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Recomendação CNMP nº 98 de 30 de Maio de 2023

Recomenda aos órgãos do Ministério Público que atuam em procedimentos relacionados com a participação de crianças e adolescentes em ensaios, espetáculos públicos, certames e atividades afins a adoção de medidas destinadas a combater a exploração do trabalho infantil.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício das atribuições conferidas pelo art. 130-A, § 2º, I, da Constituição Federal, e com fundamento nos arts. 147 e seguintes do seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão plenária proferida na 7ª Sessão Ordinária, realizada em 9 de maio de 2023, nos autos da Proposição nº 1.00205/2023-25; Considerando que o Brasil ratificou a Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em cujo Artigo 8º, item 1, estabelece que “a autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, poderá, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções para a proibição de emprego ou trabalho provida no Artigo 2º desta Convenção, para finalidades como a participação em representações artísticas”; Considerando a necessidade de harmonização entre a proibição geral do trabalho infantil e a permissão excepcional e protegida, individual e autorizada, de prática laboral em sede de manifestação artística, mediante a fixação de parâmetros protetivos mínimos a serem observados como decorrência dos princípios constitucionais da proteção integral e da prioridade absoluta, seja na fixação de atividades permitidas, seja na definição de condições de trabalho; Considerando que o art. 1º da Resolução CNMP nº 105, de 10 de março de 2014, ao dispor sobre a atuação dos membros do Ministério Público como órgão interveniente nos processos judiciais nos quais se requer autorização para trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos, fixa o dever de “zelar pela proteção do interesse superior da criança e do adolescente, de forma a garantir o direito fundamental ao não trabalho, adotando as medidas cabíveis para prevenção ou reversão de decisões judiciais concessivas, tais como pareceres, recursos e remédios constitucionais”. Considerando que o Artigo 8°, item 2, da Convenção nº 138 da OIT condiciona a permissão excepcional de trabalho infantil artístico à fixação de condições especiais e protetivas de trabalho; Considerando o Princípio nº 9 da Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959, que dispõe não ser “permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada ou ser- lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral”; Considerando o teor do art. 149 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), referente à expedição de portarias e alvarás judiciais afetos à participação de crianças ou adolescentes em espetáculos públicos, ensaios e certames; Considerando a necessidade de emprestar efetividade aos objetivos de desenvolvimento sustentável previstos na Agenda 2030 da ONU, o que abrange a “eliminação das piores formas de trabalho infantil” (item 8.7); Considerando que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tem por missão fortalecer, fiscalizar e aprimorar o Ministério Público, zelando pela unidade e pela autonomia funcional e administrativa, para uma atuação sustentável e socialmente efetiva, RESOLVE:

Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público

Brasília-DF, 30 de maio de 2023.


Art. 1º

Esta norma recomenda aos órgãos do Ministério Público que atuam em procedimentos relacionados com a participação de crianças e adolescentes em ensaios, espetáculos públicos, certames e atividades afins a adoção de práticas cooperativas e convergentes entre o Sistema de Justiça local e a rede de proteção, e de medidas destinadas a combater a exploração do trabalho infantil.

Art. 2º

Recomenda-se que a manifestação do Ministério Público nos procedimentos relativos à participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, ensaios e certames, previstos no art. 149 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), seja precedida de documentos ou informações que comprovem:

I

a prévia e imprescindível concordância da criança ou do adolescente;

II

a autorização e o acompanhamento permanente dos pais ou responsáveis;

III

a compatibilidade entre o tempo de ensaio, os intervalos e as pausas com a regular frequência escolar; e

IV

o resguardo da fiscalização administrativa pelos órgãos competentes no local onde será desenvolvido o ensaio, o espetáculo público ou o certame.

§ 1º

Sempre que o membro do Ministério Público Estadual verificar a existência de interesse econômico subjacente à atividade artística da criança e do adolescente, orienta-se que seja providenciado o compartilhamento das informações com o Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo da expedição de ofícios judiciais aos demais órgãos de fiscalização competentes.

§ 2º

Nos casos do § 1º deste artigo, sugere-se que o membro do Ministério Público Estadual atente para a presença dos seguintes parâmetros mínimos de proteção:

I

imprescindibilidade da contratação, o que deve ser aferido por meio da análise sobre se a obra artística não possa objetivamente ser representada por maior de 16 anos;

II

observância do princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente, em ordem a que o trabalho propicie o desenvolvimento de suas potencialidades artísticas;

III

prévia concordância da criança ou do adolescente;

IV

impossibilidade de trabalho em caso de prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial da criança ou do adolescente, devidamente aferido em laudo médico psicológico;

V

matrícula, frequência e bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau desempenho;

VI

compatibilidade entre o horário escolar e o trabalho artístico, resguardados os direitos de repouso, lazer e alimentação;

VII

garantia de assistência médica, odontológica e psicológica, quando necessária e conforme o caso;

VIII

proibição de trabalho a menores de 18 anos em locais e serviços perigosos, noturnos, insalubres, penosos, prejudiciais à saúde, à segurança e à moral e aos bons costumes, nos termos da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), aprovada pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, bem como em lugares que inviabilizem ou dificultem a frequência escolar;

IX

depósito, em caderneta de poupança, de percentual mínimo incidente sobre a remuneração devida;

X

jornada e carga horária semanal máximas de trabalho, com intervalos de descanso e alimentação, compatíveis com o desenvolvimento biopsicossocial da criança ou do adolescente;

XI

prévia autorização e acompanhamento dos pais ou responsáveis, ou de quem os represente, durante toda a prestação do serviço;

XII

garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando aplicáveis, na relação de trabalho, os requisitos dos arts. 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);

XIII

respeito aos valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente; e

XIV

existência de instalações adequadas do local onde será desenvolvido o ensaio, o espetáculo público, o certame ou a atividade afim.

§ 3º

Recomenda-se que a prévia concordância da criança ou do adolescente em participar de espetáculos públicos, ensaios e certames seja aferida diretamente pela autoridade judiciária ou pela equipe técnica da Vara da Infância, observada a especificidade de sua idade, maturidade, bem como as diferentes formas de expressão infantil.

§ 4º

Sempre que a atividade de crianças e adolescentes inclua tratamento de dados pessoais, orienta-se que o órgão do Ministério Público zele pelo cumprimento integral do art. 14 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.

§ 5º

Sugere-se que a garantia de assistência médica, odontológica e psicológica inclua o fornecimento periódico ao juízo competente de laudos e pareceres técnicos que demonstrem a adequação da atividade realizada e a ausência de dano ao desenvolvimento biopsicossocial da criança ou do adolescente.

§ 6º

Quando se tratar de atividade exercida de forma continuada, recomenda-se que o órgão do Ministério Público proponha a necessidade de renovação periódica da autorização e, se a atividade for exercida por criança, condicionar sua nova manifestação à juntada de parecer emitido por médico pediatra.

§ 7º

Sugere-se que a garantia de instalações adequadas inclua o fornecimento de alvará de funcionamento ou equivalente que comprove a regularidade administrativa do local onde serão desenvolvidos os ensaios, os espetáculos públicos, os certames ou as atividades afins.

Art. 3º

Quando existir interesse econômico subjacente à atividade artística da criança e do adolescente, orienta-se que seja priorizado o intercâmbio de dados entre as unidades do Ministério Público Estadual e do Ministério Público do Trabalho para o acompanhamento do caso, podendo-se adotar instrumentos que viabilizem eventual resolução extrajudicial.

Parágrafo único

O regime de cooperação entre os ramos do Ministério Público pode ocorrer por meio das seguintes estratégias, dentre outras que se revelarem adequadas ao enfrentamento dos casos:

I

compartilhamento de relatórios e outros documentos produzidos por órgãos de fiscalização, dando conta da violação de normas de proteção ao trabalhador ou de normas de proteção à criança e ao adolescente;

II

intercâmbio de informações obtidas no âmbito de procedimentos ministeriais sobre o descumprimento dos parâmetros mínimos de proteção fixados pela autoridade judicial;

III

negociações conjuntas para pactuar ajustamento de conduta ou compensação por danos a direitos e a interesses individuais, coletivos ou sociais; e

IV

formação de litisconsórcio ativo em eventuais ações judiciais.

Art. 4º

Quando se tratar de manifestação artística no ambiente digital, sugere-se que o órgão do Ministério Público atente para eventual omissão no cumprimento dos deveres de cuidado por parte das empresas provedoras dos serviços de internet e adote as medidas extrajudiciais ou judiciais necessárias à imediata remoção de conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes, sem prejuízo da rigorosa responsabilização dos agentes econômicos que descumpram dever de cuidado ou mantenham o conteúdo disponível mesmo depois de cientificados da tramitação do procedimento ministerial.

Art. 5º

Recomenda-se que o órgão do Ministério Público zele pela tramitação prioritária dos procedimentos ministeriais e das ações judiciais que tenham como objeto a cessação de qualquer espécie de exploração ilegal de trabalho infantil, bem como dos que digam respeito às responsabilizações trabalhista, cível, administrativa ou criminal relativas a tal ilícito.

Art. 6º

Fica revogada a Recomendação CNMP nº 24, de 10 de março de 2014 .

Art. 7º

Esta Recomendação entra em vigor na data da sua publicação.


ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Recomendação CNMP nº 98 de 30 de Maio de 2023