Dever de transparência e boa-fé
Conceito
O dever de transparência e a boa-fé objetiva ocupam posição central na estrutura normativa do Código de Defesa do Consumidor, funcionando como pilares essenciais da ordem contratual protetiva. Ambos transcendem a esfera meramente ética e se impõem como princípios jurídicos vinculantes, com eficácia normativa plena e aplicação transversal em todas as etapas da relação de consumo: pré-contratual, contratual e pós-contratual.
A transparência, no plano jurídico, consiste na obrigação do fornecedor de prestar informações claras, adequadas, ostensivas e precisas sobre os produtos e serviços ofertados, bem como sobre os direitos e deveres oriundos do vínculo contratual. Trata-se de uma manifestação concreta do princípio da informação, expressamente previsto no art. 6º, III, do CDC, cuja finalidade é equilibrar a assimetria informacional que caracteriza as relações de consumo. O consumidor, figura presumidamente vulnerável, deve ser colocado em condição de compreender, de forma plena e sem subterfúgios, o conteúdo do contrato ao qual está aderindo, sob pena de nulidade das cláusulas que contrariem esse dever.
A boa-fé objetiva, por sua vez, assume papel ainda mais abrangente. Diferentemente da boa-fé subjetiva, que se vincula à intenção interna das partes, a boa-fé objetiva estabelece um padrão de conduta a ser observado no exercício dos direitos e no cumprimento das obrigações. Ela impõe deveres anexos — ou laterais — tais como lealdade, cooperação, proteção da confiança legítima e comportamento ético e previsível. No contexto do CDC, a boa-fé objetiva fundamenta não apenas a vedação de cláusulas abusivas, mas também a própria possibilidade de revisão contratual e a aplicação de sanções por práticas comerciais desleais.
O descumprimento dos deveres de transparência e boa-fé não se limita à responsabilização contratual. A legislação consumerista admite a responsabilização civil, administrativa e até penal daqueles que, dolosa ou culposamente, ocultarem informações relevantes, promoverem práticas publicitárias enganosas ou impuserem cláusulas desleais. Além disso, tais condutas permitem a aplicação de medidas de tutela coletiva, dada sua lesividade ao interesse difuso da coletividade de consumidores.
Esses deveres, portanto, não podem ser interpretados como obrigações acessórias, mas como elementos estruturantes do regime jurídico protetivo das relações de consumo. Sua observância assegura o equilíbrio contratual, promove a confiança no mercado e concretiza a função social do contrato, compatibilizando a livre iniciativa com os imperativos da dignidade da pessoa humana e da justiça nas relações privadas.
Referências principais
- ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021.
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2020.
- MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: Forense, 2024.
- NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 15ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.
Remissões - Leis
- Código Civil, art. 113
- Código Civil, art. 422
- Constituição Federal, art. 1º, III
- Constituição Federal, art. 5º, XXXII
- Constituição Federal, art. 170, Parágrafo único, V
Lei 8.078/1990, art. 30 - 31
Lei nº 8.078/1990, art. 4º, I - III
Lei nº 8.078/1990, art. 6º, III - IV
Lei nº 8.078/1990, art. 46 - 47
Lei nº 8.078/1990, art. 51, § 1º, I - II