Evolução e transformação do princípio da legalidade

Conceito

O atual Código de Processo Civil altera profundamente o significado e objetivos do processo, o qual deixa de ser uma mera ferramenta de acesso ao Poder Judiciário, para ser um instrumento de realização de direitos e garantias fundamentais.

Em outras palavras, o processo não busca apenas a obtenção de uma tutela jurisdicional, mas sim a realização dos princípios, direitos e garantias da Lei Maior, a qual é sua maior fonte e principal fundamento.

Passando o processo a exercer o papel de verdadeiro meio de busca por Justiça e pela efetiva realização de direitos e garantias fundamentais, sua principal inspiração vem dos princípios previstos na Constituição Federal. Também encontramos princípios na legislação adjetiva, a qual cabe não só a função de ratificar as previsões constitucionais, mas de trazê-las para o plano prático e para a realidade diária das demandas judiciais.

Dentre os diversos princípios processuais, o da legalidade assume uma tônica importante não só no âmbito do processo civil, tanto pelo viés do princípio da juridicidade, como da própria legalidade em sentido estrito.

O princípio da juridicidade prevê uma atuação (especialmente do Poder Público) amparada tanto na letra pura da lei como também nos princípios gerais do Direito, obrigações naturais, ideais sociais almejados e outros aspectos e conjecturas que formam um “bloco de legalidade".

Já em seu sentido mais restrito, o princípio da legalidade é verdadeiro corolário do devido processo legal, eis garantir aos litigantes o prévio conhecimento de todas as “regras do jogo" do processo, conferindo segurança jurídica à demanda, bem como a possibilidade de exercício de diversos direitos e garantias fundamentais por todos os envolvidos do início da lide até sua execução.

Muito embora essa seja a concepção de legalidade hodiernamente defendida pelo binômio Constituição Federal-Código de Processo Civil, o princípio da legalidade nem sempre teve essa sua aplicação. Nos Estados Absolutistas, nos quais a figura do monarca se confundia com a do próprio Estado, a vontade daquele era a lei e a irresponsabilidade do governante era a regra, não havendo limites para seus desígnios e atos.

Com a queda do Antigo Regime e difusão dos ideais da Revolução Francesa, o princípio da legalidade passa a atuar de forma diametralmente diversa, passando a ser um verdadeiro limite à atuação estatal. Ou seja, surge a figura do Estado de Direito, na qual o Poder Público passa a ter sua atuação restrita aos limites do que permite a lei, podendo inclusive ser o governante responsabilizado pelos seus excessos.

Não obstante tal concepção seja de inegável importância à construção do modelo estatal atual e construção do rule of law, diante da complexidade das relações entre particulares-Poder Público, e mesmo entre particulares, a mera submissão da vontade individual à vontade coletiva traduzida no espírito das leis não se mostra suficiente à realização de uma legalidade que de fato resulte em um processo justo e na concretização de outros deveres e garantias fundamentais.

Desta feita, tem-se que o princípio da legalidade, tal como o próprio Direito, não é um conceito estanque e segue em transformação, admitindo-se não só a sua ramificação no princípio da judicialidade, como também as suas facetas de legalidade formal e material (estas relacionadas com o ato gerador da norma e a conformação do seu conteúdo com as demais previsões constitucionais).

Referências principais

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  • DIDIER JUNIOR, Fredie. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed., rev. atual. e ampl., coord. Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
  • DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2021.
  • MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito Processual Civil. 14. ad., Rio de Janeiro: Atlas, 2019.
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume I: parte geral. 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2021.
  • THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil vol.1. 62 ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo vol 1. 20 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM, Teresa Arruda. Temas Essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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