Resolução CNMP nº 139 de 12 de Abril de 2016
Dispõe sobre o cancelamento de anotações nos registros de qualquer natureza do membro do Ministério Público, referentes às reclamações, sindicâncias e demais procedimentos de cunho disciplinar, arquivados sem sancionamento, após o transcurso do lapso temporal de 30 (trinta) dias da decisão definitiva.
O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício de suas atribuições, conferidas pelo artigo 130-A, §2º, inciso I, da Constituição da República, e com arrimo nos artigos 147 e seguintes de seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão plenária proferida na 7ª Sessão Ordinária, realizada no dia 12 de abril de 2016, nos autos da Proposição nº 1.00383/2015-19; Considerando que o regramento jurídico do Ministério Público brasileiro não define prazo para a permanência da existência de reclamações, sindicâncias e demais processos e procedimentos, de cunho disciplinar, e que tenham sido arquivados sem qualquer sancionamento, nos registros e assentos dos membros do Parquet e em arquivos acessíveis ao publico externo, tais como consultas, certidões, etc..; Considerando que tem sido corriqueira, assim, no âmbito do Ministério Público, a permanência de tais dados ad eternum nas anotações funcionais do membro ministerial, sem que haja qualquer restrição para a obtenção e o uso de tais informações, muitas das vezes utilizadas de forma indevida por terceiros para macular e depreciar a imagem do membro do Parquet ; Considerando que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, têm elencado o direito de ser esquecido entre um dos direitos da personalidade, ao argumento de que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros pretéritos; Considerando que o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a passagem do tempo, no campo do Direito, é o que permite a estabilização do passado, mostrando-se ilegal reagitar ad eternum o que a lei pretende sepultar; Considerando que, com fundamento no “direito ao esquecimento”, já reconhecido pela jurisprudência pátria, exsurge a necessidade de se garantir o cancelamento das anotações após certo lapso temporal, dos dados relativos a reclamações arquivadas sem sancionamento em desfavor do membro ministerial, devendo os dados aqui tratados permanecerem acessíveis exclusivamente para fins de instruir investigação administrativa, no âmbito do respectivo Ministério Público ou deste Conselho, ou ação penal; Considerando que a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 11, assegura proteção à honra e à dignidade, in verbis: “Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas”; Considerando que a Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso I, traz como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e, em seu artigo 5º, X, assegurando aos cidadãos brasileiros a proteção do direito à vida privada (privacidade), à intimidade e à honra, proteção reforçada pelo Código Civil (artigo 21); Considerando que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em 1973, no paradigmático “caso Lebach” (Soldatenmord von Lebach), precursor no reconhecimento do “direito ao esquecimento”, concluiu que “a repetição de informações, não mais coberta pelo interesse de atualidade, sobre delitos graves ocorridos no passado, pode revelar-se inadmissível se ela coloca em risco o processo de ressocialização do autor do delito” Considerando que o Tribunal de última instância de Paris, em 20 de abril de 1983, decidiu, in verbis: “(...) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela” Considerando que o Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Recursos Especiais 1.335.153-RJ e 1.334.097-RJ, em sessão realizada no dia 28/5/2013, validou a proteção do direito ao esquecimento pelo sistema jurídico brasileiro, definindo que a conciliação entre tal direito e o direito à informação perpassa pela análise da existência de interesse público na divulgação da informação, de forma que se não houver interesse público atual, de rigor reconhecer o direito ao esquecimento, devendo ser impedida a veiculação de notícias e informações sobre o fato que já ficou no passado; Considerando que a doutrina estrangeira, capitaneada pelo jurista e filósofo francês François Ost, reafirma o direito ao esquecimento, observando ser “direito, depois de determinado tempo, de sermos deixados em paz e a recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído”; Considerando que o Enunciado nº 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil do CJF, diz que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, RESOLVE:
Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público
Brasília-DF, 12 de abril de 2016.
É vedada a manutenção de qualquer anotação em certidão, assentamento funcional, ou qualquer outro tipo de registro ou arquivo acessível ao público, relativa à existência de reclamações, sindicâncias ou procedimentos administrativos instauradas em face de membro do Ministério Público, que tenham sido arquivados sem sancionamento, após transcorrido lapso temporal de 30 (trinta) dias da decisão definitiva, exceto para instruir eventual processo administrativo no âmbito do Ministério Público ou deste Conselho.
O cancelamento das anotações tratadas no artigo anterior deve se dar de ofício ou a pedido do membro interessado.
RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público