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Jurisprudência TSE 352379 de 18 de fevereiro de 2021

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Herman BenjaminRelator designado(a): Min. Luís Roberto Barroso

Data de Julgamento

08/10/2020

Decisão

O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, que redigirá o acórdão. Vencidos os Ministros Herman Benjamin e Carlos Horbach. Composição: Ministros Edson Fachin (vice-residente no exercício da presidência), Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach. Ausências justificadas dos Senhores Ministros Luís Roberto Barroso e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.

Ementa

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2014. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. REALIZAÇÃO DE EVENTO RELIGIOSO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DESPROVIMENTO.1. Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra acórdão do TRE/PR que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral - AIJE, fundamentada em abuso do poder político e econômico.SUBSISTÊNCIA DO INTERESSE RECURSAL2. A jurisprudência desta Corte Superior, em processos relativos ao pleito de 2012, firmou-se no sentido de haver prejudicialidade do objeto recursal em AIJEs ajuizadas para apuração de prática de abuso de poder, quando: (i) o acórdão proferido pelo Tribunal Regional não impõe a cassação dos mandatos impugnados em razão da improcedência da ação e (ii) o exercício dos mandatos eletivos findar antes do julgamento do recurso. O entendimento firmou-se sob a perspectiva de ausência de interesse jurídico no julgamento em razão da insubsistência de proveito prático a ser alcançado.3. Esse entendimento deve ser revisitado, considerando: (i) os fins moralizadores da LC nº 64/1990 e da LC nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), o interesse público envolvido nas causas eleitorais, bem como os anseios da sociedade por candidaturas legítimas e agentes públicos que zelem pela probidade e moralidade no exercício do munus público; e que (ii) essa jurisprudência surgiu a partir de julgados de ações que tinham por objeto único a cassação e não se debateu sobre a particularidade de que a aplicação da inelegibilidade prevista no art. 22 da LC nº 64/1990 não é condicionada à duração temporal do próprio mandato.4. O art. 22, XIV, da LC nº 64/1990, nos casos de procedência da AIJE, prevê caber ao julgador decidir sobre: a inelegibilidade pelo prazo (i) de 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que o ato ilícito se verificou; e (ii) a cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado. As duas consequências jurídicas são autônomas e possuem diferentes requisitos de aplicabilidade: enquanto a cassação exige apenas o benefício, pelo candidato, do ato ilícito, a inelegibilidade demanda a contribuição para a prática do ato. 5. Portanto, o encerramento do mandato eletivo, quando o ilícito eleitoral em discussão puder implicar também a aplicação de inelegibilidade, não acarreta a perda superveniente do interesse no prosseguimento da AIJE. Isso porque, embora não seja mais possível a cassação do mandato, persiste o interesse relativo à aplicação de inelegibilidade.PRELIMINAR6. O art. 22, V, da LC nº 64/1990 dispõe que as testemunhas do representante e do representado comparecerão à audiência independentemente de intimação. Por esse motivo, a jurisprudência deste Tribunal entende pela desnecessidade de expedição de carta precatória. Precedente.7. Além disso, o magistrado, por ser o destinatário da prova, deve valorar a sua necessidade, não configurando cerceamento de defesa o indeferimento de diligências inúteis ou meramente protelatórias. No caso em análise, a oitiva da testemunha pretendida pelo recorrente não é essencial para a solução da controvérsia, tendo em vista que os autos encontram-se suficientemente instruídos com outras provas orais e documentais.MÉRITO8. Para que seja formulado o juízo de procedência da AIJE, quando se trata apenas da aplicação da inelegibilidade a candidatos não eleitos, exige-se que haja demonstração: (i) da gravidade das condutas reputadas ilegais, de modo que sejam capazes de abalar a normalidade e a legitimidade das eleições e gerar desequilíbrio na disputa; e (ii) da contribuição, direta ou indireta, dos candidatos para a prática dos atos abusivos, tendo em vista que a aplicação de inelegibilidade é personalíssima. Precedentes.9. Ademais, a gravidade das sanções impostas exige prova robusta e inconteste para que haja condenação. A cassação do registro ou diploma representa relevante interferência da Justiça Eleitoral na soberania popular e no exercício do mandato de quem ganhou a eleição, democraticamente, nas urnas.10. No caso, a controvérsia diz respeito à realização de missa campal em comemoração ao aniversário de emancipação do Município de Siqueira Campos/PR no dia 22.09.2014. O recorrente sustenta que o evento caracterizou abuso do poder econômico e político, pois: (i) o clérigo seria apoiador político do candidato a deputado estadual Juraci Luciano da Silva; o evento religioso teria caráter eleitoreiro, uma (ii) vez que (a) teria sido amplamente divulgado nos meios de comunicação, (b) estiveram presentes milhares de pessoas e (c) o padre teria feito agradecimento ao candidato Juraci Luciano da Silva no início da celebração; (iii) houve recusa ao recebimento de recomendação do Ministério Público pelo clérigo; (iv) o evento seria assemelhado a showmício, (v) teria havido distribuição de material de propaganda eleitoral de Juraci Luciano da Silva, candidato a deputado estadual, e Evandro Rogério Roman, candidato a deputado federal, durante a realização do evento.Abuso do poder religioso11. As declarações públicas de apoio a determinada candidatura por parte de representantes religiosos estão protegidas pela liberdade de manifestação e de religião. No entanto, deve-se estar atento à utilização do discurso religioso como elemento propulsor de candidaturas, de modo a interferir na liberdade de escolha política dos fiéis, em especial quando é proferido por líder religioso com grande poder de influência em determinada comunidade.12. O art. 22 da LC nº 64/1990 prevê o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral para apurar abuso do poder político ou econômico, sem fazer qualquer referência ao chamado "abuso do poder religioso". Por esse motivo, a jurisprudência deste Tribunal, nos precedentes em que se deparou com a questão, procurou vincular o abuso do poder religioso a uma das duas modalidades previstas na LC nº 64/1990.Condutas configuradoras de abuso do poder político13. O abuso do poder político é praticado por quem detém a condição de agente público e se vale de sua condição funcional para desequilibrar o pleito eleitoral em benefício de sua candidatura ou de terceiros. Precedentes.14. Ademais, no RO nº 5370-03/RN, Rel. Min. Rosa Weber j. em 21.08.2018, a eminente ministra relatora afirmou que atos de extrapolação do poder de influência e de persuasão dos membros de comunidades religiosas que violem a normalidade, a legitimidade das eleições e a liberdade de voto podem ser enquadrados como abuso de autoridade.15. Apesar de ser incontroversa a realização de uma missa campal no município, não há elementos nos autos que comprovem a participação deliberada dos recorridos voltada à promoção dos candidatos Juraci Luciano da Silva e Evandro Rogério Roman no pleito de 2014.16. O evento religioso foi promovido pela "Rota do Rosário", organização da Igreja Católica, por meio da Diocese de Jacarezinho/Paróquia Divino Espírito Santo. A atuação do representado Fabiano Lopes Bueno esteve restrita ao desempenho das funções de Prefeito. A utilização de recursos públicos da Prefeitura, no valor de R$ 7.500,00, foi destinada à implementação da estrutura de palco, sonorização e iluminação, visando à realização das festividades relacionadas à emancipação do ente federativo. A infraestrutura foi utilizada não apenas para a celebração da missa, mas para a realização de todos os outros eventos relacionados à comemoração da emancipação da cidade.17. O conjunto fático-probatório não demonstra que o celebrante da missa, padre Reginaldo Aparecido Manzotti, tenha atuado de forma abusiva na condução do evento religioso, uma vez que o agradecimento isolado a Juraci Luciano da Silva, sem menção à sua candidatura ou ao pleito, não é suficiente para caracterizar o objetivo eleitoreiro do evento, com aptidão para cercear a liberdade de escolha dos eleitores e/ou violar a isonomia entre os candidatos nas eleições.18. Além disso, a existência de material de propaganda eleitoral, com a imagem e dizeres de apoio político do padre Reginaldo Manzotti ao candidato Juraci Luciano da Silva, não é, em princípio, vedada pela legislação eleitoral, de modo a caracterizar abuso do poder de autoridade. A Constituição Federal garante a todos, inclusive aos representantes religiosos pastores, sacerdotes, diáconos, padres, entre outros a livre manifestação de pensamento e opinião.19. Portanto, não ficou configurado o abuso do poder político, de modo a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre candidatos. Logo, também não há como imputar esta prática abusiva aos candidatos recorridos, por não estar comprovado o benefício às suas candidaturas.Condutas configuradoras de abuso do poder econômico20. Em sede de AIJE com fundamento em abuso do poder econômico, é imprescindível a demonstração: (i) da gravidade das condutas reputadas como ilegais, de modo a abalar a normalidade e a legitimidade das eleições; e (ii) do efetivo benefício ao candidato (embora não se exija a comprovação da participação direta ou indireta do candidato ou seu conhecimento). Precedentes.21. As provas dos autos demonstram que o evento religioso em questão não pode ser equiparado à realização de um showmício, uma vez que se resumiu à realização de missa campal, sem caráter eleitoreiro. Não havia a presença de autoridades no palco e o padre não cantou as músicas de seu repertório pessoal, apenas cânticos relacionados à liturgia da missa. Ademais, não houve pedido explícito ou implícito de votos ou qualquer menção ao pleito de 2014.22. A quantia de 7.500,00 fornecida pela Prefeitura para a implementação da estrutura de palco, sonorização e iluminação, além de não se caracterizar como emprego desproporcional de recursos, foi utilizada não apenas na celebração da missa, mas para a realização de todos os outros eventos relacionados à comemoração da emancipação da cidade.23. O valor de R$ 9.600,00, utilizado pelo candidato Juraci Luciano da Silva para custear o transporte via helicóptero do padre, corresponde a, aproximadamente, 2,5% das receitas de campanha, não podendo ser considerado emprego desproporcional de recursos financeiros. Ademais, ainda que cause estranheza o custeio do transporte com recursos de campanha, o objetivo eleitoreiro do evento não ficou demonstrado pelas provas dos autos, sendo insuficiente, para tanto, o mero custeio do transporte pelo candidato.24. Por fim, embora seja incontroverso que houve distribuição de material impresso de campanha do candidato Juraci Luciano da Silva no dia do evento e que alguns fiéis estavam com o material em mãos no momento da celebração da missa, não restou evidenciado que a entrega dos folhetos tenha ocorrido durante a celebração do evento religioso. Ademais, não há nenhum elemento nos autos que comprove que a distribuição da tiragem de 400.000 exemplares, ao custo de R$ 47.000,00, tenha se concentrado no dia do evento.25. Portanto, não há provas robustas que comprovem o emprego desproporcional e excessivo de recursos patrimoniais, públicos ou privados, em benefício eleitoral dos candidatos, que seja capaz de comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas. CONCLUSÃO26. Recurso ordinário a que se nega provimento.


Jurisprudência TSE 352379 de 18 de fevereiro de 2021