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Recomendação CNMP nº 115 de 10 de Dezembro de 2024

Dispõe sobre a metodologia de instauração e proces- samento de investigações financeiras autônomas, como forma de reforçar a atuação dos ramos e unida- des ministeriais na persecução patrimonial.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício das atri- buições conferidas pelo art. 130-A, § 2º, inc. I, da Constituição Federal, e com fundamento nos arts. 147 e seguintes de seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão plenária pro- ferida na 18 ª Sessão de 2024, realizada em 26 de novembro de 2024, nos autos da Proposição nº 1.00646/2024-07; Considerando que o art. 129, inc. I, da Constituição Federal estabelece como função institucional do Ministério Público, de forma privativa, a promoção da ação penal pública; Considerando as previsões contidas no artigo 7°, inc. II, da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio de 1993, e no artigo 26, inc. I, alínea c, da Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que conferem ao Ministério Público o poder de realizar todas as diligências necessárias no bojo de investigações criminais que conduz; Considerando que o conteúdo do Relatório de Inteligência Financeira é protegido por sigilo constitucional, inclusive nos termos da Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001, não estando, assim, sujeito às classificações da Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, incumbindo ao órgão destinatário, em consequência, a responsabilidade pela preservação do sigilo; Considerando o disposto no artigo 14 da Resolução CNMP nº 181, de 7 de agosto de 2017, que prevê a persecução patrimonial voltada à localização de qualquer benefício derivado ou obtido, direta ou indiretamente, da infração penal, ou de bens ou valores lícitos equivalentes, voltada à propositura de medidas cautelares reais, confisco definitivo e identificação do bene- ficiário econômico final da conduta; Considerando as previsões contidas em distintas convenções internacionais, notada- mente a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada (Convenção de Pa- lermo) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), que estabelecem a necessidade de uma adequada atuação na identificação e localização dos bens, direitos e valores que constituem o produto do crime, como forma de se assegurar uma efetiva recuperação de ativos; Considerando, notadamente, o teor das Recomendações 4, 30 e 31 do Grupo de Atua- ção Financeira Internacional (GAFI/FATF), que dispõem sobre a necessidade de adoção, por parte dos órgãos responsáveis pela persecução criminal, de metodologia de investigações finan- ceiras com o objetivo de efetuar o rastreamento e a identificação de bens, direitos e valores provenientes de práticas delitivas; Considerando que as referidas recomendações estabelecem, ainda, que as investiga- ções financeiras devem ser instauradas de forma autônoma em relação às investigações princi- pais e que devem ter tramitação proativa, possibilitando a adequada aplicação das medidas as- securatórias patrimoniais pertinentes e as consequentes medidas de confisco e perdimento de bens; Considerando que a recuperação de ativos (persecução patrimonial) consistente na identificação dos produtos e proveitos do crime e no manejo de institutos de confisco cautelar, representa um dos objetivos da investigação financeira; Considerando, por fim, a pertinência e a relevância da medida como forma de se buscar uma maior efetividade da atuação dos Órgãos Ministeriais na recuperação de ativos, RECO- MENDA:

Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público

Brasília-DF, 10 de dezembro de 2024.


Art. 1º

Esta recomendação dispõe sobre a necessidade da implementação, por parte dos ramos e unidades do Ministério Público, de metodologia de instauração de investigações financeiras autônomas voltadas ao rastreio e à identificação de bens, direitos e valores proveni- entes de infrações penais, assegurando-se a adequada aplicação de medidas assecuratórias pa- trimoniais com o objetivo de se alcançar uma efetiva aplicação do confisco/perdimento de bens.

Art. 2º

Recomenda-se que as unidades ministeriais estabeleçam mecanismos internos para a adoção de metodologia de planejamento, instauração e processamento de investigações financeiras que permitam uma abrangente identificação dos bens, direitos e valores provenien- tes das condutas criminosas praticadas, seguindo-se os respectivos termos:

I

As investigações financeiras, que poderão ser instauradas como procedimento pró- prio ou como anexo da investigação principal em caso de recuperação de ativos, terão escopo autônomo e seguirão curso independente em relação à investigação principal, apresentando-se, quando de sua instauração, os elementos indiciários de materialidade e autoria de infrações penais;

II

Os Grupos de Atuação Especializada e os órgãos de execução dos ramos e unidades ministeriais devem adotar, como regra geral, a instauração de investigações financeiras autôno- mas em relação às investigações principais sempre que vislumbrada repercussão patrimonial do crime, estabelecendo mecanismos internos para a efetivação da medida;

III

O membro ministerial com atribuição promoverá, durante o curso da tramitação da investigação financeira autônoma, a busca, coleta e análise de dados bem como a investiga- ção dos vínculos entre as pessoas físicas e jurídicas investigadas e outras pessoas relacionadas na investigação, sem prejuízo da verificação da eventual existência de variação patrimonial a descoberto, sempre com o propósito de se efetuar o rastreamento e a identificação de todos os bens, direitos e valores provenientes das infrações penais cometidas;

IV

Deverão ser adotadas as medidas necessárias para assegurar o sigilo das informa- ções constantes das investigações financeiras, recomendando-se a decretação, sempre que ne- cessário, do sigilo das investigações, notadamente quando existirem Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) ou qualquer outra informação compartilhada pelo Conselho de Controle de Informações Financeiras (COAF) com base no artigo 15 da Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, assim como quando presentes informações derivadas de medidas de afastamento de sigilos ban- cário, fiscal, telefônico e telemático;

V

Tão logo identificados os bens, direitos e valores vinculados a práticas criminosas, e não havendo risco ou prejuízo às investigações decorrentes da publicização das medidas pa- trimoniais adotadas, o membro do Ministério Público postulará a aplicação de medidas caute- lares reais adequadas ao caso, tais como aquelas previstas nos arts. 125 a 144-A do Código de Processo Penal, arts. 199 a 219 do Código de Processo Penal Militar, arts. 60 e seguintes da Lei n° 11.343, 23 de agosto de 2006, art. 4° da Lei n° 9.613, de 3 de março de 1998, e art. 3º do Decreto Lei nº 3.240, de 8 de maio de 1941;

VI

as medidas cautelares referidas no inciso anterior tem por objetivo instrumentali- zar institutos que procuram anular os benefícios econômicos decorrentes do cometimento do ilícito, tais como o confisco de bens (Código Penal, art. 91, II; Código Penal Militar, art. 109, II, e art. 119), o confisco pelo equivalente (Código Penal, art. 91, § 1°), o confisco alargado (Código Penal, art. 91-A; Lei 11.343/2006, art. 63-F) e a pena de multa (Código Penal, art. 51);

Parágrafo único

O confisco pelo equivalente (Código Penal, art. 91, § 1°), o confisco alargado (Código Penal, art. 91-A; Lei 11.343/2006, art. 63-F) e a pena de multa (Código Penal, art. 51), são também efeitos da condenação na ação penal militar.

Art. 3º

Recomenda-se que os ramos e as unidades do Ministério Público realizem os estudos necessários de suas estruturas administrativas internas para implementar mecanismos de planejamento, instauração e processamento de investigações financeiras autônomas voltadas ao rastreio e à identificação de bens, direitos e valores provenientes de infrações penais.

Parágrafo único

Deve-se disponibilizar os recursos administrativos, de pessoal e téc- nicos para que os órgãos ministeriais com atribuição possam, de forma adequada e sem demora, efetivar a metodologia de instauração de investigações financeiras autônomas de maneira pro- ativa, conforme previsto nesta Recomendação, atentando-se para as seguintes medidas:

a

celebração de acordos e convênios com órgãos parceiros ou instituições especiali- zadas para o desenvolvimento ou o compartilhamento de metodologias, o intercâmbio de infor- mações, a utilização de soluções tecnológicas e o acesso a banco de dados, visando a identifi- cação de ativos;

b

formação e capacitação de servidores e membros no rastreamento de ativos em sis- temas eletrônicos e ferramentas de efetivação de medidas cautelares patrimoniais, tais como: SEI-C do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras); SIMBA (Sistema de Inves- tigação de Movimentações Bancárias); SIFISCO (Sistemática de Investigação Fiscal); Dossiê Integrado da Receita Federal; CCS do BACEN (Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional); INFOJUD (Sistema de Informações ao Judiciário); SIEL (Sistema de Informações Eleitorais); REDESIM (Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios e Juntas Comerciais); INFOSEG (Rede Nacional de Integração de Infor- mações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização); CRC (Central Nacional de Informações do Registro Civil); CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados); CEN- PROT (Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto de Títulos); e-No- tariado (que cria a Matrícula Notarial Eletrônica); SREI (Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis); SPED (Sistema Público de Escrituração Digital); SNCR (Sistema Nacional de Ca- dastro Rural); SACI (Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil); SISBAJUD (Sis- tema de Busca de Ativos do Poder Judiciário); CNIB (Central Nacional de Indisponibilidade de Bens); SERASA-JUD; NAVEJUD; RENAJUD; ou equivalentes que venham a lhes substituir;

c

desenvolvimento de um programa de apoio às vítimas, relacionado a recuperação e busca de ativos para a reparação do dano causado pela infração penal;

d

assessoramento técnico aos membros do Ministério Público que solicitarem, em matéria de execução de congelamento de bens, com a finalidade de evitar atuações antieconô- micas e garantir, dentro do respeito à lei e com o cumprimento de todas as garantias processuais, o máximo benefício econômico com essas medidas;

e

realização de intercâmbio de informações financeiras, não sujeitas à reserva de ju- risdição, com outras agendas congêneres;

f

realização de laudos periciais ou relatórios técnicos, descrevendo o estado de bens, localização, natureza, conservação, depreciação pelo uso ou decurso do tempo, valor e situação de posse e domínio, indicando eventuais sugestões para a obtenção do máximo benefício eco- nômico no seu uso, alienação ou mesmo, se for o caso, destruição dos bens;

g

elaboração de estatística relacionada a situação dos bens apreendidos, destinação e valores eventualmente arrecadados com sua alienação e, especialmente, valores recuperados a favor das vítimas dos crimes ou do fundo penitenciário;

h

desenvolvimento ou obtenção de sistemas ou softwares que permitam o controle, agilização, transparência e atuação inteligente no âmbito de recuperação de ativos;

i

realização direta, ou com apoio dos grupos de atuação ou outras unidades especiali- zadas, de diligências de campo para localização de bens e identificação das pessoas que pos- suem o domínio e benefício direto ou indireto do patrimônio, identificando-se, também, even- tuais transferências de bens a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória;

j

atuação de forma conjunta ou em cooperação tecnológica com a Rede Nacional de Laboratórios de Tecnologia para Recuperação de Ativos (Rede-LAB), gerenciada pelo Minis- tério da Justiça.

Art. 4º

Recomenda-se que os ramos e as unidades do Ministério Público criem progra- mas de capacitação para membros e servidores que tenham atribuição e atuem na área, a partir dos seus centros de aperfeiçoamento, para ampliar o conhecimento dos conceitos técnicos e jurídicos aplicáveis, assim como o uso das ferramentas necessárias para a busca, coleta e análise de dados e vínculos em uma investigação financeira.

Art. 5º

O disposto nesta Recomendação se aplica também às hipóteses de investigação financeira necessária à efetivação de medidas patrimoniais decorrentes de procedimentos in- vestigatórios ou ações judiciais de natureza não penal.

Art. 6º

O membro do Ministério Público buscará a gestão profissionalizada dos ativos apreendidos, pleiteando, sempre que possível e adequado ao caso, sua alienação antecipada, destinação provisória, e gestão provisória ou definitiva.

Art. 7º

Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.


PAULO GUSTAVO GONET BRANCO Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Recomendação CNMP nº 115 de 10 de Dezembro de 2024