Jurisprudência TSE 318562 de 15 de dezembro de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Luis Felipe Salomão
Data de Julgamento
21/10/2021
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares e negou provimento ao recurso ordinário, para manter o julgamento de parcial procedência da AIJE e as sanções aplicadas, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (Presidente). Falou pelo recorrente João Hugo Barral de Miranda, a Dra. Gabriela Rollemberg de Alencar.Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR E VICE. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. PRELIMINARES REJEITADAS. PROGRAMA GOVERNAMENTAL DE MORADIA. DESVIRTUAMENTO. BENEFÍCIO ELEITORAL. GRAVIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. Recurso ordinário interposto contra aresto em que o TRE/PA julgou procedentes em parte os pedidos na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), reconhecendo a prática de abuso de poder político e econômico pelo Governador do Pará reeleito em 2014, haja vista o desvirtuamento do programa Cheque Moradia (art. 22 da LC 64/90). Cassaram–se os diplomas do titular da chapa e de seu respectivo vice e declarou–se a inelegibilidade dos autores dos ilícitos (o Governador e o presidente e o diretor da COHAB/PA).2. Rejeita–se a preliminar de litisconsórcio passivo necessário, pois: (a) o Vice–Governador à época dos fatos (eleito em 2010) não se candidatou a esse cargo em 2014, ao passo que o Vice eleito na reeleição do Governador integra o feito; (b) inexiste responsabilidade do Secretário de Fazenda que justifique incluí–lo no feito, pois a ele competia apenas conceder e autorizar o crédito outorgado do ICMS, o que deveria ser feito nos termos das leis orçamentárias após o recebimento do cheque moradia pelos beneficiários. De todo modo, a jurisprudência desta Corte para as Eleições 2014 caminhou no sentido de inexistir litisconsórcio entre os responsáveis pelos ilícitos e os beneficiários.3. Não se aprecia o caso sob o enfoque da prática de atos de improbidade administrativa, o que compete à Justiça Comum. Cuida–se, em verdade, de aferir condutas de que caracterizem ilícito eleitoral, que é plenamente cabível. Precedentes.4. A vedação ao abuso de poder político e econômico está prevista no art. 22 da LC 64/90, que prevê "investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade [...] em benefício de candidato ou de partido político".5. Esta Corte já reconheceu que "[c]onfigura abuso do poder político a intensificação atípica de programa de regularização fundiária nos meses anteriores ao pleito, com a realização de eventos para entrega de títulos de direito real de uso pessoalmente pelo prefeito candidato à reeleição. A quebra da rotina administrativa para que a fase mais relevante do programa social fosse realizada às vésperas do pleito, com nítida finalidade eleitoreira, somada à grande repercussão que a conduta atingiu justificam a imposição da sanção de cassação dos diplomas dos candidatos beneficiados" (AI 283–53/RJ, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 31/5/2019).6. O abuso de poder econômico configura–se pelo uso desmedido de aportes patrimoniais que, por sua vultosidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando, em consequência, o desfecho do pleito e sua lisura. Precedentes.7. Nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, a configuração do abuso de poder requer a gravidade da conduta. Ponderam–se para esse fim aspectos qualitativos e quantitativos, que, em linhas gerais, residem no grau de reprovabilidade da prática e na magnitude de sua influência na disputa. Precedentes.8. Cuida–se, na espécie, de desvirtuamento e uso abusivo, em prol da candidatura à reeleição do Governador do Pará nas Eleições 2014, do programa Cheque Moradia, destinado a conceder auxílio financeiro para construir ou reformar moradias.9. A fim de subsidiar a compreensão dos fatos, sintetiza–se a partir do aresto regional como funciona o programa: (a) "cabe à Companhia de Habitação do Estado do Pará – COHAB a gestão do programa; à SEFA a concessão e autorização do crédito outorgado do ICMS; à PRODEPA a implementação do sistema de informação; e, aos beneficiários o custeio da mão–de–obra para realização das obras"; (b) "os beneficiários do programa utilizam o cheque moradia como pagamento para os materiais de construção adquiridos nos estabelecimentos comerciais cadastrados. Este valor constante do cheque–moradia é então aproveitado como crédito, abatendo–se do valor total devido pela empresa ao Estado a título de ICMS"; (c) "o programa se sustenta através de renúncia fiscal do Estado do Pará, conforme disposto no caput do artigo 6º da Lei Estadual nº 7.776".10. O cerne do ilícito diz respeito ao aumento exponencial na quantidade e nos valores dos cheques moradia entregues de agosto a outubro de 2014 frente aos meses anteriores e a 2012 e 2013, em evidente benefício eleitoral nas vésperas do pleito.11. As informações da COHAB/PA permitem constatar de plano expressivo aumento de entrega das benesses. Nos sete primeiros meses de 2014 houve média mensal de 438 benefícios, ao passo que no período crítico de campanha esse número elevou–se para 1.603, quase quatro vezes mais, alcançando aproximadamente cinco mil famílias em curto espaço de tempo.12. Ademais, como ressaltou o TRE/PA a partir das provas, "[e]m termos financeiros, a conta é ainda mais significativa, pois [...] só nos meses de agosto, setembro e outubro do ano eleitoral, foram gastos R$ 56.392.400,00 (cinquenta e seis milhões, trezentos e noventa e dois mil e quatrocentos reais), ou seja, R$ 5.400.370,00 [...] a mais que todo o ano de 2013".13. Nenhuma das justificativas dos recorrentes encontra amparo na realidade para o expressivo incremento nos benefícios.14. Ainda que se verifique aumento das inscrições no programa a partir de agosto de 2014, isso não explica o imediato acréscimo de cheques entregues logo a seguir, tendo em vista as diversas etapas que antecediam sua concessão (pesquisas cadastrais, vistoria do imóvel por técnicos da COHAB, emissão de laudo técnico de engenharia, registro fotográfico, entrevista social e análise da documentação apresentada) e o reduzido quantitativo de pessoal do órgão para instruir os procedimentos. A hipótese revela verdadeiro atropelo das formalidades legais para se conceder o benefício antes do pleito que se aproximava.15. Não se sustenta o argumento de que o número de cheques entregues decorreu da interiorização do programa. Conforme relatório apresentado pela COHAB, o aumento de cheques distribuídos em setembro e outubro de 2014 deu–se principalmente na região metropolitana de Belém/PA.16. Constitui forte indício de irregularidade o fato incontroverso consignado no aresto recorrido de que "a COHAB, ao ser demandada para juntar cópia dos procedimentos para concessão do benefício, acostou aos autos 30 procedimentos e em 08 deles é possível verificar que a visita técnica e o registro fotográfico do imóvel possuem datas anteriores à do protocolo do pedido".17. Os pagamentos de cheques moradia em 2014 envolveram valores muito acima das previsões orçamentárias do programa Habitar para Viver Melhor, do qual o Cheque Moradia fazia parte. Em 2014, despendeu–se com a benesse a vultosa quantia de R$ 131.535.700,00 (cento e trinta e um milhões, quinhentos e trinta e cinco mil e setecentos reais), enquanto na Lei Orçamentária Anual se previram apenas R$ 308.000,00 e no Plano Plurianual R$ 29.308.000,00.18. Os gastos a maior ocorreram sem explicações concretas a respeito do procedimento fiscal que possibilitou essa destinação de recursos, tampouco dos motivos pelos quais se promoveu mudança de tamanha monta.19. As provas colhidas demonstram que a renúncia de receitas do ICMS decorrente do programa Cheque Moradia não foi incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias, como exigido no art. 4º, §§ 1º e 2º, II, V, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), o que representou burla na execução do programa.20. A conduta teve inequívoco relevo em âmbito eleitoral, na medida em que vinculada a vultoso aumento do aporte de recursos para ação assistencial com forte impacto entre os eleitores.21. Constatou–se, ainda, presença do Governador em mais de 60 eventos de distribuição dos cheques–moradia em 2014, intensificada durante a campanha à reeleição, em evidente autopromoção. Foram 26 cerimônias de janeiro a julho de 2014e 35 entre agosto e outubro.22. É notória a ampla publicidade do benefício na propaganda da candidatura à reeleição no horário eleitoral gratuito e em outros meios, além de referência às entregas dos cheques no site do Governo do Pará ao longo de 2013. Houve também notícias do site Agência Pará sobre eventos que ocorriam desde 2013, com fotos do Governador em meio aos beneficiários e informações a respeito da quantidade de benefícios entregues. 23. A massiva publicidade da ação assistencial desde 2013, somada à concentração das entregas de cheques moradia no período da campanha, na presença do chefe do Executivo candidato à reeleição, contribuíram de modo nítido para ampliar sua visibilidade como responsável direto pelo benefício.24. Comprovou–se sobejamente o abuso do poder político e econômico pelos recorrentes que compunham o Governo do Pará à época dos fatos, sendo notórios o desvio de finalidade do programa Cheque Moradia e os vultosos gastos públicos para angariar a simpatia de eleitores em favor da candidatura.25. Gravidade configurada em especial pelos fatores a seguir: (a) entrega de cheques moradia a 4.811 famílias, no total de R$ 56.392.400,00, em 35 eventos, de agosto a outubro de 2014, quantitativos muito acima dos períodos anteriores; (b) burla, na lei orçamentária de 2014, da renúncia fiscal atinente aos recursos para os benefícios, o que possibilitou ao Governo do Estado conceder R$ 131.535.700,00 (cento e trinta e um milhões, quinhentos e trinta e cinco mil e setecentos reais) em cheques, enquanto a lei previa meros R$ 308.000,00 para essa ação; (c) presença do Governador nas cerimônias de entrega, com ampla divulgação institucional, e posterior publicidade na campanha.26. Recurso ordinário ao qual se nega provimento.