Jurisprudência TSE 46253 de 31 de maio de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
16/05/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento aos recursos especiais eleitorais interpostos por José Auricchio Junior, pelo Partido Democrático Trabalhista e pelo Ministério Público Eleitoral, declarando prejudicado o pedido de efeito suspensivo postulado por José Auricchio Junior, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator os Ministros Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Nunes Marques, André Mendonça, Benedito Gonçalves e Raul Araújo. Impedimento do Senhor Ministro Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministra Cármen Lúcia (Presidente em exercício) e Ministros Nunes Marques (substituto), André Mendonça (substituto), Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 30–A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA SEM CAPACIDADE ECONÔMICA. GRAVIDADE E RELEVÂNCIA JURÍDICA. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. DESPROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO1. Na origem, o Diretório Municipal do Partido Democrático Trabalhista ajuizou ação de investigação judicial eleitoral contra José Auricchio Junior e Roberto Luiz Vidoski, eleitos prefeito e vice–prefeito de São Caetano do Sul/SP no pleito de 2016, atribuindo–lhes as práticas de captação ilícita de recursos, em razão de recebimento de doação de pessoa sem capacidade econômica comprovada, e de abuso do poder econômico, consistente na realização de festa para a promoção da campanha eleitoral dos candidatos.2. Após a desistência da parte autora, o Ministério Público Eleitoral assumiu o polo ativo da demanda.3. O Juízo da 166ª Zona Eleitoral assentou que, em relação ao ventilado abuso de poder, operou–se a decadência, delimitando o fato investigado à doação realizada por Maria Alzira Garcia Correa Abrantes e reconhecendo que o repasse de Ana Maria Comparini Silva constituía objeto de outra ação. Após instrução, julgou parcialmente procedentes os pedidos, determinando a cassação dos diplomas e a devolução de R$ 350.000,00 ao erário.4. O Tribunal Regional Eleitoral deu parcial provimento ao recurso eleitoral manejado por José Auricchio Junior e Roberto Luiz Vidoski, apenas para afastar a obrigação de recolher R$ 350.000,00 ao Tesouro Nacional, mantendo, no mais, a sentença que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral e cassou os seus diplomas de prefeito e vice–prefeito.5. Seguiu–se a interposição de recursos especiais por José Auricchio Junior, pelo Partido Democrático Trabalhista e pelo Ministério Público Eleitoral.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ AURICCHIO JUNIORQuestões prévias6. A petição inicial não tem os vícios previstos no art. 330, § 1°, do CPC, e, uma vez presentes os seus elementos essenciais – partes, causa de pedir e pedido –, de modo a viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa às partes, não há falar em inépcia.7. Para que a petição inicial seja apta, "é suficiente que sejam descritos os fatos e seja levada ao conhecimento da Justiça Eleitoral eventual prática de ilícito eleitoral. Precedentes" (AgR–Al 6.2831, rel. Min. Gerardo Grossi, DJ de 19.3.2007).8. A ação de investigação judicial eleitoral admite o "uso de prova emprestada legalmente produzida em procedimento investigatório criminal. Precedentes" (REspe 16–35, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 17.4.2018).9. Não há violação ao art. 141 do CPC ou cerceamento de defesa, visto que não houve a ampliação da demanda, pois as provas advindas do processo penal foram submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa pelo recorrente.10. Infirmar a conclusão da Corte Regional, para assentar que não foi oportunizado ao recorrente o exame do conjunto probatório proveniente da ação penal, demandaria, necessariamente, o reexame do conteúdo fático–probatório, o que é vedado nesta instância recursal, a teor do verbete sumular 24 do TSE.11. No que tange ao alegado dissídio jurisprudencial, ressalto que o recorrente não comprovou sua ocorrência, visto que se limitou a reproduzir a ementa dos julgados tidos como paradigmas, sem, contudo, realizar o cotejo analítico para demonstrar a similitude fática entre os arestos invocados e o caso dos autos, circunstância que atrai a incidência do verbete sumular 28 do TSE.12. Ao examinar essa questão no RMS 0600440–51, esta Corte Superior reafirmou que, por ser indispensável ao deslinde da controvérsia a obtenção dos dados bancários e fiscais da doadora, não houve contrariedade ao princípio da proporcionalidade, pois "o direito ao sigilo bancário não é absoluto, e o seu afastamento depende de decisão fundamentada" (RMS 56–11, red. para o ac[ordão Min. Edson Fachin, DJE de 30.8.2019).13. No que se refere à falta de robusta fundamentação da decisão que autorizou a quebra de sigilo fiscal e bancário, tal alegação não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal de origem, o que evidencia a falta de prequestionamento da matéria e impede o seu exame em sede de recurso especial, nos termos do verbete sumular 72 do TSE.14. O efeito devolutivo dos recursos em sua profundidade ou dimensão vertical permite ao Tribunal ad quem, na função de instância revisora, examinar as alegações recursais e todo o acervo probatório pertinente ao capítulo articulado no recurso eleitoral, ainda que não tenham sido invocados pelas partes.15. No caso, o relator condutor do aresto recorrido examinou os elementos constantes da sentença e opinou pela manutenção da conclusão alcançada em primeiro grau, com base no acervo probatório carreado aos autos no momento da instrução processual realizada pelo juízo zonal, sem incorrer em supressão de instância, valendo–se da ampla devolutividade do recurso eleitoral, cuja natureza se assemelha à da apelação cível, disciplinada pelo art. 1.013, § 10, do CPC.16. "No que tange à declaração de nulidade processual, vigora o princípio pas de nullitésansgrief, segundo o qual é necessária a demonstração de prejuízo, consoante a inteligência do art. 219 do CE e a jurisprudência deste Tribunal Superior"(AgR–AI 15–14, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 17.11.2016), o que não ocorreu na espécie.Matéria de fundo17. Com base em elementos documentais juntados aos autos – provenientes da quebra do sigilo fiscal e bancário da doadora e das informações prestadas pela Receita Federal –, a Corte de origem entendeu o seguinte:(i) a doadora não apresentou declaração de imposto de renda referente aos exercícios de 2012, 2013, 2015 e 2016;(ii) antes de 30.9.2016, a conta corrente da doadora, à época com 89 anos de idade, não teve movimentações expressivas, e o seu único rendimento era o benefício mensal do INSS, no valor de R$ 2.892,30;(iii) a partir de 30.9.2016, a conta corrente da doadora, no Banco Bradesco (c/c 1.011.756–9 – ag. 0494–4), passou a receber depósitos de valores significativos, situação que perdurou até 16.11.2016, totalizando R$ 547.676,67;(iv) a maior parte dos depósitos foi efetuada por Julio Amadeu Correia Abrantes e Rita de Cássia Silva, filha de Ana Maria Comparini Silva e que está sendo investigada por doações realizadas a candidatos no ano de 2016, inclusive o ora recorrente, no total de R$ 395.563,33;(v) do montante de R$ 547.676,67, movimentados entre 30.9.2016 e 16.11.2016, foi doada para a campanha eleitoral de José Auricchio Junior e Roberto Luiz Vidoski a quantia de R$ 350.000,00, em três parcelas: em 19.10.2016 de R$ 250.000,00; em 24.10.2016 de R$ 80.000,00; e em 25.10.2016 de R$ 20.000,00;(vi) Maria Alzira Garcia Correa Abrantes não tinha capacidade financeira para arcar com as doações efetuadas, sendo que expressivos valores foram depositados em sua conta bancária (no dia 17.10.2016 – R$ 150.000,00; e em 19.10.2016 – R$ 250.000,00) por terceiros, poucos dias que antecederam as doações;(vii) durante a tramitação deste feito, foi noticiado o falecimento da doadora, aos noventa anos de idade, sem deixar bens a inventariar, circunstância que ratifica a sua hipossuficiência financeira e patrimonial para realizar doações eleitorais que extrapolaram o montante de R$ 350.000,00;(viii) entre os meses de setembro e novembro de 2016, Maria Alzira Garcia Correa Abrantes estava hospitalizada, em razão de um acidente vascular isquêmico, o que indica que esta provavelmente não tinha condições físicas e mentais de realizar doações eleitorais.18. Ainda de acordo com o Tribunal de origem, a irregularidade no valor de R$ 350.000,00 corresponde a 22% do total da receita auferida pela campanha de José Auricchio Junior e Roberto Luiz Vidoski, circunstância que evidencia a gravidade da conduta, uma vez que parte significativa dos recursos recebidos foi proveniente de origem não comprovada, o que viola a igualdade entre os candidatos, a lisura e a transparência das eleições.19. Conforme se infere dos fatos delineados no acórdão regional, a doadora Maria Alzira Garcia Correa Abrantesnão tinha capacidade econômico–financeira de realizar doações para a campanha eleitoral dos beneficiários, o que revela que sua conta bancária foi utilizada apenas para ocultar a origem dos recursos doados, uma vez que os candidatos não esclareceram a sua real procedência.20. Este Tribunal já assentou que "o uso de ¿laranjas' para encobrir os verdadeiros doadores de campanha configura inequívoca arrecadação de recursos de origem não identificada a ensejar a perda do diploma (art. 30–A da Lei 9.504/97). Precedentes" (AgR–REspe 445–65, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 27.5.2019).21. O preconizado no art. 30–A da Lei 9.504/97 visa coibir práticas ilícitas relativas ao recebimento e ao uso de recursos financeiro em campanhas eleitorais que possam implicar comprometimento da lisura do pleito e causar o desequilíbrio da disputa.22. "Segundo firme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, para a procedência do pedido formulado na representação pelo art. 30–A da Lei 9.504/97, é necessário aferir a gravidade da conduta reputada ilegal, que pode ser demonstrada tanto pela relevância jurídica da irregularidade quanto pela ilegalidade qualificada, marcada pela má–fé do candidato. Precedentes" (REspe 472–78, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 19.12.2018, grifo nosso).23. Na espécie, é forçoso reconhecer que estão presentes a gravidade e a relevância jurídica a justificar a condenação, diante da quebra da paridade entre os candidatos, que gerou o desequilíbrio da disputa e atingiu a legitimidade do pleito, porquanto, além de alcançar 22% do total da receita recebida pela campanha dos beneficiários, há elementos suficientes a indicar que os recursos repassados tiveram origem ilícita, ante a sua procedência desconhecida.24. No que diz respeito à alegada ausência de previsão legal que imponha ao candidato o ônus de aferir, previamente, o lastro patrimonial dos doadores, observo que a referida tese não foi objeto de debate na Corte de origem, nem foi suscitada ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral para manifestação sobre o tema. Trata–se, assim, de inovação recursal.25. Ao contrário do sustentado nas razões recursais, "é assente neste Tribunal Superior que a doação eleitoral, realizada por pessoa física sem capacidade econômica, configura captação de recursos de origem não identificada, apta a caracterizar o ilícito inscrito no art. 30–A da Lei n° 9.504/97, desde que o fato consubstancie ilegalidade qualificada ou possua relevância jurídica suficiente densa para macular a lisura do pleito. Precedentes" (REspe 1795–50, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 25.8.2020).26. Não há falar em dissídio jurisprudencial, uma vez que a orientação do Tribunal a quo está em conformidade com o entendimento desta Corte Superior, incidindo na espécie o verbete sumular 30 do TSE. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA27. Quanto à alegada necessidade de a distribuição do presente feito ser realizada por prevenção, tendo em vista que o RMS 47–49 – impetrado por Ana Maria Comparini Silva contra a decisão de quebra de sigilo bancário nos autos do processo de origem – passou à relatoria do Ministro Edson Fachin, em razão de ter se instaurado divergência vencedora, observo que o pedido de questão de ordem sobre o assunto (ID 156965799, pp. 1–2) foi indeferido pelo então Presidente desta Corte, Ministro Luís Roberto Barroso. Desse modo, tendo a decisão se mantida incólume, operou–se, na espécie, a preclusão.28. O entendimento do Tribunal de origem deve ser integralmente mantido, visto que a agremiação partidária não tem interesse jurídico apto a justificar seu ingresso como assistente, pois a eventual manutenção do aresto recorrido resultará em cassação de diplomas de cargos majoritários cujos ocupantes não são filiados ao PDT.29. Destaco que "a lei processual exige, para o ingresso de terceiro nos autos como assistente simples, a presença de interesse jurídico, ou seja, demonstração da existência de relação jurídica integrada pelo assistente que será diretamente atingida pelo provimento jurisdicional, não bastando o mero interesse econômico, moral ou corporativo. Precedentes" (AgR–Rp 8–46, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 19.8.2016).30. O acórdão regional está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, incidindo, na espécie, o verbete sumular 30 do TSE.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL31. Em relação à sustentada violação ao art. 24, § 4º, da Lei 9.504/97, em razão de a Corte Regional ter afastado a determinação de recolhimento de valores ao erário, nada obstante o fundamento alusivo à preclusão consumativa, certo é que a devolução de valores, em regra, ocorre no âmbito do julgamento da prestação de contas, restringindo–se a ação de investigação judicial eleitoral fundada no art. 30–Aà sanção de cassação do diploma.32. Apesar dos bem expostos argumentos, a postulação do Parquet não deve ser acolhida, tendo em vista ser indevida a imposição de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, por ausência de previsão legal.CONCLUSÃORecursos especiais eleitorais a que se nega provimento.