Ampla defesa e duplo grau de jurisdição

Conceito

O atual Código de Processo Civil traz importante previsão quanto à sua fonte principiológica primária, eis deixar claro ser a Constituição Federal o fundamento lógico-jurídico de toda a legislação adjetiva (art. 1º, CPC).

Assim, reafirma-se o compromisso de todo o ordenamento jurídico com o Estado Democrático e de Direito, bem como a necessidade de uma interpretação sistêmica do arcabouço normativo, sempre buscando um norte em comum para o que é o atual Direito pátrio.

Pensando na Constituição Federal - e na sua posição histórica como extensa carta de direitos - e na influência que esta exerce sobre o processo, tem-se que este não é mais um instrumento em busca de uma tutela jurisdicional pura e simples. O processo é, atualmente e no consagrado cenário do " rule of law" , uma ferramenta a favor da proteção e realização dos direitos e garantias fundamentais.

Sendo o princípio do devido processo legal, pela amplitude do seu viés constitucional, tomado como um metaprincípio fundamentador de vários outros, não raro vê-se a confusão deste com outros princípios, especialmente aqueles relacionados à ampla defesa.

Isto porque a ampla defesa, pela sua atual acepção, é também bastante abrangente, havendo, tanto na doutrina como na jurisprudência, dúvidas razoáveis acerca da sua extensão é possível absorção de outros princípios.

Hodiernamente, o princípio da ampla defesa pode ser tomado como a garantia concedida aos litigantes de possibilidade de produção de todas as provas acessíveis e em Direito admitidas, para fins de comprovação e demonstração da argumentação por elas defendidas. No mais, a ampla defesa também assegura o direito de autodefesa e da parte ser assistida por uma defesa técnica eficiente, protegida a paridade de armas entre os litigantes e, mais do que tudo, a condução do processo de forma imparcial, visando alcançar a verdade real dos fatos e a melhor solução possível para o problema posto à apreciação do Poder Judiciário.

Considerada a atual extensão da ampla defesa, surge verdadeira celeuma na doutrina quanto ao papel do duplo grau de jurisdição, existindo, por exemplo, aqueles que entendem pela sua situação de mero desdobramento da ampla defesa (entre estes: Luiz Guilherme Marinoni e Fredie Didier Jr).

Para os seguidores deste posicionamento, o duplo grau de jurisdição não pode ser erigido à condição de princípio próprio, pois, nem sempre uma decisão originária pode ser revista (p. ex., casos de competência originária do STF - art. 102, II e III, CF). No mais, a possibilidade de reexame de uma decisão nada mais seria do que o exercício pleno e completo da ampla defesa, permitindo a reapreciação das provas produzidas no processo e eventual correção do posicionamento de primeiro grau.

Ainda, pontuam os seguidores desta corrente que a própria ausência de fundamento constitucional específico - o duplo grau de jurisdição seria decorrência de uma leitura mais ampla do art. 5º, LIV e LV, da CF - deixa mais evidente sua correlação e dependência frente a outros princípios constitucionais.

Em contrapartida, há os que defendem a existência autônoma do duplo grau de jurisdição, afirmando tratar-se de princípio de complexidade e importância social próprios, relacionados com o Estado de Direito. São adeptos deste pensamento Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim, Cândido Rangel Dinamarco e Araken de Assis.

  • Duplo grau de jurisdição como princípio subordinado: Luiz Guilherme Marinoni e Fredie Didier Jr.
  • Duplo grau de jurisdição como princípio autônomo: Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim, Cândido Rangel Dinamarco e Araken de Assis.

Referências principais

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  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM, Teresa Arruda. Temas Essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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