Recomendação CNMP nº 111 de 30 de Abril de 2024
Recomenda aos ramos e às unidades do Ministério Público a adoção de medidas para a prevenção e o enfrentamento da tortura e maus-tratos em estabelecimentos de privação de liberdade, e dá outras providências.
O CONSELHO NACIONAL DO MINISTERIO PUBLICO , no exercício das atribuições conferidas pelo art. 130-A, § 2 1º, I, da Constituição Federal, e com fundamento nos arts. 147 e seguintes de seu Regimento Interno, em conformidade coma decisão Plenária proferida na 6ª Sessão Ordinária, realizada no dia 30 de abril de 2024, nos autos da Proposição nº 1.00148/2024-29 ; Considerando o disposto no artigo 127, caput, e artigo 129, incisos II e VII, da Constituição Federal; Considerando o disposto em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil na questão do enfrentamento direto ou indireto à tortura, em especial o que consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela resolução 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU – em 10 de dezembro de 1948 (art. V); das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU por meio da Resolução 663 C I, de 31 de julho de 1957, aditada pela Resolução 2076, de 13 de maio de 1977 e rerratificada por meio da Resolução 1984/47, do Conselho Econômico e Social da ONU em 25 de maio de 1984 (Regras 32 e 33, entre outras); das Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, aprovadas durante o VIII Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinquente (art. 86, alínea "a"); do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos [Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral, de 16 de dezembro de 1966]; da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (Resolução 39/46 da Assembleia Geral, de 10 de dezembro de 1984, art., 15); da Resolução 40/33 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de novembro de 1985; das Regras Mínimas das Nações Unidas para a 2 Recomendação 111, de 30 de abril de 2024. Administração da Justiça da Infância e da Juventude; e da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992 (Pacto de São José da Costa Rica – art. 8º, § 3º); Considerando o teor dos incisos III e XLIII e o § 3º, todos do art. 5º da Constituição Federal; Considerando o disposto no Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991, que promulgou a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); Considerando o teor do Decreto Legislativo nº 483, de 20 de dezembro de 2006, que aprovou, no Brasil, o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 18 de dezembro de 2002; Considerando os ditames previstos na Lei nº 9.455/97, que define os crimes de tortura no ordenamento jurídico brasileiro e dá outras providências; Considerando o julgamento da Proposição nº 1.00326/2022-13, em 14/2/2023, pelo Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que aprovou à unanimidade a Recomendação CNMP nº 96, de 28 de fevereiro de 2023, que, em seus arts. 1º e 2º, orienta os ramos e as unidades do Ministério Público à observância dos tratados, convenções e protocolos internacionais de direitos humanos, das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Considerando as diretrizes e as normas – princípios e regras – inscritas no Protocolo de Istambul, da Organização das Nações Unidas, denominado Manual para Investigação e Documentação Eficazes da Tortura e de outras Formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Castigo e Punição, apresentado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em 9 de agosto de 1999, que visa subsidiar os examinadores forenses sobre como devem proceder para identificação, caracterização e elucidação do crime de tortura, RESOLVE:
Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público
Brasília-DF, 30 de abril de 2024.
Esta Recomendação dispõe sobre a adoção, pelo Ministério Público, de medidas extrajudiciais e judiciais para a prevenção e o enfrentamento de tortura e maus-tratos em estabelecimentos de privação de liberdade. 3 Recomendação 111, de 30 de abril de 2024.
Recomenda-se aos ramos e às unidades do Ministério Público, respeitadas a autonomia administrativa, a independência funcional e a distribuição de atribuições de seus membros, a adoção de providências voltadas à prevenção e ao enfrentamento da tortura e maus- tratos em estabelecimentos de privação de liberdade, com especial atenção às seguintes diretrizes:
a notícia de fato sobre tortura e maus-tratos deve ser observada nas perspectivas de controle externo da atividade policial, de tutela coletiva da execução penal, de atividade de fiscalização dos estabelecimentos penais e de improbidade administrativa;
diante da notícia da prática de tortura ou maus-tratos, o membro do Ministério Público avaliará a necessidade de requerer a concessão de medida de proteção cabível, primordialmente para assegurar a integridade pessoal do denunciante, da vítima, das testemunhas, do servidor que constatou a prática e de seus respectivos familiares;
o controle externo da atividade da Polícia Penal será realizado nas modalidades previstas no artigo 4º, incisos I e II, da Resolução nº 279, de 12 de dezembro de 2023, do Conselho Nacional do Ministério Público;
a atuação articulada entre membros com atribuições distintas no tocante à adoção de medidas para a prevenção e o enfrentamento da tortura e maus-tratos nos estabelecimentos de privação de liberdade;
a observância das diretrizes contidas na Recomendação nº 31, de 27 de janeiro de 2016, notadamente quanto à aplicação do Protocolo de Istambul, bem como a Recomendação nº 96, de 28 de fevereiro de 2023, ambas do Conselho Nacional do Ministério Público;
a garantia às vítimas e aos seus representantes legais de acesso às informações sobre a investigação, conforme estabelece o artigo 4º da Resolução nº 243, de 18 de outubro de 2021, do Conselho Nacional do Ministério Público, resguardadas as hipóteses de sigilo;
a avaliação da necessidade de realizar inspeções prisionais diante de denúncias de tortura ou maus-tratos, a serem efetuadas sem aviso prévio, quando necessário, observando- se as regras de segurança institucional e mantendo contato direto e pessoal com os presos, garantindo confidencialidade de comunicação;
a garantia, diante de indícios mínimos da prática de tortura ou maus-tratos, de uma investigação criminal célere, independente e imparcial, observando-se os termos do artigo 4 Recomendação 111, de 30 de abril de 2024. 12 da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e
diante da observância da necessidade de adoção de medidas para a prevenção e o enfrentamento da tortura e maus-tratos, o Membro avaliará a necessidade de expedição de recomendações às autoridades públicas ou privadas, responsáveis pelas pessoas em locais de privação de liberdade, com vistas a garantir a observância dos direitos dessas pessoas, nos termos da Resolução nº 164, de 28 de março de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Recomenda-se aos ramos e às unidades do Ministério Público, no âmbito de sua autonomia administrativa e independência funcional, o fomento à implementação de política pública para a implantação de sistemas de videomonitoramento nos estabelecimentos de privação de liberdade, nas viaturas de transporte de presos e de câmeras corporais nos policiais penais ou outros responsáveis pela escolta dos presos.
O membro do Ministério Público articulará com as autoridades e os demais órgãos que atuam no sistema prisional para o adequado gerenciamento na coleta, processamento, armazenamento e disponibilização dos dados, para os fins previstos nesta Recomendação.
Os ramos e as unidades do Ministério Público, no âmbito de sua autonomia administrativa e independência funcional, promoverão a articulação com os demais órgãos públicos e com a sociedade civil na prevenção e no enfrentamento à tortura e aos maus tratos, visando à construção de fluxos de atuação por meio de cooperação interinstitucional ou de atos normativos conjuntos.
Os ramos e as unidades do Ministério Público, no âmbito de sua autonomia administrativa e independência funcional, criarão e divulgarão canais de comunicação com acesso facilitado para a apresentação de notícias escritas ou orais sobre tortura ou maus-tratos, garantindo ao noticiante, à vítima e aos seus familiares o respectivo protocolo para acompanhamento da apuração.
Os ramos e as unidades do Ministério Público, no âmbito de sua autonomia administrativa e independência funcional, providenciarão a compilação de dados quantitativos e qualitativos acerca das notícias de tortura ou de maus-tratos, apuradas em âmbito interno ou 5 Recomendação 111, de 30 de abril de 2024. pela polícia judiciária, de preferência com a utilização de ferramenta de análise de dados (Business Intelligence – BI ou equivalente), observando-se a legislação de proteção de dados e congêneres.
A Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública elaborará, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, Manual de Atuação de Prevenção e Enfrentamento à Tortura e Maus-tratos, ao qual se dará ampla publicidade.
O referido manual deverá observar estritamente os termos desta Recomendação, sem caráter de inovação ou ampliação de seu escopo.
PAULO GONET BRANCO Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público