Recomendação CNMP nº 86 de 28 de Setembro de 2021
Recomenda aos ramos e às unidades do Ministério Público brasileiro a adoção de medidas estruturantes para a melhoria das condições ambientais e de acesso ao trabalho no âmbito do Sistema Prisional.
O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício da competência fixada no art. 130-A, § 2°, I, da Constituição Federal, com fundamento no art. 147, I, de seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão plenária proferida na 13ª Sessão Ordinária do CNMP, realizada nos dias 13 e 14 de setembro de 2021, nos autos da Proposição nº 1.01032/2021-73; Considerando que o Estado Democrático de Direito brasileiro se destina a assegurar, dentre outros, os direitos sociais como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme preâmbulo da Constituição da República; Considerando que os direitos fundamentais são indissociáveis dos fundamentos da República Federativa do Brasil, em especial a cidadania e a dignidade da pessoa humana, bem como dos objetivos republicanos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e da redução das desigualdades sociais e regionais; Considerando a legitimidade do Ministério Público para assegurar e defender, proativa e resolutivamente, os direitos fundamentais; Considerando o papel do Conselho Nacional do Ministério Público na promoção da integração entre os diversos ramos e unidades do Ministério Público brasileiro, respeitadas a independência funcional de seus(suas) membros(as), os limites das atribuições de cada órgão e a autonomia da instituição; Considerando a existência de grandes desafios sistêmicos para a melhoria das condições ambientais, de trabalho e de reinserção e de recuperação social de apenados no âmbito do sistema prisional; Considerando que o acesso ao trabalho e o desenvolvimento de unidades produtivas no âmbito do sistema prisional são elementos essenciais ao planejamento de uma política de segurança pública que previna a reincidência e permita a geração de recursos úteis para a melhoria das unidades e para iniciativas de reintegração social; Considerando que existem múltiplas iniciativas e boas práticas já desenvolvidas no Ministério Público brasileiro, que têm garantido avanços na pauta do sistema prisional e podem ser replicadas nacionalmente; Considerando a necessária interlocução entre múltiplos Ministérios Públicos e múltiplas áreas dos Ministérios Públicos para a melhoria das condições ambientais prisionais; Considerando a importância de que a política pública de acesso ao trabalho de presos e de egressos seja pensada de forma integrada à política de segurança pública e seja elemento que gere eficácia na gestão pública do sistema prisional, RECOMENDA:
Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público
Brasília-DF, 28 de setembro de 2021.
Esta Recomendação dispõe sobre a adoção de medidas estruturantes para a melhoria das condições ambientais e de acesso ao trabalho no âmbito do Sistema Prisional.
Recomenda-se aos ramos e às unidades do Ministério Público brasileiro, respeitada a independência funcional e a distribuição de atribuições de seus(suas) membros(as), a adoção de providências voltadas ao fomento e à fiscalização em prol da elaboração e da efetiva execução pelos(as) gestores(as) estatais dos Planos Estaduais de Implementação da Política Nacional de Trabalho do Preso e do Egresso, com especial atenção para os seguintes aspectos:
indicação das medidas administrativas necessárias à existência de um marco normativo estadual para o desenvolvimento de atividades produtivas no âmbito do sistema prisional;
previsão de ciclos permanentes de audiências públicas com entidades representativas dos setores produtivos, de modo a identificar vocações econômicas estaduais e regionais, para que o trabalho desenvolvido seja sustentável e capaz de habilitar os egressos ao mercado de trabalho externo;
previsão dos incentivos necessários à revisão estrutural das unidades prisionais para a adequada recepção de unidades produtivas, bem como dos modelos de chamamento público e/ou concessão de espaços para atores privados instalarem unidades produtivas;
compromisso da autoridade administrativa de encaminhar ao Poder Legislativo Estadual projetos de Lei com a previsão dos incentivos econômicos e regulatórios necessários, bem como de outras medidas estruturantes, com destaque às cotas em contratações públicas; e
adoção de legislação modelo de Fundo Rotativo, com reaplicação de recursos decorrentes do trabalho dos presos no próprio sistema, e legislação de cotas em contratações públicas.
No exercício dessas atividades, recomenda-se a integração do Ministério Público com atores estatais e sociais relacionados à área, em especial com entidades representativas de segmentos econômicos com potencial inserção no sistema prisional, fazendo uso, para tanto, de audiências públicas e dos demais instrumentos resolutivos que se mostrem necessários e adequados.
Recomenda-se a atuação articulada entre os ramos e as unidades do Ministério Público brasileiro, envolvendo os órgãos de execução com atribuições relativas à saúde, à cidadania e ao patrimônio público, cujos déficits de políticas públicas estejam impedindo a consecução dos aspectos mencionados no art. 2º.
Respeitada a independência funcional, recomenda-se que as inspeções em unidades prisionais sejam, preferencialmente, acompanhadas por membro(a) do Ministério Público do Trabalho, a fim de identificar:
se existem normas de saúde e de segurança operacionais voltadas aos(às) policiais penais, inclusive relacionadas ao acompanhamento do adoecimento mental;
se são observadas as normas de saúde e de segurança próprias às atividades desenvolvidas nas unidades produtivas e nas oficinas existentes para os presos;
se existem protocolos de atendimento para policiais penais e demais trabalhadores(as) das unidades prisionais em face de acidentes com material biológico;
se ocorreu, consoante planejamento ou programa de controle médico ocupacional, a efetiva imunização de policiais penais e demais trabalhadores(as) das unidades prisionais; e
se o trabalho voluntário realizado na manutenção da própria unidade prisional é acompanhado de capacitação profissional, bem assim se não acarreta a frustração do dever do ente público de manutenção estrutural.
Nas atividades de fiscalização das atividades laborais desenvolvidas no interior de unidades prisionais, respeitada a independência funcional, recomenda-se que a atuação do Ministério Público seja articulada, no sentido de prevenir e de reprimir desvios de recursos, apropriação indevida da remuneração de presos e das verbas previdenciárias, bem como do resultado de alienações de produtos e da prestação de serviços.
Na celebração de compromissos e de termos de ajustes de conduta, respeitada a independência funcional, recomenda-se que a atuação do Ministério Público seja, preferencialmente, conjunta, de modo a resguardar o caráter transversal das temáticas, permitir a fiscalização integral da política pública e considerar a possibilidade estratégica da reversão de recursos decorrentes da atuação ministerial para iniciativas previstas nos Planos Estatuais de Implementação da Política de Trabalho do Preso e do Egresso.
Na atuação processual, respeitada a independência funcional, recomenda-se, sempre que possível, a atuação litisconsorcial estratégica entre Ministérios Públicos no âmbito Federal, Estadual e do Trabalho, de modo a resguardar maior uniformidade, efetividade e eficiência nas atividades ministeriais.
No aperfeiçoamento funcional, respeitada a autonomia administrativa dos ramos e das unidades do Ministério Público brasileiro, recomenda-se a realização de capacitações cruzadas, de modo a permitir a conjugação de visões complementares com a percepção integral dos elementos de interesse recíprocos nas múltiplas atuações ministeriais.
Recomenda-se aos ramos e às unidades do Ministério Público brasileiro, respeitada a independência funcional e a distribuição de atribuições de seus(suas) membros(as), a adoção de providências voltadas ao fomento e à fiscalização de políticas públicas de contratações que observem cotas laborais reservadas à população privada de liberdade e aos egressos, sempre que normativamente previstas.
As providências tratadas neste artigo abrangem a efetiva existência de medidas de transparência ativa para as contratações.
No exercício dessas providências, recomenda-se a intensificação da integração com escritórios sociais ou entidades análogas, a fim de permitir a escorreita identificação da aptidão da população prisional e egressa a ser contratada.
Recomenda-se aos ramos e às unidades do Ministério Público brasileiro, respeitada a independência funcional e a distribuição de atribuições de seus(suas) membros(as), a comunicação à Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (CSP) do Conselho Nacional do Ministério Público de boas práticas e de estratégias de atuação já implementadas ou decorrentes do cumprimento desta Recomendação, de modo a permitir sua sistematização e seu compartilhamento com o Ministério Público brasileiro.
ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público