Jurisprudência TSE 62624 de 27 de agosto de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
16/06/2020
Decisão
O Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros Edson Fachin, Og Fernandes e Alexandre de Moraes, conheceu e deu provimento ao recurso especial eleitoral, para reformar o acórdão regional e julgar improcedente o pedido formulado na AIJE, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Luís Roberto Barroso, Carlos Horbach e Luis Felipe Salomão. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PREFEITO. VICE–PREFEITO. REQUISITO. GRAVIDADE. ART. 22, XVI, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. SÍNTESE DO CASO 1. Trata–se de recurso especial eleitoral interposto em face de acórdão regional que manteve a condenação dos recorrentes às sanções de cassação de diplomas de prefeito e vice–prefeito, assim como de declaração de inelegibilidade pelo período de oito anos, impostas com base no art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar 64/90, em virtude da prática de abuso do poder econômico, consistente na distribuição de camisetas e de cerveja a eleitores com o intuito de influenciar no pleito. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL QUESTÕES PRÉVIAS 2. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário na espécie, pois as pessoas que os recorrentes sustentam que deveriam integrar a lide são: a) mero executor das ordens do candidato a prefeito, que não participou da distribuição de camisetas a eleitores, conforme narrativa da petição inicial; b) proprietário do bar onde ocorreu a distribuição gratuita de bebidas, cuja conduta não foi individualizada na peça inaugural, tendo sido demonstrado apenas no curso da instrução processual que ele realizou a compra da bebida doada a eleitores, de forma que não havia como chamá–lo para compor o polo passivo da demanda; e c) pessoas cujo envolvimento nas condutas abusivas não ficou comprovado. 3. As conclusões do Tribunal de origem a respeito da não configuração de litisconsórcio passivo necessário na espécie não podem ser modificadas sem o reexame do conjunto fático–probatório dos autos, o que não se admite em recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE. 4. Tendo o Tribunal de origem entendido que os argumentos de ilicitude do depoimento pessoal dos réus e de oitiva de testemunhas não arroladas na petição inicial consistem em indevida inovação de tese em embargos de declaração, não há falar em omissão do aresto recorrido do quanto a tais questões, o que afasta a alegação de ofensa aos arts. 275 do Código Eleitoral, 489, § 1º, II, III e IV, e 1.022, II e III, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, e 93, IX, da Constituição da República, e que impede a aplicação do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil. 5. A alegação de que a Corte de origem deveria ter se pronunciado de ofício sobre as alegações de ilicitude do depoimento pessoal e da oitiva de testemunhas não arroladas na inicial não merece acolhimento, pois, em julgados recentes e alusivos à instância ordinária, esta Corte assentou que é vedada a inovação de tese em embargos, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Nesse sentido: AgR–RCED 8015–38, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 13.5.2016; REspe 709–48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018. 6. Não merecem acolhimento as alegações de ofensa ao art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil e de nulidade do acórdão regional em virtude da ausência do voto vencido, pois, de acordo com a Corte de origem, o teor do pronunciamento divergente não foi declarado pela magistrada que o proferiu e já se encerrou o seu biênio de atuação no Tribunal Regional Eleitoral, de forma que se aplica ao caso o entendimento de que não há "como se exigir a prática de ato retroativo de magistrado que não mais integra este Colegiado" (ED–HC 0603989–63, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 24.8.2018). 7. Esta Corte Superior já decidiu que a instauração de inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional Eleitoral competente por prerrogativa de função não acarreta, por si só, nulidade, quando dessa irregularidade não decorre prejuízo. Nesse sentido: REspe 129–35, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.11.2018. 8. No caso, a análise da alegação de nulidade das provas oriundas do inquérito policial, por falta de supervisão do tribunal competente por prerrogativa de função, esbarra no óbice do verbete sumular 24 do TSE, tendo em vista que a Corte de origem assentou que o prefeito não era investigado no inquérito policial em questão e porque não há no acórdão recorrido elemento que permita inferir em que momento da investigação criminal teria surgido indício de eventual envolvimento da citada autoridade nas condutas supostamente ilícitas, ou mesmo se, após esse momento, teria porventura sido praticado ato de caráter decisório ou adotada em seu desfavor providência que estivesse protegida pela cláusula da reserva de jurisdição, a fim de que se pudesse cogitar a existência de eventual prejuízo. 9. O indeferimento do pedido de perícia em fotografias, filmagens e documentos escritos oriundos do inquérito policial ocorreu por entender o juiz eleitoral pela sua desnecessidade para a solução da controvérsia, eis que os fatos que seriam objetos de análise pericial teriam sido comprovados por outros elementos de convicção, entendimento que está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior. Nesse sentido: REspe 1310–64, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 14.12.2015; AgR–RO 0600870–81, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS em 13.11.2018; e AgR–REspe 244–24, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 2.2.2017. 10. As conversas realizadas em aplicativo de mensagens instantâneas, citadas na fundamentação do acórdão regional, não foram o único elemento utilizado pelo Tribunal de origem para concluir que houve distribuição de camisetas a eleitores, pois tal entendimento foi amparado também nas várias camisetas apreendidas pela polícia em poder de outras pessoas. 11. Conquanto os recorrentes aleguem que as fotografias juntadas aos autos e que o recibo da empresa do ramo de confecção de roupas não teriam sido submetidos a perícia, verifica–se que eles nem sequer sugerem que tais documentos contivessem algum indício de adulteração, trucagem ou montagem, cingindo–se à mera argumentação genérica de que tais elementos deveriam ter sido periciados. 12. O Tribunal a quo, mediante premissas fáticas insuscetíveis de alteração na instância especial, consignou que o delegado de polícia, embora ausente da oitiva de testemunhas, supervisionou a tomada dos depoimentos e determinou as perguntas que seriam formuladas, conferindo os termos digitados. 13. Os recorrentes não indicaram quais pessoas teriam sido ouvidas sem a presença da autoridade policial, limitando–se a afirmar, em tese, a possibilidade de que novas perguntas surgissem a partir das respostas apresentadas pelos depoentes, de forma que não se desincumbiram de demonstrar a existência de prejuízo. Incide, portanto, a orientação remansosa desta Corte de que, "no processo eleitoral, a decretação de nulidade fica condicionada, por força do art. 219 do CE, à efetiva demonstração de prejuízo" (AgR–AI 708–23, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.3.2019). 14. Não merece acolhimento a alegação de ilicitude da prova obtida na busca e apreensão realizada sem prévia ordem judicial na residência de Walter Bezamat Remelli, pois, de acordo com os fatos delineados no acórdão recorrido, o proprietário afirmou em juízo ter autorizado a entrada dos policiais em sua casa, mesmo depois de informado de que não havia mandado, e consta no boletim de ocorrência que a busca só foi realizada após a autorização do proprietário, não havendo provas de eventual abuso de autoridade na citada diligência. 15. A pretensão de que sejam alteradas as conclusões do Tribunal de origem, a fim de declarar a suposta ilicitude da busca e apreensão e dos elementos probatórios nela colhidos, esbarra no óbice ao revolvimento do acervo fático–probatório dos autos, nos termos do verbete sumular 24 do TSE. 16. A Corte de origem assentou que os recorrentes tiveram a oportunidade de manusear os documentos juntados pela parte contrária por ocasião da audiência de instrução, assim como puderam se manifestar sobre eles nas alegações finais, de forma que não há como reconhecer o alegado cerceamento de defesa na espécie, pois "o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar–se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais" (REspe 458–67, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 30.8.2016). 17. O entendimento do Tribunal de origem de não analisar as alegações de nulidade do acórdão regional em virtude da colheita do depoimento pessoal de investigado e da oitiva de testemunhas supostamente não arroladas na petição inicial, pelo fato de somente terem sido suscitadas em sede de aclaratórios, está em consonância com recente decisão deste Tribunal, no sentido de que "a pretensão de ver apreciada matéria em sede de embargos de declaração opostos em segundo grau de jurisdição quando ela não foi ventilada em nenhum momento processual anterior, nem mesmo em sede de defesa ou no recurso eleitoral, revela quebra do dever processual de cooperação e da boa–fé (arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil)" (REspe 709–48, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 16.10.2018). 18. A eventual colheita de depoimento pessoal do réu em ação de investigação judicial eleitoral não enseja, por si só, a nulidade processual cogitada pelos recorrentes, pois é necessária a demonstração de efetivo prejuízo decorrente da prática do referido ato processual, o que não ocorreu na espécie. Nesse sentido: AgR–REspe 35.932, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJE de 4.8.2010; AgR–RMS 26–41, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.9.2018. 19. A análise do argumento de que a parte autora, ao cumprir determinação judicial para adequar o rol de testemunhas ao número máximo previsto em lei, teria feito constarem da relação dois nomes que não figuraram na nominata inicial, razão pela qual teriam sido ouvidas testemunhas não arroladas, demandaria o exame das petições iniciais das ações de investigação judicial eleitoral julgadas em conjunto com o presente feito, providência que esbarra no óbice do verbete sumular 24 do TSE. 20. O dissídio jurisprudencial a respeito do caráter de matéria de ordem pública do qual estaria revestida a alegação de nulidade de depoimento pessoal do investigado não foi demonstrado, pois o aresto indicado como paradigma não guarda semelhança fática com a espécie dos autos, já que nele se discutiu a nulidade de interrogatório em ação penal, por ter sido realizado antes da audiência de instrução, configurando–se inversão do rito previsto na lei processual penal, ao passo que, no presente caso, alega–se a nulidade de depoimento pessoal da parte em ação cível–eleitoral. 21. Improcede o arguido malferimento do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral e da Constituição da República, ao ter a decisão regional reconhecido a inconstitucionalidade parcial do citado preceito legal (e determinado novas eleições), disposição que, segundo o recorrentes, seria adequada ao texto constitucional e compatível com a soberania popular. Conforme decidido pela instância revisora, esta Corte também há muito assentou tal inconstitucionalidade parcial, especificamente da locução "após o trânsito em julgado" contida no citado dispositivo, compreensão também externada pelo Supremo Tribunal Federal (TSE: ED–REspe 139–25, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 28.11.2016; AgR–REspe 431–53, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.3.2017; e AgR–REspe 245–09, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 9.5.2017; STF: ADI 5.525, rel. Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 29.11.2019. Incidência do Enunciado Sumular 30 do TSE. MÉRITO 22. O Tribunal de origem reconheceu a prática de abuso do poder econômico consistente na distribuição de camisetas vermelhas a eleitores e na distribuição de cerveja à população em geral em evento realizado na véspera das eleições, confirmando, por conseguinte, a cassação dos diplomas de prefeito e vice–prefeito dos recorrentes e a declaração da sua inelegibilidade pelo período de oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90. 23. A gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato abusivo é requisito essencial para o reconhecimento da prática do abuso do poder econômico, a teor do disposto no art. 22, XVI, da LC 64/90, e "se traduz em fato que altera a legitimidade do pleito ou lhe causa desequilíbrio" (AgR–REspe 661–19, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 5.11.2015). 24. De acordo com a jurisprudência do TSE, o abuso do poder econômico caracteriza–se pela utilização excessiva e desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de modo a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito, em benefício de determinada candidatura. 25. No caso dos autos, conquanto o Tribunal de origem consigne que foram compradas 900 camisetas vermelhas pela chapa majoritária formada pelos recorrentes, verifica–se que o acórdão regional não contém elementos que autorizem concluir que todos esses exemplares tenham sido distribuídos a eleitores. Além disso, o acórdão recorrido não especifica, nem sequer por aproximação, o quantitativo de camisetas distribuídas, nem o período em que teria ocorrido tal distribuição, o que impede a aferição de efetiva expressão econômica da conduta tida como ilícita. 26. O aresto alude a alguns poucos casos, nos quais teria sido apontada a distribuição de camisetas a eleitores, ou, pelo menos, nos quais ocorreu a apreensão de exemplares em poder de terceiros. Todavia, a pequena quantidade de camisetas, que, a partir da leitura do acórdão recorrido, depreende–se terem sido distribuídas, não denota gravidade suficiente para comprometer a legitimidade do pleito ou o equilíbrio da disputa eleitoral. 27. No que se refere à distribuição de 1.200 de latas de cerveja a populares, o acórdão regional assinala que tal evento ocorreu em um bar, na véspera da eleição, ao custo total de R$ 1.908,00, e que a citada despesa foi paga por um dos proprietários do referido estabelecimento comercial. Entretanto, não há informação sobre quantas pessoas estiveram presentes no citado evento, dado que seria relevante para a aferição da amplitude da conduta. 28. A presença no evento de pessoas trajando roupas na cor vermelha, inclusive o uso de bandeiras e a reprodução de música de campanha, consiste apenas em indícios de conotação eleitoral, mormente porque a Corte de origem reconheceu que os candidatos eleitos não estiveram presentes no evento de distribuição de bebidas e que durante ele não houve pedido de votos, assim como não ocorreu a participação de pessoas ligadas à coligação pela qual os recorrentes disputaram o pleito, consignando–se apenas a mera presença do filho do candidato a vice–prefeito. 29. Nas circunstâncias descritas no acórdão regional, a distribuição a eleitores de 1.200 latas de cerveja, realizada e custeada por terceiros, não tem gravidade suficiente para comprometer a legitimidade ou a normalidade do pleito, nem para afetar a igualdade entre os candidatos. Ademais, a quantia de R$ 1.908,00, gasta na compra da bebida pelo proprietário do bar onde ocorreu o evento, tem pequena expressão econômica no contexto do município, o qual tem mais de 26.810 habitantes, de acordo com o acórdão regional. 30. A Corte de origem assentou a gravidade das condutas tidas como abusivas, tendo em conta a probabilidade de elas terem sido decisivas para a vitória dos recorrentes, em virtude da pequena diferença de votos verificada entre o primeiro e o segundo colocados na eleição para prefeito, sem apontar outros elementos que corroborem o entendimento por ela adotado a respeito do caráter grave dos fatos. Tal conclusão está em desacordo com o que dispõe o art. 22, XVI, da LC 64/90, segundo o qual, para a configuração do ato abusivo, será considerada apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, e não a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição. Nesse sentido: REspe 1–14, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 25.2.2019. 31. Diante da ausência, no caso dos autos, de gravidade das condutas apontadas como abusivas, o acórdão recorrido merece ser reformado, a fim de se afastar a condenação dos recorrentes. CONCLUSÃO Recurso especial a que se dá provimento.