Jurisprudência TSE 46423 de 29 de maio de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
16/05/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial interposto por Roberto Vagner Ribeiro Barbato, julgando prejudicado o pedido de efeito suspensivo por ele formulado, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros Carlos Horbach, Nunes Marques, André Mendonça, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Cármen Lúcia (Presidente em exercício). Impedimento do Senhor Ministro Alexandre de Moraes.Composição: Ministra Cármen Lúcia (Presidente em exercício) e Ministros Nunes Marques (substituto), André Mendonça (substituto), Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 30–A DA LEI N° 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. GRAVIDADE E RELEVÂNCIA JURÍDICA. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. DESPROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. Na origem, o Ministério Público Eleitoral ajuizou representação por captação ilícita de recursos, fundada no art. 30–A da Lei 9.504/97, contra Roberto Vagner Ribeiro Barbato, em razão de recebimento de doação de pessoa física sem capacidade econômica comprovada para fazê–lo.2. O Tribunal Regional Eleitoral deu parcial provimento a recurso manejado por Roberto Vagner Ribeiro Barbato, apenas para afastar a obrigação de recolher R$ 39.563,33 ao Tesouro Nacional, mantendo, no mais, a sentença que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral e cassou o seu diploma de suplente ao cargo de vereador no Município de São Caetano do Sul, eleito no pleito de 2016.3. Por decisão, dei provimento a agravo de instrumento interposto em face da inadmissão do recurso especial, a fim de possibilitar o melhor exame do apelo.Questões prévias4. É assente a orientação de que "não há falar em ausência de fundamentação da decisão que analisou detidamente o argumento suscitado no recurso especial, ainda que de forma contrária à pretensão do recorrente" (AgR–REspe 658–69, rel. Min. Nancy Andrighi, acórdão de 26.6.2012).5. A petição inicial não tem os vícios previstos no art. 330, § 1°, do CPC e uma vez presentes os seus elementos essenciais – partes, causa de pedir e pedido –, de modo a viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa às partes, não há falar em inépcia.6. Na linha dos precedentes desta Corte, para que a petição inicial seja apta, "é suficiente que sejam descritos os fatos e seja levada ao conhecimento da Justiça Eleitoral eventual prática de ilícito eleitoral. Precedentes" (AgR–Al 6.2831, rel. Min. Gerardo Grossi, DJ de 19.3.2007).7. O entendimento da Corte Regional está alinhado com a orientação firmada neste Tribunal no sentido de que "inexiste litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e os doadores de campanha, pois estes não se sujeitam à cassação do diploma, única pena do art. 30–A da Lei 9.504/97" (REspe 446–50, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 21.2.2019).8. A conclusão da Corte de origem acerca da alegação de falta de interesse de agir está em consonância com a orientação firmada neste Tribunal Superior, no sentido de que "os legitimados passivos para a demanda [representação do art. 30–A da Lei 9.504/97], segundo a doutrina e a jurisprudência, são os candidatos que arrecadaram ou gastaram recursos ilicitamente, inclusive os suplentes, na linha do que decidido por este Tribunal no RO nº 1.540/PA, da relatoria do e. Ministro Felix Fischer. O terceiro responsável ou partícipe não sofre nenhuma consequência jurídica no âmbito da aludida representação" (RO 2188–47, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 18.5.2018).9. Este Tribunal Superior consolidou o entendimento no sentido de que "a defesa da ordem jurídica e do regime democrático é função institucional do Ministério Público, nos termos do art. 127, caput, da Constituição da República, o que consubstancia sua legitimidade para atuar em todos os feitos eleitorais" (AgR–REspe 170–16, red. para o acórdão Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4.10.2018).10. "O Ministério Público Eleitoral é parte legítima para propor a ação de investigação judicial com base no art. 30–A" (RO 15–96, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 12.2.2009).11. A simples menção a outra ação, sem que dela se extraiam fundamentos não expostos ao contraditório, não enseja, por si só, a nulidade processual cogitada pelo recorrente, pois, para tanto, é necessária a demonstração do efetivo prejuízo daí decorrente, o que não ocorreu na espécie.12. A quebra dos sigilos fiscal e bancário da doadora está amparada em julgado proferido por esta Corte Superior em caso similar, que admitiu, em caráter excepcional, a quebra de sigilos bancário e fiscal de terceiros, não integrantes do polo passivo da ação judicial. Com efeito, ao examinar essa questão no RMS 0600440–51, de minha relatoria, esta Corte Superior, na linha do julgamento dos RMS 56–11 e 47–49, nos quais este Tribunal acompanhou o voto do Ministro Edson Fachin, reafirmou que, por ser indispensável ao deslinde da controvérsia a obtenção dos dados bancários e fiscais da doadora, não houve contrariedade ao princípio da proporcionalidade.13. Na linha da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a fundamentação per relationem não se confunde com ausência ou deficiência de fundamentação da decisão judicial e é compatível com o art. 93, IX, da Constituição Federal. Precedentes. (AgR–RHC 0601566–39, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 8.5.2020.)Matéria de fundo14. Com base em provas documentais juntadas aos autos – as quais não podem ser examinados por este Tribunal Superior, nos termos do verbete sumular 24 do TSE –, provenientes da quebra do sigilo fiscal e bancário da doadora e das informações prestadas pela Receita Federal, a Corte de origem assentou o seguinte:(i) a doadora não apresentou declaração de imposto de renda referente aos exercícios de 2014 e 2015, tendo sido incluída para esse fim como dependente de sua filha Rita de Cássia Silva;(ii) os extratos bancários revelaram que Ana Maria Comparini Silva não tinha condições financeiras para sustentar doações no montante de R$ 395.563,33;(iii) até julho de 2016, o seu rendimento mensal era de R$ 1.129,08, relativo ao recebimento de pensão por morte do INSS;(iv) a partir de 8.8.2016, passaram a circular pela conta da doadora valores significativos, oriundos de depósitos em espécie, que rapidamente eram descontados por meio de cheques;(v) em 25.8.2020 e de 15 a 1ª.9.2016, foram realizadas diversas operações bancárias, as quais destoam em relação às movimentações ocorridas nos sete meses anteriores;(vi) ao comparecer em juízo para testemunhar, em audiência ocorrida em 12.6.2018, manteve–se em silêncio e se recusou até mesmo, num primeiro momento, a fornecer o próprio nome ao magistrado, tendo respondido somente após a anuência do advogado;(vii) Ana Maria Comparini Silva, ao realizar doações eleitorais a candidatos, no total de R$ 395.563,33, tinha 84 anos de idade, era viúva, dona de casa, recebia como rendimento mensal do INSS o valor de R$ 1.129,08, era registrada como desempregada no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e cadastrada no programa governamental de concessão de moradia popular;(viii) foi destinado à campanha eleitoral do recorrente o valor de R$ 39.593,33.15. "É assente neste Tribunal Superior que a doação eleitoral, realizada por pessoa física sem capacidade econômica, configura captação de recursos de origem não identificada, apta a caracterizar o ilícito inscrito no art. 30–A da Lei n° 9.504/97, desde que o fato consubstancie ilegalidade qualificada ou possua relevância jurídica suficiente densa para macular a lisura do pleito. Precedentes" (REspe 1795–50, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 25.8.2020).16. Este Tribunal já assentou que "o uso de ¿laranjas' para encobrir os verdadeiros doadores de campanha configura inequívoca arrecadação de recursos de origem não identificada a ensejar a perda do diploma (art. 30–A da Lei 9.504/97). Precedentes" (AgR–REspe 445–65, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 27.5.2019).17. O preconizado no art. 30–A da Lei 9.504/97 visa coibir práticas ilícitas relativas ao recebimento e ao uso de recursos financeiros em campanhas eleitorais que possam implicar comprometimento da lisura do pleito e causar o desequilíbrio da disputa.18. Conforme se infere dos fatos delineados no acórdão regional, a doadora Ana Maria Comparini Silva não tinha capacidade econômico–financeira para realizar doações para campanha eleitoral do beneficiário, o que se revela fato grave, em que pese não tenha ficado demonstrado que os recursos foram provenientes de fonte vedada ou advindos de ato delituoso.19. O simples aporte de recursos de origem não identificada na campanha eleitoral já demonstra gravidade suficiente para configurar o ilícito eleitoral previsto no art. 30–A da Lei 9.504/97.20. Ainda de acordo com o Tribunal de origem, a irregularidade no valor de R$ 39.593,33 corresponde a 78,48% do total da receita auferida pela campanha do recorrente, circunstância que evidencia a gravidade da conduta, uma vez que parte significativa dos recursos recebidos foi proveniente de origem não comprovada, o que viola a igualdade entre os candidatos, a lisura e a transparência das eleições.21. Quanto à relevância jurídica, o Tribunal de origem assentou que "o ilícito apontado se mostra relevante dentro do contexto da campanha do recorrente, tanto que foi eleito como suplente para o cargo de vereador em uma das mais importantes cidades do Estado de São Paulo" (ID 132266188, p. 2).22. No que se refere à alegada ausência de má–fé do candidato, este Tribunal já se manifestou no sentido de que "a má–fé é um dos elementos para a aferição da gravidade da conduta ilegal, sendo dispensada sua análise quando verificada a relevância jurídica da irregularidade, como na hipótese" (AgR–REspe 310–48, red. para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 25.8.2020).23. Diante da orientação firmada por esta Corte, é forçoso reconhecer que está presente a gravidade e a relevância jurídica a justificar a condenação, diante da quebra da paridade entre os candidatos, que gerou o desequilíbrio da disputa e atingiu a legitimidade do pleito.24. Tendo em vista que o acórdão regional está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, incide, na espécie, o verbete sumular 30 do TSE, o qual "pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial" (AgR–AI 152–60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 27.4.2017).CONCLUSÃORecurso especial eleitoral a que se nega provimento.