Prescrição e Decadência
Conceito
No campo do processo e da defesa do consumidor em juízo, os institutos da prescrição e da decadência assumem papel central na definição do alcance temporal dos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo essencial compreender sua natureza, os prazos aplicáveis e os efeitos da atuação administrativa e judicial sobre esses marcos temporais. A decadência, nos termos do artigo 26 do CDC, rege-se por prazos curtos e objetivos: 30 dias para produtos e serviços não duráveis e 90 dias para os duráveis, iniciando-se a contagem a partir da entrega efetiva do produto ou término da execução do serviço. A decadência, nessa perspectiva, estabelece uma moldura jurídica que tutela a previsibilidade das relações de consumo, mas, ao mesmo tempo, impõe ao consumidor o ônus da diligência no exercício do seu direito.
A contagem desses prazos, entretanto, não se opera de forma absoluta, havendo causas legais de suspensão reconhecidas no §2º do art. 26, como a formalização de reclamação comprovada perante o fornecedor, a qual obsta o curso do prazo decadencial até a resposta negativa, que, para ser eficaz, deve ser inequivocamente transmitida. Tal entendimento é confirmado pela doutrina ao interpretar o dispositivo à luz do princípio da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade do consumidor. Em reforço à proteção, admite-se que a reclamação formalizada perante entidades públicas de defesa do consumidor, como os Procons, também suspenda ou obste a decadência. Essa interpretação, embora não positivada de maneira expressa após o veto ao inciso II do §2º, é defendida com base na teleologia da norma e na coerência do sistema protetivo consumerista, sob pena de se instaurar grave contradição normativa e de se punir o consumidor diligente com a perda de seu direito, mesmo tendo recorrido aos canais oficiais disponibilizados pelo próprio Estado.
No que tange à prescrição, o artigo 27 do CDC estabelece o prazo de cinco anos para a pretensão de reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, a contar do conhecimento do dano e de sua autoria. A norma apresenta uma opção sistemática que busca equilíbrio entre a celeridade processual e a proteção dos direitos materiais, especialmente diante da responsabilidade objetiva do fornecedor, cuja apuração nem sempre é imediata. O uso da conjunção “e” entre os dois marcos — conhecimento do dano e de sua autoria — reforça a cautela protetiva do legislador diante da assimetria informacional que marca as relações de consumo. Situações nas quais há pluralidade de fornecedores ou complexidade técnica na identificação do nexo causal, como nos casos de intoxicação alimentar por produtos compostos ou falhas em peças automotivas, ilustram a importância desse marco temporal dual como instrumento de justiça material. O sistema do CDC, embora contemple regras próprias de decadência e prescrição, permite, nos termos do art. 7º, a aplicação subsidiária do Código Civil nas hipóteses compatíveis. Assim, as causas gerais de suspensão, interrupção e impedimento da prescrição previstas nos arts. 189 a 204 do Código Civil, inclusive aquelas decorrentes de relação jurídica, solidariedade, incapacidade ou força maior, podem ser invocadas para complementar a proteção ao consumidor. O art. 202, por exemplo, ao tratar da interrupção da prescrição por despacho judicial ou protesto cambial, aplica-se sempre que compatível com a relação de consumo. A doutrina majoritária reconhece que a norma consumerista não se fecha em si mesma, mas se articula com o ordenamento jurídico como um todo, em consonância com o caráter fundamental e transversal do direito do consumidor.
Importa também destacar que, mesmo diante de vetos legislativos que impediram a positivação de certos mecanismos de proteção, como no caso da interrupção da prescrição nos moldes do antigo parágrafo único do art. 27 do CDC, a doutrina e a jurisprudência têm buscado suprir essas lacunas por meio de interpretações sistemáticas e finalísticas, reafirmando o papel do direito do consumidor como instrumento de equilíbrio nas relações de mercado. A própria instauração de inquérito civil, conforme previsto no inciso III do §2º do art. 26, constitui causa suspensiva da decadência, embora exija interpretação extensiva para se reconhecer como termo inicial a data de apresentação da reclamação ao Ministério Público, sob pena de tornar inócuo o dispositivo e punir o consumidor por delongas institucionais alheias à sua vontade.
Portanto, a delimitação precisa entre prescrição e decadência, a compreensão de suas hipóteses legais de suspensão, impedimento ou interrupção, e a harmonização com os princípios informadores do CDC — como a boa-fé, a confiança legítima e a proteção do hipossuficiente — são fundamentais para a atuação judiciária e administrativa voltada à concretização do direito do consumidor. A omissão ou a rigidez interpretativa frente a essas categorias pode acarretar a frustração dos direitos substanciais, transformando o tempo, que deveria ser garantia de estabilidade, em mecanismo de negação da tutela jurisdicional. Nesse contexto, cabe à hermenêutica jurídica promover a leitura ampliativa das normas de proteção temporal, assegurando a efetividade do microssistema de defesa do consumidor e a realização dos direitos fundamentais que nele se assentam.
Referências principais
- ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021.
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2020.
- MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: Forense, 2024.
- NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 15ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.
Remissões - Leis
Código Civil, art. 189 - 206
- Código Civil, art. 189
- Código Civil, art. 190
- Código Civil, art. 191
- Código Civil, art. 192
- Código Civil, art. 193
- Código Civil, art. 194
- Código Civil, art. 195
- Código Civil, art. 196
- Código Civil, art. 197
- Código Civil, art. 198
- Código Civil, art. 199
- Código Civil, art. 200
- Código Civil, art. 201
- Código Civil, art. 202
- Código Civil, art. 203
- Código Civil, art. 204
- Código Civil, art. 205
- Código Civil, art. 206
- Constituição Federal, art. 1º, III
- Constituição Federal, art. 5º, XXXII
- Constituição Federal de 1988, art. 170, V
- Lei nº 7.347/1985, art. 1º
- Lei nº 7.347/1985, art. 5º
- Lei nº 8.078/1990, art. 6º, II
- Lei nº 8.078/1990, art. 14
- Lei nº 8.078/1990, art. 18
Lei nº 8.078/1990, art. 26 - 27