectivos procedimentos e processos, nas hipóteses em que esta medida for cabível nos termos da presente normatização.
As prestadoras de serviços de ativos virtuais a serem credenciadas devem ser previamente licenciadas pelo Banco Centro do Brasil, nos termos da Lei nº 14.478/2022 e do Decreto nº 11.563, de 13 de junho de 2023.
Enquanto não for implementado pelo Banco Central do Brasil o licenciamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais, no procedimento para cadastramento de prestadoras de serviços de ativos virtuais, os ramos e as unidades do Ministério Público deverão obrigatoriamente considerar, dentre outros critérios reputados pertinentes:
a regularidade jurídica da empresa pretendente, nos termos da Lei nº 14.478/2022 e de outros atos normativos vigentes sobre o tema;
a apresentação de contrato de seguro, pela empresa pretendente, que proteja os ativos custodiados contra sinistros, em especial sua subtração ou ações análogas que possam levar ao seu perdimento;
a apresentação, pela empresa pretendente, de programa que contemple as medidas de compliance por ela adotadas no exercício de suas atividades, bem como a adoção das regras de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo trazidas pelo GAFI (Grupo de Atuação Financeira Internacional) e organismos análogos.
Para a efetivação da apreensão prevista no caput deste artigo, deverá o membro do Ministério Público formular requerimento que contemple, dentre outras especificidades do caso concreto:
a abertura de carteira para custódia de ativos virtuais em nome do Poder Judiciário, com a criação de endereços para transferência dos ativos de maior liquidez, prevendo, ainda, a criação de endereços específicos para outros ativos eventualmente encontrados;
na hipótese de impossibilidade de abertura de carteira para custódia de ativos virtuais em nome do Poder Judiciário, autorização para que esta carteira, nos moldes do inciso anterior, seja aberta em nome do Ministério Público em uma das prestadoras de serviços de ativos virtuais previamente credenciadas perante a respectiva instituição, nos moldes regulamentados nesta Resolução;
autorização para que os agentes públicos responsáveis pelo cumprimento da ordem de busca e apreensão possam acessar, no momento das diligências, dispositivos eletrônicos usualmente utilizados para a guarda de chaves privadas de ativos virtuais, incluindo telefones, computadores e e-mails , viabilizando a localização das referidas chaves e a conclusão de transferências a partir de carteiras que possuam duplo fator de autenticação ou mecanismos de segurança análogos;
autorização para imediata transferência dos ativos virtuais cujas chaves privadas tenham sido localizadas no cumprimento da ordem de busca e apreensão, para os endereços controlados pelo Poder Judiciário ou, subsidiariamente, pelo Ministério Público;
determinação de apreensão de ativos mantidos pelo cliente em prestadora de serviços de ativos virtuais;
autorização para liquidação dos ativos virtuais apreendidos, viabilizando sua conversão em moeda fiduciária e o depósito em conta judicial específica.
Na hipótese de necessidade da abertura de carteira para custódia de ativos virtuais em nome do Ministério Público, nos moldes do § 4º, II, deste artigo, o membro do Ministério Público com atribuição adotará as medidas necessárias para providenciar esta abertura, em uma das prestadoras de serviços de ativos virtuais previamente credenciadas pela respectiva instituição, contemplando a criação de endereços para transferência dos ativos de maior liquidez, sem prejuízo da posterior criação de novos endereços para transferência de outros ativos virtuais localizados no cumprimento da ordem de busca.
Ainda no caso de necessidade da abertura de carteira para custódia de ativos virtuais em nome do Ministério Público, o membro providenciará carteira para utilização exclusiva em cada procedimento ou processo sob sua atribuição, utilizando endereços individualizados para cada parte implicada.
Diante da necessidade de conhecimento técnico específico para efetivação da transferência de ativos virtuais localizados para carteira sob o controle do Estado, o membro do Ministério Público poderá estruturar equipe de apoio técnico, inclusive mediante a celebração de Termo de Cooperação com outros órgãos públicos e privados, para orientação e auxílio aos agentes responsáveis pelo cumprimento da ordem de busca e apreensão, visando tornar eficaz a respectiva determinação judicial.
Na hipótese de localização de chaves privadas, as equipes responsáveis realizarão a imediata transferência dos ativos virtuais para carteira controlada pelo Estado, nos moldes da autorização judicial respectiva, observados os procedimentos de segurança aplicáveis, ressalvando-se que a mera apreensão de dispositivos de guarda de chaves privadas, como cold wallets e aparelhos celulares, sem a efetiva transferência dos ativos virtuais para carteira controlada pelo Estado, não assegura a apreensão efetiva destes ativos.
Na data do cumprimento, o membro do Ministério Público com atribuição encaminhará cópia da ordem judicial, preferencialmente por meios eletrônicos, às prestadoras de serviços de ativos virtuais com atuação no território brasileiro, para efetivação da apreensão dos ativos virtuais e moedas fiduciárias nelas eventualmente custodiados.
Capítulo III
DA CUSTÓDIA DE ATIVOS VIRTUAIS
Na hipótese prevista no art. 4º desta Resolução, a custódia de ativos virtuais apreendidos, antes de sua liquidação em moeda fiduciária, será realizada pela própria prestadora de serviços de ativos virtuais responsável pelo cumprimento da respectiva ordem judicial.
Na hipótese prevista no art. 5º desta Resolução, a custódia de ativos virtuais apreendidos por decisão judicial, antes de sua liquidação em moeda fiduciária, será realizada em carteira aberta em nome do Poder Judiciário e, subsidiariamente, na hipótese de sua inviabilidade, em carteira aberta em nome do Ministério Público, através de prestadora de serviços de ativos virtuais previamente credenciada pela instituição respectiva, nos moldes do capítulo anterior.
Capítulo IV
DA LIQUIDAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS
Efetivada a apreensão de ativos virtuais, o membro do Ministério Público com atribuição adotará todas as providências cabíveis visando obter autorização judicial para sua imediata liquidação, convertendo-os em moeda fiduciária a ser depositada em conta judicial vinculada ao procedimento ou processo respectivo.
Na hipótese de apreensão de ativos virtuais diretamente em prestadora de serviços, o membro do Ministério Público buscará autorização judicial para sua liquidação através da prestadora de serviços custodiante, ressalvados os casos em que esta empresa não oferte o serviço de liquidação, quando será providenciada a transferência dos ativos para carteira controlada pelo Estado, onde será realizada a liquidação.
Na hipótese de apreensão de ativos através de sua transferência para carteira controlada pelo Estado, o membro do Ministério Público buscará autorização judicial para sua liquidação na prestadora de serviços custodiante.
Nos casos em que for tecnicamente inviável a conversão de determinado ativo virtual diretamente em moeda fiduciária pela prestadora de serviços de ativos virtuais, o membro do Ministério Público com atribuição adotará as providências necessárias visando obter autorização judicial para que o referido ativo seja inicialmente convertido em outro ativo virtual passível de conversão em moeda fiduciária, viabilizando a subsequente realização desta última conversão, nos moldes descritos nos parágrafos anteriores.
Capítulo V
DISPOSIÇÕES FINAIS
PAULO GUSTAVO GONET BRANCO Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público