Resolução CONANDA nº 225 de 27 de Dezembro de 2021
Dispõe sobre diretrizes para o atendimento socioeducativo às adolescentes privadas de liberdade no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CONANDA no uso das atribuições legais estabelecidas na Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 e no Decreto n° 9579 de 22 de novembro de 2018. CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas de 1989, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, estabelece o direito a não ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, família, domicílio e correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação (art. 16), proteção contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual (art. 19), proteção contra a tortura, garantia de privação de liberdade somente em conformidade com a lei, apenas como último recurso e durante o mais breve período, tendo assistência jurídica, além do direito a manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas (art. 37); CONSIDERANDO que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas, ratificada por meio do Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, preconiza que o Brasil se empenhe em acabar com a discriminação contra a mulher (art. 2º), adotar ações afirmativas destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher (art. 4º e 10), tomar medidas para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas (art. 5º); CONSIDERANDO que a Declaração dos Direitos da Criança e Adolescentes das Nações Unidas de 1959, da qual o Brasil membro signatário, garante o direito das crianças e adolescentes de não sofrerem discriminação por motivo de gênero; CONSIDERANDO que a Constituição da República Federativa de 1988 determina a proibição absoluta de tortura e outros tratamentos desumanos e degradantes (art. 5º, III), garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica (art. 227, §3º, IV) e os princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade (art. 227, §3º, V); CONSIDERANDO a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (art. 5º) e assegura a "inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente" (art. 17); CONSIDERANDO a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde menta, vedando a internação de saúde mental em instituições com características asilares; CONSIDERANDO a Lei n° 12.852, de 5 de agosto de 2013 - Estatuto da Juventude, especialmente seu art. 17, que determina que "o jovem tem direito à diversidade e à igualdade de oportunidades e não será discriminado por motivo de: I - etnia, raça, cor da pele, cultura, origem, idade e sexo; II - orientação sexual, idioma ou religião; III - opinião, deficiência e condição social ou econômica"; CONSIDERANDO a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), em especial o princípio da legalidade segundo o qual adolescentes não podem "receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto" (art. 35, I); "individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente" (art. 35, VI), "não discriminação do adolescente" (art. 35, VIII); CONSIDERANDO a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2018, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, e trata a violência sexual como "como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não" e violência institucional como "a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização"; CONSIDERANDO a Resolução nº 119, 11 de dezembro de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE; CONSIDERANDO a Resolução nº 159, 4 de setembro de 2013, que estabelece o Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovado pelo CONANDA, cujas diretrizes indicam o respeito à diversidade de gênero e orientação sexual; CONSIDERANDO a Resolução nº 160, 18 de novembro de 2013, do CONANDA, que institui o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e Eixos Operativos para o SINASE; CONSIDERANDO as disposições dos chamados "Princípios e boas práticas para a proteção de pessoas privadas de liberdade nas Américas", adotados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, dentre outros pontos, versam sobre a proteção de meninas privadas de liberdade no continente; CONSIDERANDO a Resolução nº 159, 4 de setembro de 2013, que estabelece o Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente, aprovado pelo CONANDA, cujas diretrizes indicam o respeito à diversidade de gênero e orientação sexual; CONSIDERANDO a Resolução nº 160, 18 de novembro de 2013, do CONANDA, que institui o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e Eixos Operativos para o SINASE; CONSIDERANDO a Resolução nº 210, 5 de junho de 2018, do CONANDA, que dispõe sobre os direitos de crianças cujas mães, adultas ou adolescentes, estejam em situação de privação de liberdade; CONSIDERANDO a Portaria de Consolidação nº 02, de 28 de setembro de 2017 que redefine as diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória (PNAISARI); CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento, de 20 de fevereiro de 2018, do Habeas Corpus coletivo nº 143.641, decidiu que mulheres, adultas presas preventivamente e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, que estejam grávidas, amamentando ou tenham filhos com até 12 anos ou com deficiência, devem cumprir prioritariamente medidas não restritivas de liberdade; CONSIDERANDO as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras, conhecidas como "Regras de Bangkok", aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução nº 65/229, de 16 de março de 2011, estabelecendo diretrizes aplicáveis às adolescentes privadas de liberdade; CONSIDERANDO a Recomendação emitida pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - MNPCT, no dia 19 de dezembro de 2018, ao CONANDA e CNPCT, para elaboração de regulamentação de parâmetros a prevenção à tortura e diretrizes e o atendimento socioeducativo às adolescentes privadas de liberdade; CONSIDERANDO a especificidade das adolescentes privadas de liberdade, garantindo sua existência, livre manifestação de sua identidade e adaptações necessárias à sua condição, assim como reconhecendo as situações de vulnerabilidade e riscos aos quais frequentemente as mesmas são submetidas à luz de questões interseccionais como cor/raça, etnia, classe social, território, deficiência, práticas religiosas, entre outras. resolveM:
Publicado por Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Esta Resolução estabelece recomendações no atendimento socioeducativo às adolescentes privadas de liberdade nas instituições do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), conforme a competência de cada um desses órgãos.
Para os fins desta Resolução considera-se: adolescente privada de liberdade: a pessoa com identidade de gênero feminina que tenha entre 12 (doze) e 17 (dezessete) anos de idade, assim como excepcionalmente entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, conforme o art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que estejam cumprindo medidas socioeducativas de meio fechado; unidade: a base física necessária para o funcionamento do programa de cumprimento das medidas socioeducativas de meio fechado, nos termos da Resolução nº 119, 11 de dezembro de 2006, do CONANDA; medidas de meio fechado: medidas socioeducativas de internação, em decorrência de sentença, querem aplicada em virtude do descumprimento reiterado de outra medida, e de semiliberdade, previstas no art. 112, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 e no art. 1º, §3º e 4º, da Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012 medidas de meio aberto: medidas socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade, previstas no art. 112, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; órgão gestor socioeducativo: o órgão da administração pública responsável, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela execução das medidas socioeducativas de meio fechado; violência sexual: entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não; abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiros; exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico; tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação; educação não formal em direitos humanos: entendida como a aquisição e produção de conhecimento que ocorre fora da instituição escolar, e sim nas organizações não-governamentais, movimentos sociais e outras áreas de convivência e aprendizado, estruturada e orientada pelos princípios da autonomia e da emancipação, com vistas à formação crítica integral, nos termos do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH)e Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3); racismo institucional: conjunto de práticas das instituições e organizações que falham em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou etnia, manifestando-se cotidianamente em normas, práticas e comportamentos discriminatórios que combinam estereótipos racistas, colocando pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem frente ao acesso a políticas públicas. Título II - Da Execução das Medidas de Meio Fechado Capítulo I - Do Princípio da Excepcionalidade e da Brevidade
A medida socioeducativa de internação, provisória ou após sentença, reger-se-á pelos princípios constitucionais da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
A internação não deverá ser aplicada em relação às adolescentes gestantes, lactantes, mães e titulares de guarda ou tutela de crianças e adolescentes.
Nos casos do caput, deverá haver prioridade absoluta para a remissão, medidas de meio aberto e semiliberdade.
Na aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade também deverão ser observados os princípios citados no art. 3º, de modo a assegurar a primazia de medidas em liberdade e com permanência junto à família. Capítulo II - Do Ingresso na Unidade
Nos casos excepcionais em que seja determinado cumprimento de medidas de meio fechado às adolescentes, tais medidas deverão ser cumpridas em unidade exclusiva para o público feminino.
O órgão gestor socioeducativo deve abolir quaisquer unidades mistas, que se destinem a ambos os sexos e, no caso de unidades próximas à unidades masculinas, deverá ser garantida a separação física e visual de acessos, bem como a distinção entre o corpo diretivo e equipe funcional das unidades.
Nas unidades femininas, quando atenderem a diferentes modalidades de medidas socioeducativas, como internação e semiliberdade, deverá haver separação de espaço na infraestrutura física para cada uma destas medidas, assim como a garantia de projetos políticos pedagógicos e propostas socioeducativas próprias, considerando as especificidades das adolescentes, bem como da preferência pela composição feminina nos corpos diretivo e técnico de referência e exclusividade de agentes femininas em número adequado à rotina e população da unidade. Capítulo III - Dos Insumos Básicos
Além dos insumos básicos de higiene, devem ser garantidos às adolescentes itens específicos às suas necessidades:
fornecimento de absorventes íntimos em quantidade suficiente, sempre que solicitado, respeitando as diferenças de fluxo menstrual;
suprimento regular de água disponível para cuidados pessoais das adolescentes, em particular as gestantes, lactantes ou durante o período da menstruação;
Outros que se fizerem necessários. Título III - Da Prevenção e Combate à Violência Capítulo I - Da Violência Sexual
As adolescentes privadas de liberdade serão acompanhadas, obrigatoriamente, por agentes socioeducativas mulheres, na custódia nos alojamentos, na permanência em refeitórios e em quaisquer atividades, assim como no deslocamento interno para atividades e atendimentos técnicos.
Em nenhuma hipótese, agentes socioeducativos homens poderão compor a equipe de unidade, no que tange à execução das rotinas internas regulares.
O transporte externo para audiências judiciais, atendimentos de saúde ou de outra natureza fora da unidade poderá ser realizado por agente socioeducativo homem, desde que a adolescente esteja também acompanhada, em todos os momentos, por, pelo menos, uma agente socioeducativa.
As ações de resposta a situações-limite dentro das unidades deverão estar, preferencialmente, a cargo de agentes socioeducativas mulheres, devendo ser à elas oferecidos treinamentos e capacitações adequadas, com vistas a garantia da integridade física e psicológica das adolescentes privadas de liberdade, bem como de todos os profissionais da unidade.
O disposto neste artigo não se aplica aos profissionais das equipes técnicas, de educação, saúde ou outras atividades pedagógicas, profissionalizantes e de cultura, esporte e lazer, entre outros.
DIEGO BEZERRA ALVES