Diferença entre prescrição e decadência
Conceito
A diferenciação entre prescrição e decadência é essencial para a correta aplicação das normas de tutela do consumidor no plano judicial. Embora ambos os institutos se refiram a limitações temporais para o exercício de direitos, possuem fundamentos, funções e consequências jurídicas distintas. No sistema normativo brasileiro, a prescrição diz respeito à perda da pretensão de exigir judicialmente um direito subjetivo violado, enquanto a decadência envolve a extinção do próprio direito potestativo pelo seu não exercício no prazo legal.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a prescrição é regulada pelo art. 27, que estabelece o prazo de cinco anos para o ajuizamento de ações reparatórias por danos causados por fato do produto ou do serviço, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Trata-se, portanto, de norma que disciplina a pretensão indenizatória do consumidor e cuja natureza é de ordem pública e interesse social, mas que admite suspensão, impedimento ou interrupção com base em disposições do Código Civil, desde que compatíveis com o microssistema consumerista.
A decadência, por sua vez, é regulada nos arts. 18 e 26 do CDC, aplicando-se às hipóteses de vício do produto ou do serviço. O consumidor dispõe de 30 dias, nos casos de bens ou serviços não duráveis, e de 90 dias, nos duráveis, para exigir a reparação, a substituição ou a restituição, contados a partir da entrega do produto ou do término da execução do serviço, salvo nos casos de vício oculto, quando o prazo se inicia a partir do momento em que o defeito se torna aparente. A inércia dentro do prazo implica a extinção do direito de exigir o cumprimento da obrigação correspondente.
O critério distintivo central entre ambos os institutos reside no tipo de direito afetado: a prescrição atinge os direitos subjetivos de crédito, cuja exigibilidade depende da violação por outrem; já a decadência incide sobre os direitos potestativos, isto é, aqueles que podem ser exercidos unilateralmente pelo titular, sem necessidade de inadimplemento prévio. Em termos práticos, a prescrição extingue a pretensão, mas não o direito material subjacente, que subsiste como obrigação natural; a decadência, por sua vez, extingue o próprio direito.
Outra distinção relevante é a forma de contagem e de possibilidade de modulação dos prazos. Enquanto a prescrição comporta causas de suspensão, interrupção e impedimento, conforme previsto nos arts. 197 a 204 do Código Civil, a decadência, como regra, não admite tais causas, exceto quando expressamente previstas em lei, como ocorre no §2º do art. 26 do CDC, que reconhece a suspensão do prazo decadencial em virtude de reclamação formulada pelo consumidor perante o fornecedor, o órgão público ou pela instauração de inquérito civil.
A compreensão dessas diferenças não é meramente conceitual, mas influencia diretamente na estratégia processual, no manejo das provas, no reconhecimento da prescrição ou da decadência de ofício pelo magistrado, e, sobretudo, na preservação da segurança jurídica nas relações de consumo. Em face do caráter tuitivo do CDC, a identificação precisa do instituto aplicável é indispensável para que o consumidor não seja penalizado por uma interpretação equivocada dos prazos legais, especialmente considerando-se sua hipossuficiência e a complexidade das relações de mercado contemporâneas.
Assim, o domínio técnico e hermenêutico das diferenças entre prescrição e decadência é instrumento necessário para a realização da justiça nas relações de consumo e para o fortalecimento da ordem constitucional de proteção ao consumidor como parte vulnerável da equação contratual.
Referências principais
- ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021.
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2020.
- MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: Forense, 2024.
- NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 15ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.
Remissões - Leis
- Código Civil, art. 189
Código Civil, art. 197 - 200
Código Civil, art. 202 - 204
- Constituição Federal, art. 5º, XXXII
- Constituição Federal de 1988, art. 170, V
- Lei nº 7.347/1985, art. 1º
Lei nº 7.347/1985, art. 5º, I - II
- Lei nº 8.078/1990, art. 6º, VI
- Lei nº 8.078/1990, art. 14
- Lei nº 8.078/1990, art. 18
Lei nº 8.078/1990, art. 26 - 27