Boa-fé processual e lealdade

Conceito

A essência da reforma trazida pela Lei nº 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil) está numa mudança da concepção do que é e para que serve o processo, a qual tem por principal pedra de toque a expressa opção da Constituição Federal como fundamento maior da legislação adjetiva.

Essa escolha principiológica explícita reforça a nova ótica do processo, o qual passa a servir cada vez mais como um instrumento de concretização dos preceitos e objetivos do Estado Democrático e de Direito, especialmente no que diz respeito à democratização do acesso à Justiça e oferecimento de uma tutela jurisdicional célere e eficiente.

Neste novo cenário, o processo é ferramenta não só de alcance de uma justa pretensão jurisdicional individual, mas também um mecanismo pela efetivação da tutela e garantia dos direitos fundamentais, viabilizando a tradução prática de valores constitucionais que, pela sua amplitude e forte carga principiológica, nem sempre eram de fácil realização no processo.

O princípio do processo cooperativo exsurge como um dos novos pilares dessa mudança paradigmática, alterando a costumeira posição bélica havida entre as partes para a de criação de uma estrutura a favor do diálogo e da busca pelo esclarecimento da situação, priorizando a igualdade de armas e de oportunidades de falas, de tal sorte a tornar possível vir à tona a verdade real dos fatos (art. 5º, 6º e 7º, CPC).

Logo, o processo passa a ser muito mais colaborativo e com um alcance que ultrapassa o interesse individual dos litigantes e atinge de forma direta a função social do processo, ou seja, a concretização dos conceitos e princípios constitucionais processuais que garantem a liberdade e segurança das partes, com profunda inspiração nos pilares do Estado Democrático e de Direito e capacidade de influir na forma de agir e de pensar da própria sociedade.

Neste contexto, dois são os pilares do processo cooperativo: a boa-fé processual e a lealdade processual.

Quanto à boa-fé, este conceito está intimamente relacionado ao que ensina a boa-fé objetiva, eis pretender que as partes atuem de forma transparente, sem tumultuar ou mentir no processo, atuando de forma ética e permitindo o desenvolvimento da lide de forma correta e adequada, calcada na busca pela descoberta da realidade dos fatos em discussão.

Por sua vez, a lealdade processual pressupõe a atuação das partes alinhada a uma moralidade no processo, a fim de que este atinja não só o objetivo mais próximo do processo (determinação de uma tutela jurisdicional), mas também a sua finalidade mais ampla, qual seja, a realização dos direitos e garantias fundamentais sustentadores do Estado Democrático e de Direito.

Cumpre destacar que a parte e/ou advogado que não age de acordo com os preceitos de boa-fé e lealdade processual pode ser civilmente responsabilizada pelos prejuízos que causar ao processo e à parte contrária, bem como condenada nas penas da litigância de má-fé (art. 80 e 81, CPC).

Referências principais

  • CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 7ª ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2021.
  • DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 23 ed., Salvador: JusPodivm, 2021.
  • DIDIER JUNIOR, Fredie. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed., rev. atual. e ampl., coord. Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
  • DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2021.
  • MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito Processual Civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2019.
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume I: parte geral. 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2021.
  • THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil vol.1. 62 ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo vol 1. 20 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
  • WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALVIM, Teresa Arruda. Temas Essenciais do novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
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