Princípios das relações internacionais

Conceito

Além de ser a mais extensa carta de direitos até então já promulgada na história constitucional do Brasil, a Constituição Federal de 1988 é também um documento político, estando nela insculpidos todos os princípios, objetivos e valores do Estado Democrático de Direito brasileiro.

Nesta toada, o texto constitucional, além de trazer as orientações para a organização interna do Estado brasileiro, traz também princípios norteadores das relações internacionais, ou seja, dos enlaces a serem realizados entre o Brasil e países estrangeiros e/ou organismos internacionais (p. ex.: Organização das Nações Unidas, Organização Mundial de Saúde, Organização Mundial do Comércio e Mercosul, entre outras).

Tais pressupostos são essenciais não só ao desenvolvimento de políticas internacionais, como também à afirmação da soberania nacional brasileira no plano mundial, o que se torna cada vez mais relevante no atual estágio do processo de globalização. O exercício da soberania estatal no plano internacional é de incumbência exclusiva do Chefe de Estado/Chefe de Governo, ou seja, do Presidente da República (art. 84, VII e VIII).

Nos dizeres do art. 4º, os princípios orientadores das relações internacionais são: (i) independência nacional;(ii) prevalência dos direitos humanos; (iii) autodeterminação dos povos; (iv) não-intervenção; (v) igualdade entre os Estados; (vi) defesa da paz; (vii) solução pacífica dos conflitos; (viii) repúdio ao terrorismo e ao racismo; (ix) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; (x) concessão de asilo político.

No parágrafo único, do mesmo dispositivo, tem-se a sedimentação da união de esforços dos Estados latino-americanos pela formação de uma comunidade econômica, política, social e cultural, a qual decerto encontrava seu embrião no já não tão fortalecido Mercosul.

Para José Afonso da Silva, podemos dividir os princípios supracitados de acordo com a fonte de inspiração do legislador constituinte, podendo esta ser: (i) de cunho nacionalista, abrangendo os princípios da independência nacional, autoderminação dos povos, de não-intervenção e de igualdade entre os Estados; (ii) de viés internacionalista, como nos princípios da prevalência dos direitos humanos e de repúdio ao terrorismo e ao racismo; (iii) de visão pacificista, nas idéias de defesa da paz, solução pacífica de conflitos e concessão de asilo político; e (iv) por uma orientação comunitária, nos princípios pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e na formação de uma comunidade latino-americana.

Com vistas à melhor compreensão de cada princípio, seguem abaixo breves explanações individuais:

  • Independência nacional: é a reafirmação da soberania interna perante o cenário internacional repisando não estar o Brasil obrigado a acatar regras que não tenham sido por ele próprio aceitas e que não se encontrem em consonância com sua ordem interna.
  • Prevalência dos direitos humanos: confirmando o previsto no §2º, do art. 5º, da Constituição Federal, reforça a necessidade de proteção dos direitos da pessoa humana, ressaltando o caráter garantista da Lei Maior.
  • Autodeterminação dos povos: corolário do princípio das nacionalidades, ensina que as nações são livres para se autogovernar, observados os limites postos pelos demais princípios orientadores da função estatal (p. ex.: o da prevalência dos direitos humanos, a fim de se evitar que a autodeterminação ceda espaço à instituição de governos ditatoriais).
  • Não-intervenção: decorrente do princípio da autodeterminação, veda a ingerência de um Estado nos assuntos do outro.
  • Igualdade entre os Estados: cuida-se da afirmação jurídica da igualdade entre os Estados (nem sempre verificada no campo prático), especialmente com o intuito de desenvolver relações amistosas e equilibradas entre os Estados, brecando possíveis avanços de grandes potências sobre Estados menores.
  • Defesa da paz: para os fins da hermenêutica constitucional, o conceito de paz deve ser visto como ausência de conflito armado.
  • Solução pacífica de conflitos: presente nas Constituições brasileiras desde 1891, reforça a excepcionalidade das declarações de guerra e repisa o compromisso do Estado nacional com a busca por outras vias de solução de conflito, tais como negociações diretas e arbitragem.
  • Repúdio ao terrorismo e ao racismo: exprime uma repulsa qualificada e pungente a duas situações tidas como da mais profunda desumanidade, a serem totalmente banidas da ordem nacional e internacional.
  • Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade: tida como forma pacífica de conciliação de interesses e solução de conflitos, com a comunhão de esforços para superação de problemas políticos, econômicos, sociais, culturais ou até mesmo humanitários. Aqui o uso do vocábulo cooperação é essencial, pois este rejeita a ideia de subordinação, ficando evidente que cada Estado-cooperativo segue mantendo incólume a sua soberania.
  • Concessão de asilo político: são duas as espécies de asilo político que podem ser concedidas, sendo estas (i) asilo diplomático, este consubstanciado no acolhimento de refugiado político em representação diplomática do Estado asilante; ou (ii) asilo territorial, a ser concedido quando o estrangeiro adentra no território nacional sem o preenchimento dos requisitos legais para tanto, porém, para fugir de perseguição política ou ideológica.

Referências principais

  • ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
  • BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
  • BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 35 ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
  • LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
  • MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 37. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
  • SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 43 ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
  • SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
  • TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

Autoria

  • Natália Dozza - PUC-SP
  • Daniela Oliveira - USP (jurisprudências)
Remissões - Leis