Decreto nº 7.352 de 4 de Novembro de 2010
Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos
Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no art. 33 da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, DECRETA:
Publicado por Presidência da República
Brasília, 4 de novembro de 2010; 189º da Independência e 122º da República.
Art. 1º
A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto.
§ 1º
Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:
I
populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; e
II
escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo.
§ 2º
Serão consideradas do campo as turmas anexas vinculadas a escolas com sede em área urbana, que funcionem nas condições especificadas no inciso II do § 1º.
§ 3º
As escolas do campo e as turmas anexas deverão elaborar seu projeto político pedagógico, na forma estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação.
§ 4º
A educação do campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infraestrutura e transporte escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político-pedagógico e em conformidade com a realidade local e a diversidade das populações do campo.
Art. 2º
São princípios da educação do campo:
I
respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia;
II
incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho;
III
desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para o atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se as condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo;
IV
valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; e
V
controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do campo.
Art. 3º
Caberá à União criar e implementar mecanismos que garantam a manutenção e o desenvolvimento da educação do campo nas políticas públicas educacionais, com o objetivo de superar as defasagens históricas de acesso à educação escolar pelas populações do campo, visando em especial:
I
reduzir os indicadores de analfabetismo com a oferta de políticas de educação de jovens e adultos, nas localidades onde vivem e trabalham, respeitando suas especificidades quanto aos horários e calendário escolar;
II
fomentar educação básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos, integrando qualificação social e profissional ao ensino fundamental;
III
garantir o fornecimento de energia elétrica, água potável e saneamento básico, bem como outras condições necessárias ao funcionamento das escolas do campo; e
IV
contribuir para a inclusão digital por meio da ampliação do acesso a computadores, à conexão à rede mundial de computadores e a outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e a população próxima às escolas do campo.
Parágrafo único
Aos Estados, Distrito Federal e Municípios que desenvolverem a educação do campo em regime de colaboração com a União caberá criar e implementar mecanismos que garantam sua manutenção e seu desenvolvimento nas respectivas esferas, de acordo com o disposto neste Decreto.
Art. 4º
A União, por meio do Ministério da Educação, prestará apoio técnico e financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios na implantação das seguintes ações voltadas à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo em seus respectivos sistemas de ensino, sem prejuízo de outras que atendam aos objetivos previstos neste Decreto:
I
oferta da educação infantil como primeira etapa da educação básica em creches e pré-escolas do campo, promovendo o desenvolvimento integral de crianças de zero a cinco anos de idade;
II
oferta da educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, com qualificação social e profissional, articulada à promoção do desenvolvimento sustentável do campo;
III
acesso à educação profissional e tecnológica, integrada, concomitante ou sucessiva ao ensino médio, com perfis adequados às características socioeconômicas das regiões onde será ofertada;
IV
acesso à educação superior, com prioridade para a formação de professores do campo;
V
construção, reforma, adequação e ampliação de escolas do campo, de acordo com critérios de sustentabilidade e acessibilidade, respeitando as diversidades regionais, as características das distintas faixas etárias e as necessidades do processo educativo;
VI
formação inicial e continuada específica de professores que atendam às necessidades de funcionamento da escola do campo;
VII
formação específica de gestores e profissionais da educação que atendam às necessidades de funcionamento da escola do campo;
VIII
produção de recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários que atendam às especificidades formativas das populações do campo; e
IX
oferta de transporte escolar, respeitando as especificidades geográficas, culturais e sociais, bem como os limites de idade e etapas escolares.
§ 1º
A União alocará recursos para as ações destinadas à promoção da educação nas áreas de reforma agrária, observada a disponibilidade orçamentária.
§ 2º
Ato do Ministro de Estado da Educação disciplinará as condições, critérios e procedimentos para apoio técnico e financeiro às ações de que trata este artigo.
Art. 5º
A formação de professores para a educação do campo observará os princípios e objetivos da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, conforme disposto no Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009 , e será orientada, no que couber, pelas diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.
§ 1º
Poderão ser adotadas metodologias de educação a distância para garantir a adequada formação de profissionais para a educação do campo.
§ 2º
A formação de professores poderá ser feita concomitantemente à atuação profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive a pedagogia da alternância, e sem prejuízo de outras que atendam às especificidades da educação do campo, e por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão.
§ 3º
As instituições públicas de ensino superior deverão incorporar nos projetos político-pedagógicos de seus cursos de licenciatura os processos de interação entre o campo e a cidade e a organização dos espaços e tempos da formação, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.
Art. 6º
Os recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários destinados à educação do campo deverão atender às especificidades e apresentar conteúdos relacionados aos conhecimentos das populações do campo, considerando os saberes próprios das comunidades, em diálogo com os saberes acadêmicos e a construção de propostas de educação no campo contextualizadas.
Art. 7º
No desenvolvimento e manutenção da política de educação do campo em seus sistemas de ensino, sempre que o cumprimento do direito à educação escolar assim exigir, os entes federados assegurarão:
I
organização e funcionamento de turmas formadas por alunos de diferentes idades e graus de conhecimento de uma mesma etapa de ensino, especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental;
II
oferta de educação básica, sobretudo no ensino médio e nas etapas dos anos finais do ensino fundamental, e de educação superior, de acordo com os princípios da metodologia da pedagogia da alternância; e
III
organização do calendário escolar de acordo com as fases do ciclo produtivo e as condições climáticas de cada região.
Art. 8º
Em cumprimento ao art. 12 da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009 , os entes federados garantirão alimentação escolar dos alunos de acordo com os hábitos alimentares do contexto socioeconômico-cultural-tradicional predominante em que a escola está inserida.
Art. 9º
O Ministério da Educação disciplinará os requisitos e os procedimentos para apresentação, por parte dos Estados, Municípios e Distrito Federal, de demandas de apoio técnico e financeiro suplementares para atendimento educacional das populações do campo, atendidas no mínimo as seguintes condições:
I
o ente federado, no âmbito de suas responsabilidades, deverá prever no respectivo plano de educação, diretrizes e metas para o desenvolvimento e a manutenção da educação do campo;
II
os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de suas Secretarias de Educação, deverão contar com equipes técnico-pedagógicas específicas, com vistas à efetivação de políticas públicas de educação do campo; e
III
os Estados e o Distrito Federal deverão constituir instâncias colegiadas, com participação de representantes municipais, das organizações sociais do campo, das universidades públicas e outras instituições afins, com vistas a colaborar com a formulação, implementação e acompanhamento das políticas de educação do campo.
Parágrafo único
Ato do Ministro de Estado da Educação disporá sobre a instalação, a composição e o funcionamento de comissão nacional de educação do campo, que deverá articular-se com as instâncias colegiadas previstas no inciso III no acompanhamento do desenvolvimento das ações a que se refere este Decreto.
Art. 10º
O Ministério da Educação poderá realizar parcerias com outros órgãos e entidades da administração pública para o desenvolvimento de ações conjuntas e para apoiar programas e outras iniciativas no interesse da educação do campo, observadas as diretrizes fixadas neste Decreto.
Art. 11
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, executado no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, nos termos do art. 33 da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009 , integra a política de educação do campo.
Art. 12
Os objetivos do PRONERA são:
I
oferecer educação formal aos jovens e adultos beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA, em todos os níveis de ensino;
II
melhorar as condições do acesso à educação do público do PNRA; e
III
proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais por meio da qualificação do público do PNRA e dos profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos assentamentos.
Art. 13
São beneficiários do PRONERA:
I
população jovem e adulta das famílias beneficiárias dos projetos de assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional de Crédito Fundiário - PNFC, de que trata o § 1º do art. 1º do Decreto nº 6.672, de 2 de dezembro de 2008 ;
II
alunos de cursos de especialização promovidos pelo INCRA;
III
professores e educadores que exerçam atividades educacionais voltadas às famílias beneficiárias; e
IV
demais famílias cadastradas pelo INCRA.
Art. 14
O PRONERA compreende o apoio a projetos nas seguintes áreas:
I
alfabetização e escolarização de jovens e adultos no ensino fundamental;
II
formação profissional conjugada com o ensino de nível médio, por meio de cursos de educação profissional de nível técnico, superior e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento;
III
capacitação e escolaridade de educadores;
IV
formação continuada e escolarização de professores de nível médio, na modalidade normal, ou em nível superior, por meio de licenciaturas e de cursos de pós-graduação;
V
produção, edição e organização de materiais didático-pedagógicos necessários à execução do PRONERA; e
VI
realização de estudos e pesquisas e promoção de seminários, debates e outras atividades com o objetivo de subsidiar e fortalecer as atividades do PRONERA.
Parágrafo único
O INCRA celebrará contratos, convênios, termos de cooperação ou outros instrumentos congêneres com instituições de ensino públicas e privadas sem fins lucrativos e demais órgãos e entidades públicas para execução de projetos no âmbito do PRONERA.
Art. 15
Os projetos desenvolvidos no âmbito do PRONERA poderão prever a aplicação de recursos para o custeio das atividades necessárias à sua execução, conforme norma a ser expedida pelo INCRA, nos termos da legislação vigente.
Art. 16
A gestão nacional do PRONERA cabe ao INCRA, que tem as seguintes atribuições:
I
coordenar e supervisionar os projetos executados no âmbito do Programa;
II
definir procedimentos e produzir manuais técnicos para as atividades relacionadas ao Programa, aprovando-os em atos próprios no âmbito de sua competência ou propondo atos normativos da competência do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário; e
III
coordenar a Comissão Pedagógica Nacional de que trata o art. 17.
Art. 18
As despesas da União com a política de educação do campo e com o PRONERA correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas, respectivamente, aos Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Agrário, observados os limites estipulados pelo Poder Executivo, na forma da legislação orçamentária e financeira.
Art. 19
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad Daniel Maia
Este texto não substitui o publicado no DOU de 5.11.2010