Proteção Contratual
Conceito
A proteção contratual prevista no Código de Defesa do Consumidor representa uma ruptura com a lógica tradicional das relações obrigacionais pautadas no paradigma da autonomia privada absoluta. Diante da constatação da hipossuficiência técnica, econômica e informacional do consumidor, a legislação consumerista institui um regime jurídico específico destinado a equilibrar as forças em jogo e assegurar a prevalência da justiça contratual sobre o formalismo normativo.
Nesse contexto, o contrato deixa de ser um instrumento de mera manifestação de vontades presumidamente livres e iguais, para se tornar objeto de controle normativo quanto ao seu conteúdo, forma e efeitos. A boa-fé objetiva passa a ser princípio estruturante das relações contratuais de consumo, impondo deveres anexos de lealdade, cooperação e transparência, os quais vinculam as partes não apenas durante a execução do contrato, mas também nas fases pré e pós-contratual.
A cláusula contratual, outrora soberana em face da vontade presumida, torna-se objeto de controle judicial e legal. São nulas de pleno direito as disposições que impliquem renúncia a direitos fundamentais, que imponham obrigações desproporcionais ou que estabeleçam vantagens unilaterais em favor do fornecedor. O legislador consumerista, ao enumerar exemplificativamente as cláusulas abusivas no art. 51 do CDC, evidencia a necessidade de preservar o equilíbrio material do contrato e impedir o uso do poder econômico como instrumento de dominação jurídica.
A transparência, nesse cenário, não se restringe à mera formalidade redacional, mas constitui dever jurídico de clareza, inteligibilidade e destaque das condições contratuais, sobretudo nos contratos de adesão. A ausência de negociação individualizada impõe ao fornecedor o ônus de redigir as cláusulas de forma compreensível e acessível, sob pena de, em caso de ambiguidade, prevalecer a interpretação mais favorável ao consumidor, conforme preceitua o art. 47 do CDC.
Ademais, o Código consagra o direito à revisão contratual sempre que ocorrerem fatos supervenientes e imprevisíveis que tornem excessivamente onerosa a prestação a cargo do consumidor. Trata-se de consagração da cláusula rebus sic stantibus, voltada à preservação do equilíbrio contratual em face das mutações socioeconômicas que comprometam a função social do contrato e a efetividade da relação de consumo.
Importa destacar que a responsabilidade nas relações contratuais de consumo é objetiva, fundando-se na teoria do risco do empreendimento. Independentemente de culpa, o fornecedor responde pelos vícios e defeitos dos produtos e serviços que comercializa, devendo reparar integralmente os danos causados ao consumidor, conforme dispõe o art. 14 do CDC. Tal responsabilização reforça o caráter protetivo da legislação consumerista, ao transferir ao fornecedor os ônus de sua atividade econômica e ao dispensar o consumidor do encargo probatório relativo à culpa.
Em suma, a disciplina jurídica da proteção contratual nas relações de consumo representa um marco de superação do voluntarismo contratual clássico e afirma um novo modelo contratual pautado pela função social, pela equivalência material entre as partes e pela prevalência da dignidade da pessoa humana como vetor de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. Trata-se, pois, de uma evolução normativa que reconfigura o contrato não como um ato meramente formal de vontades, mas como um instrumento de justiça social no âmbito das relações privadas contemporâneas.
Referências principais
- ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021.
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2020.
- MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª edição. São Paulo: Forense, 2024.
- NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 15ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2024.
Remissões - Leis
- Constituição Federal, art. 5º, XXXII
- Constituição Federal de 1988, art. 170, V
- Lei 8.078/1990, art. 54
- Lei nº 8.078/1990, art. 4º, III
Lei nº 8.078/1990, art. 6º, III - V
- Lei nº 8.078/1990, art. 6º, VIII
- Lei nº 8.078/1990, art. 14
Lei nº 8.078/1990, art. 46 - 47
Lei nº 8.078/1990, art. 51, § 1º, I - III
- Lei nº 8.078/1990, art. 52