Jurisprudência TSE 3470 de 07 de junho de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. André Ramos Tavares
Data de Julgamento
29/05/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as prejudiciais de mérito, deu provimento ao agravo para conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento e indeferiu o pedido de indulto, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e Alexandre de Moraes (Presidente). Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Nunes Marques (sem substituto). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO. CRIMES. CORRUPÇÃO ELEITORAL (ART. 299 DO CE). ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288 DO CP). SUPRESSÃO DE DOCUMENTO (ART. 305 DO CP). COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344 DO CP). QUESTÕES PREJUDICIAIS. INDULTO NATALINO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. ACÓRDÃO DA SEGUNDA TURMA DO STF NO ARE Nº 1.343.875. NULIDADE. PROVA. BUSCA E APREENSÃO. OFENSA À CADEIA DE CUSTÓDIA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE. SUPORTE PROBATÓRIO ROBUSTO. APLICAÇÃO DA PENA. DOSIMETRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PROPORCIONALIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.BREVE HISTÓRICO DA AÇÃO PENAL1. O recorrente foi denunciado pelo Ministério Público, no âmbito da chamada "Operação Chequinho", pela prática dos crimes de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral – CE), associação criminosa (art. 288 do Código Penal – CP), supressão de documento (art. 305 do CP) e coação no curso do processo (art. 344 do CP). A denúncia imputou ao recorrente a conduta de se associar com outras pessoas para realizar a compra de votos mediante entrega do benefício social denominado Cheque Cidadão, a fim de favorecer candidatos aos cargos de prefeito e de vereador do seu núcleo político, nas eleições municipais de 2016, em Campos dos Goytacazes/RJ.2. A denúncia imputou também ao recorrente a conduta de ordenar a supressão dos documentos relacionados aos beneficiários do programa social Cheque Cidadão, que se encontravam na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS), com o objetivo de obstruir a apuração do crime de corrupção eleitoral, bem como imputou a conduta de coagir testemunhas, mediante grave ameaça, a fim de favorecer interesse próprio e manipular a investigação policial.3. O Juízo da 100ª Zona Eleitoral do Município de Campos dos Goytacazes/RJ julgou procedente a ação penal e condenou o recorrente à pena de 9 anos, 11 meses e 10 dias de reclusão, além do pagamento de 45 dias–multa pelos crimes imputados na denúncia.4. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ), em 4.3.2021, por unanimidade, negou provimento ao recurso do recorrente, mantida a condenação pelos crimes imputados na denúncia, e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso do Ministério Público, a fim de aumentar a pena para 13 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão.QUESTÕES PREJUDICIAIS DE MÉRITO5. Pedido de indulto com fundamento no Decreto nº 11.302/2022. Da leitura dos arts. 7º, inciso II, e 11, parágrafo único, do Decreto nº 11.302/2022, verifica–se que o indulto natalino não abrange os crimes praticados mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa, e não pode ser concedido aos crimes não impeditivos enquanto a pessoa condenada não cumprir a pena pelo crime impeditivo do benefício.6. No julgamento do Referendo da Medida Cautelar em Suspensão de Liminar nº 1698/RS, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, DJe de 29.02.2024, o plenário do Supremo Tribunal Federal assentou, por unanimidade, que "no intuito de preservar a segurança jurídica em torno da interpretação dada ao art. 11, parágrafo único, do Decreto nº 11.302/2022, deve prevalecer a compreensão no sentido da impossibilidade da concessão do benefício quando, realizada a unificação de penas, remanescer o cumprimento da reprimenda referente aos crimes impeditivos para a concessão do benefício, listados no art. 7º do Decreto". Pedido de indulto indeferido.7. A pretendida extensão dos efeitos da decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1.343.875/RJ. A Suprema Corte, nos autos do AgR no ARE nº 1.343.875/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 14.9.2022, decretou a nulidade da sentença condenatória de Thiago Cerqueira Ferrugem Nascimento Alves, também denunciado no âmbito da referida "Operação Chequinho", em outra ação penal, ao fundamento da imprestabilidade das provas obtidas pela extração de dados do computador da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social da prefeitura de Campos dos Goytacazes/RJ, haja vista o rompimento da cadeia de custódia do material probatório apreendido, o qual não foi submetido à perícia técnica.8. A pretensão do recorrente de extensão dos efeitos dessa decisão já foi devidamente apreciada pela Segunda Turma do STF, que indeferiu o pedido, considerando: (i) ausência de similitude fática entre os processos criminais; (ii) não integração pelo recorrente da relação jurídica processual do processo anulado; e (iii) existência de outros elementos de prova, quanto ao denunciado ora recorrente, que amparam a condenação – razões que permanecem inalteradas.9. Por consequência, também é inviável a extensão ao caso em apreço, dos efeitos da decisão monocrática proferida pelo e. Ministro Raul Araújo nos autos do REspEl nº 22–94/RJ, porquanto o fundamento utilizado por Sua Excelência para anular a sentença condenatória naquele âmbito processual consistiu em aplicar as mesmas razões adotadas pela decisão da Segunda Turma do STF no ARE nº 1.343.875/RJ, considerando que no decidido pela Suprema Corte já havia sido firmado o entendimento pelo não cabimento de extensão para o ora recorrente, por entender não ter sido comprovada a identidade fática entre ambos os casos e pela circunstância de não estar presente a condição legal (art. 580 CPP) de integrar a mesma relação jurídico–processual que Thiago Cerqueira Ferrugem Nascimento Alves.10. A condenação do recorrente decorreu de farto conjunto probatório, e não apenas da prova que, posteriormente, fora considerada ilícita pela Segunda Turma do STF no julgamento do ARE nº 1.343.875/RJ. No caso, é possível verificar elementos probatórios independentes que amparam a condenação, como os depoimentos de testemunhas, conversas captadas por interceptação telefônica devidamente autorizada judicialmente, provas documentais e periciais, bem como o interrogatório do réu.11. Alegação de nulidade da prova documental colhida em busca e apreensão por ofensa aos arts. 158, 158–A e 159 do Código de Processo Penal (CPP). A controvérsia envolvendo a legalidade da prova foi suficientemente enfrentada pela Corte Regional e foi afirmada sua autenticidade, tanto no presente caderno processual como em outras ações que investigaram abuso de poder praticado pelo recorrente e por seus aliados políticos. Além disso, o recorrente não trouxe nenhum elemento que demonstrasse adulteração ou manipulação da prova.12. É relevante apontar que a busca e apreensão do documento impugnado foi realizada no dia 2 de setembro de 2016, em momento anterior à vigência da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro 2019, que inseriu os preceitos normativos sobre a cadeia de custódia da prova. Portanto, quando foi apreendido o arquivo cuja nulidade se pretende declarar, não existiam as normas processuais invocadas pelo recorrente (art. 158–A e seguintes do CPP). Nesse contexto, não há violação ao devido processo legal e quebra na cadeia de custódia da prova por descumprimento de regras processuais que, por não existirem juridicamente, quando da realização da diligência de busca e apreensão, tornavam sua observância uma impossibilidade jurídica. Precedentes do STJ.13. Alegação de incompetência do juízo sentenciante. A matéria foi devidamente enfrentada por esta Corte Superior no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 45.217/RJ, de relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 9.6.2017, assentando–se, por unanimidade, a competência do Juízo da 100ª Zona Eleitoral/RJ para processar e julgar esta ação penal. Aplica–se, na espécie, a regra de competência do art. 70 do CPP, considerando–se o lugar da infração.14. Questões prejudiciais de mérito rejeitadas.MÉRITO15. Das alegações de violação dos arts. 299 do CE (crime de corrupção eleitoral) e 288 do CP (crime de associação criminosa). Não prosperam as alegações, porquanto estão corretas e devidamente fundamentadas as conclusões da Corte de origem sobre a autoria e a materialidade dos crimes de corrupção eleitoral e de associação criminosa.16. O recorrente assumiu papel de protagonista no esquema de corrupção eleitoral; era reconhecido como líder do governo por seus apoiadores e possuía domínio sobre todos os aspectos operacionais relacionados à concessão e à distribuição do benefício Cheque Cidadão em troca de votos.17. Resultou evidente que o vínculo entre o réu, os candidatos de sua base aliada e seus apoiadores políticos apresentava estabilidade e permanência, com divisão de tarefas e papéis definidos, de forma estruturada para a compra de votos de elevado números de eleitores.18. Restaram caracterizadas as elementares típicas dos crimes previstos no art. 299 do Código Eleitoral e 288 do Código Penal, uma vez presentes a autoria e a materialidade delitiva, bem como presente o dolo específico do acusado, lastreado em robusto suporte probatório, que atesta o oferecimento de benefícios a eleitores em troca de votos nas eleições municipais de 2016.19. As instâncias ordinárias reconheceram, por unanimidade, a existência de provas suficientes para embasar o decreto condenatório pela prática dos crimes tipificados nos arts. 299 do CE e 288 do CP, de sorte que para acolher a tese do recorrente e absolvê–lo das imputações seria necessário o reexame de todo conjunto fático–probatório, o que é vedado em sede extraordinária, nos termos da Súmula nº 24 do TSE.20. Da alegada violação do art. 305 do CP (crime de supressão de documento). A configuração do crime de supressão de documento foi manifestamente comprovada. Os documentos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS) foram apagados e queimados por determinação do recorrente, com o objetivo de obstruir as investigações do esquema criminoso de compra de votos.21. A supressão dos documentos dos computadores da SMDHS ofendeu o bem jurídico tutelado pela norma penal, caracterizado pela fé pública, pois inviabilizou, por definitivo, o acesso aos arquivos originais, dos quais a administração pública não poderia dispor.22. Da alegada violação do art. 344 do CP (crime de coação no curso do processo): as testemunhas foram coagidas mediante grave ameaça a gravarem áudios para revelar versão sobre suposta tortura em sede policial, de modo a favorecer o interesse do recorrente nos autos desta ação penal. Os áudios gravados a mando do réu tinham por finalidade implantar elementos de nulidade na investigação.23. Ficou reconhecido pelas instâncias ordinárias que houve grave ameaça e que ela poderia repercutir nas investigações, porquanto a persecução penal não havia sido encerrada, de modo que, a qualquer momento, as testemunhas poderiam ser novamente ouvidas.24. É inafastável a conclusão do Tribunal de origem sobre a autoria e a materialidade do crime do art. 344 do CP (coação no curso do processo). Entendimento diverso demandaria reexame de fatos e provas, medida vedada em recurso especial (Súmula nº 24 do TSE).DOSIMETRIA DA PENA25. A dosimetria da pena recebeu fundamentação objetiva e idônea em relação às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, de modo que a pena–base foi exasperada dentro do limite da discricionariedade permitida ao julgador, a partir de elementos concretos colhidos na instrução processual.26. Em relação à segunda fase de aplicação da pena, não há falar bis in idem com a incidência da agravante do art. 62, I, do CP, pois o recorrente foi quem, de fato, coordenou a ação dos demais agentes durante a empreitada criminosa de compra de votos, em Campos dos Goytacazes/RJ nas eleições de 2016.27. A valoração negativa da circunstância judicial da culpabilidade se fundamentou no elevado grau de reprovabilidade da conduta do réu enquanto agente público ocupante de cargo de alto escalão do governo municipal, ao passo que a agravante do art. 62, I, do CP decorreu do seu papel de coordenação e de liderança exercido durante a atividade criminosa.28. Em relação à terceira fase de aplicação da pena, o aumento em seu grau máximo encontra respaldo na Súmula nº 659 do STJ: "A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando–se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações" (Terceira Seção, DJe de 8.9.2023).29. No caso, ficou suficientemente atestado pelas instâncias ordinárias que o crime de corrupção eleitoral foi praticado contra milhares de pessoas beneficiadas com a concessão do Cheque Cidadão, em troca de votos, o que justifica a aplicação da fração de aumento em 2/3 pela Corte Regional, considerando–se a ocorrência de continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal.CONCLUSÃO30. Recurso especial desprovido.