Primazia do julgamento do mérito recursal

Conceito

A atual legislação processual tem forte ligação com as disposições da Constituição Federal e princípios por esta encampados, especialmente aqueles intimamente ligados com a realização de um processo racional e apto a oferecer uma prestação jurisdicional célere, eficiente e justa.

Neste contexto, uma das principais frentes de mudança levadas a cabo pelo Código de Processo Civil de 2015 se refere à flexibilização dos aspectos formais e burocráticos do processo, os quais por muitas vezes inviabilizavam a realização de atos processuais mais simples, efetivos e capazes de atender, em apenas um momento e a despeito de certas formalidades, mais de uma finalidade.

O princípio da primazia da decisão de mérito busca trazer a almejada simplicidade e otimização dos atos processuais, sem prejuízo da indispensável segurança jurídica e previsibilidade do processo (devido processo legal).

Neste contexto, estando o magistrado diante de uma situação de possível vício processual, lhe é concedida a possibilidade de convalidar a falha ou de oferecer à parte faltosa a chance de sanar o problema, privilegiando-se, portanto, a instrumentalidade das formas e o alcance da finalidade pretendida, em detrimento do rigor formal.

O princípio da primazia do julgamento do mérito se dá tanto em primeiro como em segundo grau, sendo que, na seara recursal, atua em três vertentes diferentes.

Primeiramente, a primazia no âmbito recursal se dá pela possibilidade de saneamento dos vícios, como se vê, por exemplo, a concessão de prazo para recolhimento de custas complementares do recurso de apelação ou algum outro requisito de admissibilidade de simples superação (art. 932, CPC); ou mesmo quando se admite o agravo de instrumento que não foi corretamente formado, dando-se à parte agravante a chance de juntar os documentos que faltam (art. 1.017, § 3º).

Para além da possibilidade de correção dos vícios no recurso, o Código de Processo Civil de 2015, pela primazia do julgamento de mérito, também combate a chamada jurisprudência defensiva, ou seja, os entraves criados pelos Tribunais para obstar o conhecimento e processamento de recursos, nitidamente na tentativa de desafogar as abarrotadas pautas de julgamento.

É exemplo dessa atuação a derrubada da figura do recurso prematuro, ou seja, da apelação interposta quando pendente o julgamento de embargos de declaração sobre a mesma decisão e que não ratificada após a prolação de decisão sobre os aclaratórios (art. 1.024, §5º, c.c. art. 218, §4º, ambos do CPC).

Por fim, fungibilidade recursal é a possibilidade de aproveitamento do recurso interposto erroneamente, sempre que houver dúvida objetiva sobre a modalidade de recurso adequada. É o caso, por exemplo, do recebimento de embargos de declaração como se fossem agravo interno (art. 1.024, §3º, CPC).

Aliás, uma das mais radicais mudanças promovidas pela lei processual vigente diz respeito à possibilidade de fungibilidade entre os recursos excepcionais (art. 1.032 e 1.033).

Nestes casos, a aplicação da fungibilidade vem em verdadeiro socorro das partes litigantes, eis que, por diversas vezes, o relator do STJ entendia que a argumentação arguida no recurso especial era de nítido cunho constitucional, enquanto o relator do STF decidia pela ocorrência apenas de violação constitucional reflexa. Assim, acabava que nenhum dos recursos era efetivamente processado e a parte que os interpunha ficava sem a almejada análise dos Tribunais Superiores.

Hodiernamente, se tal cenário se faz presente, o relato do STJ pode remeter o processo ao STF para que o recurso seja apreciado como se recurso extraordinário fosse, tal como pode o relator do STF encaminhar o apelo excepcional ao STJ, se entender que a matéria é de ordem infraconstitucional.

Referências principais

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  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM, Teresa Arruda. Temas Essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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