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Recomendação CNMP nº 85 de 28 de Setembro de 2021

Dispõe sobre o fomento à fiscalização, pelo Ministério Público, dos parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTI+ privadas de liberdade em estabelecimentos penais.

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO , no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 130-A, § 2º, I, da Constituição Federal, e com fundamento nos arts. 147 e seguintes do seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão plenária proferida na 13ª Sessão Ordinária, realizada nos dias 13 e 14 de setembro de 2021, nos autos da Proposição nº 1.00847/2021-53; Considerando o disposto na Constituição Federal, em especial nos incisos III, XLI, XLVII, XLVIII e XLIX do art. 5º; Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Organização das Nações Unidas em 1948, que afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que cada pessoa tem a capacidade para gozar os direitos e as liberdades existentes nesse instrumento sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional, nascimento ou qualquer outra condição; Considerando o Artigo II da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, adotada pela Organização dos Estados Americanos em 1948, que dispõe que “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra forma de discriminação”; Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e seu Protocolo Facultativo, as Regras Mínimas das Nações Unidades para o tratamento de presos, as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok), e todos os outros instrumentos internacionais aplicáveis à matéria, bem como os Princípios de Yogyakarta (Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero); Considerando o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal, em especial nos arts. 40, 41, 45 e 67; Considerando a Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras providências; Considerando o Decreto nº 7.626, de 24 de novembro de 2011, que estabelece o plano estratégico de educação no âmbito do Sistema Prisional; Considerando a Resolução CNCP nº 4, de 29 de junho de 2011, que recomenda aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres seja assegurado o direito à visita íntima a pessoa presa, recolhida nos estabelecimentos prisionais; Considerando a Resolução Conjunta nº 1/2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP/MJ), publicada em 17 de abril de 2014, que estabelece parâmetros para o acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil; Considerando a Resolução nº 348, de 13 de outubro de 2020, alterada pela Resolução nº 366, de 20 de janeiro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente; Considerando a Nota Técnica nº 7/2020/DIAMGE/GGCAP/DEPEN/MJ, vinculada à Coordenação-Geral da Cidadania e Alternativas Penais – CGCAP, da Diretoria de Políticas Penitenciárias – DIRPP, do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN / Ministério da Justiça e Segurança Pública, que trata dos procedimentos quanto à custódia de pessoas LGBTI+ no sistema prisional brasileiro e atenta para que as políticas públicas no sistema prisional não ignorem as diversidades da população carcerária e, por isso, não devem dar o mesmo tratamento para as pessoas que se encontram presas, mas, sim, considerá-las em suas especificidades; Considerando a Carta de Conclusão do XI Encontro Nacional do Ministério Público do Sistema Prisional, que previu uma série de medidas voltadas à garantia de direitos das pessoas LGBTI+ encarceradas; Considerando a relevância da presença do Promotor de Justiça na resolução dos graves e sistêmicos problemas prisionais e socioeducativos; Considerando que o novo perfil constitucional do Ministério Público exige um Parquet atuante e resolutivo, RECOMENDA:

Publicado por Conselho Nacional do Ministério Público

Brasília-DF, 28 de setembro de 2021.


Art. 1º

Esta Recomendação dispõe sobre o fomento à fiscalização, pelo Ministério Público, dos parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTI+ privadas de liberdade em estabelecimentos penais.

Art. 2º

Recomenda-se aos Ministérios Públicos, nos seus respectivos âmbitos de atribuição:

I

seja fomentada a fiscalização dos parâmetros de acolhimento das pessoas LGBTI+ privadas de liberdade em estabelecimentos penais, inclusive no que tange à observância do direito da pessoa, a qualquer tempo, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, de se reconhecer como parte da população LGBTI+ por meio de autodeclaração, garantida a privacidade e a integridade da declarante;

II

sejam fomentadas iniciativas que garantam o direito à vida, à integridade física e mental, à integridade sexual, à segurança do corpo, à autodeterminação, à liberdade de expressão da identidade de gênero e à orientação sexual, bem como ao acompanhamento psicossocial da população LGBTI+ no sistema prisional;

III

sejam fomentadas iniciativas em prol da articulação de parcerias com a rede de proteção LGBTI+, a ser composta ao menos por representantes da assistência social, saúde e educação, acompanhando e estimulando, de forma resolutiva, a constituição e a implementação, pelos gestores da administração prisional, dos seguintes direitos:

a

de ser chamado pelo nome social;

b

de inclusão do nome social, também, no registro de admissão e nos demais documentos produzidos no interior da unidade prisional;

c

de disponibilização de espaço de vivência específico aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando sua segurança e especial vulnerabilidade, não confundido este com aquele destinado à aplicação de medida disciplinar, desde que não cause prejuízo à segurança carcerária;

d

de encaminhamento, mediante declaração de vontade específica, das travestis, das pessoas transexuais masculinas e femininas e das pessoas intersexuais para as unidades prisionais femininas;

e

de tratamento isonômico das travestis e das mulheres transexuais em relação às demais mulheres em privação de liberdade;

f

de uso facultativo de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e da manutenção de cabelos compridos, se o tiverem, garantindo seus caracteres secundários, de acordo com sua identidade de gênero, no caso de pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade;

g

de visita íntima, onde e quando for permitida, sem qualquer discriminação em relação à permissão existente para as demais pessoas privadas de liberdade;

h

ao início e à manutenção do tratamento hormonal e ao acompanhamento de saúde específico, no caso de pessoa travesti ou transgênero em privação de liberdade;

i

à atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional – PNAISP;

j

de acesso e continuidade da formação educacional e profissional à pessoa LGBTI+;

k

de assistência religiosa, condicionada à sua expressa anuência, em alinhamento ao art. 11, II, "a", da Resolução CNJ nº 348/2020 e às normas que regulamentem este direito; e

l

de liberdade religiosa e de culto e respeito à objeção da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI+ presa em receber visita de qualquer representante religioso ou sacerdote ou de participar de celebrações religiosas;

IV

seja diligenciado a fim de resguardar a emissão de documentos, nos termos do art. 6º da Resolução CNJ nº 306/2019, ou a retificação da documentação civil da pessoa, quando solicitado pela pessoa autodeclarada parte da população LGBTI+, garantida a gratuidade na emissão e retificação.

V

seja diligenciado a fim de que o Estado:

a

promova a capacitação continuada dos profissionais dos estabelecimentos penais, atores do sistema de justiça, integrantes dos conselhos da comunidade e penitenciários;

b

garanta o atendimento protetivo e o respeito aos direitos fundamentais das pessoas em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, considerando a perspectiva dos direitos humanos;

c

implemente e mantenha atualizados os cadastros relacionados à população LGBTI+ nas unidades prisionais; e

d

garanta à pessoa LGBTI+, em igualdade de condições, o benefício do auxílio reclusão aos dependentes do segurado recluso, inclusive ao cônjuge ou companheiro do mesmo sexo.

VI

seja diligenciado a fim de resguardar que qualquer transferência compulsória entre celas e alas ou quaisquer outros castigos ou sanções em razão da condição de pessoa LGBTI+ sejam considerados tratamentos desumanos e degradantes.

Art. 3º

Para efeitos desta Recomendação, entende-se por LGBTI+ a população composta por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais, considerando-se:

I

lésbicas: denominação específica para mulheres que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outras mulheres;

II

gays: denominação específica para homens que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com outros homens;

III

bissexuais: pessoas que se relacionam afetiva e/ou sexualmente com pessoas do gênero feminino e masculino;

IV

travestis: pessoas que pertencem ao sexo masculino na dimensão fisiológica, mas que socialmente se apresentam no gênero feminino;

V

transexuais: pessoas que se identificam com gênero oposto àquele que lhe foi atribuído no nascimento;

VI

intersexuais: pessoas que nascem com anatomia reprodutivo-sexual (incluindo genitais, gônadas e padrões cromossômicos) que não se encaixam nas noções binárias de corpos masculinos e femininos.

VII

identidade de gênero: consiste na maneira como a pessoa se reconhece e reivindica para si o gênero com o qual se identifica; e

VIII

orientação sexual: consiste no modo como a pessoa se atrai e se relaciona afetiva e/ou sexualmente com outras pessoas.

Art. 4º

As disposições previstas nesta Recomendação devem ser igualmente observadas quando se tratar de adolescentes apreendidos, processados por cometimento de ato infracional ou em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem como parte da população LGBTI+, no que couber e enquanto não for elaborado ato normativo próprio, considerando-se a condição de pessoa em desenvolvimento, o princípio da prioridade absoluta e as devidas adaptações, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 5º

Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.


ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

Recomendação CNMP nº 85 de 28 de Setembro de 2021