Jurisprudência TSE 31624 de 09 de dezembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
29/11/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as questões preliminares e, no mérito, negou provimento ao recurso especial interposto por Marco Antônio Marchi e julgou prejudicado o recurso especial de Alexandre Ribeiro Mustafá, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente). Falaram: pelo recorrente Marco Antônio Marchi, o Dr. Thiago Fernandes Boverio e, pelo recorrente Alexandre Ribeiro Mustafa, o Dr. Ricardo Martins Júnior.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. IMPRENSA ESCRITA. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. JORNAL. PUBLICAÇÃO. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. FAVORÁVEIS AO RECORRENTE E DEPRECIATIVAS AO ENTÃO PREFEITO. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO. DESPROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO1. O Tribunal Regional Eleitoral confirmou a sentença proferida em ação de investigação judicial eleitoral e manteve a condenação do recorrente, eleito prefeito do Município de Itupeva/SP nas Eleições de 2016, por uso indevido dos meios de comunicação social, para declarar a sua inelegibilidade, cassar o seu diploma, tornar nulos os votos por ele recebidos e determinar a respectiva retotalização, em razão do aparelhamento do jornal Gazeta de Itupeva com a finalidade de destacar a exposição do ora recorrente, por meio de matérias jornalísticas, com teor manifestamente favorável ao investigado e depreciativo ao então prefeito Ricardo Bocalon.ANÁLISE DO RECURSO ESPECIALQuestões prévias2. Ultimado o mandato, ocorre a perda superveniente de objeto do recurso especial interposto pelo vice–prefeito, tido como mero beneficiário da conduta abusiva, ao qual não foi imposta inelegibilidade.3. A Corte de origem se manifestou adequadamente acerca de todos os temas relevantes para o julgamento do recurso eleitoral, ainda que em sentido contrário aos interesses do recorrente.4. Segundo jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, "o dever de fundamentação das decisões judiciais, garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, encartada no inc. IX do art. 93, exige apenas e tão somente que o juiz ou o tribunal apresente as razões que reputar necessárias à formação de seu convencimento, prescindindo, bem por isso, que se procede à extensa fundamentação, dado que a motivação sucinta se afigura decisão motivada" (AgR–REspe 305–66, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 28.4.2015).5. É certo que o efeito devolutivo dos recursos, em sua profundidade, permite ao Tribunal ad quem, na função de instância revisora, examinar as alegações recursais e todo o acervo probatório pertinente ao capítulo da sentença impugnado no apelo, ainda que não tenham sido invocados pelas partes.6. O relator do voto condutor do aresto recorrido não se restringiu à análise dos fundamentos e provas constantes da sentença, tendo examinado o acervo probatório dos autos, para concluir pela manutenção da conclusão alcançada pelo juízo originário, no sentido da configuração do uso indevido dos meios de comunicação social pelo recorrente, o que afasta o alegado malferimento ao art. 1.013, § 2º, do Código de Processo Civil.7. Ao contrário do afirmado pelo recorrente, não houve ofensa à extensão do efeito devolutivo, visto que a Corte de origem avançou no exame da questão discutida no processo e pertinente ao capítulo decisório, qual seja, a configuração do uso indevido dos meios de comunicação, ainda que baseada em contexto probatório diverso.8. "A devolutividade do recurso interposto ao Tribunal Regional Eleitoral é ampla, seja na modalidade 'em extensão', seja na vertente 'em profundidade'. Justamente por isso, a interposição do recurso devolve ao exame do Tribunal ad quem a matéria impugnada (tantum devolutum quantum appellatum)" (REspe 496–48, Rel. Min. Luiz Fux, PSESS em 13.12.2016).9. A Corte de origem não inovou ao conhecer da questão relativa à quantidade de jornais e em quais locais os impressos foram distribuídos, uma vez que o recurso eleitoral possui ampla devolutividade, cuja natureza se assemelha à da apelação cível, disciplinada pelo art. 1.013, § 1º, do Código de Processo Civil.10. O Tribunal a quo assentou que, apesar de o juízo de primeiro grau ter concedido prazo para produção de provas, o recorrente ficou inerte, bem como que, mesmo tendo sido dada a oportunidade de manifestação a respeito das provas colhidas na fase instrutória, ele se limitou a afirmar que elas não comprovavam o alegado. Trata–se, portanto, de contexto probatório submetido ao contraditório no momento processual oportuno.11. Não há falar em inversão do ônus da prova, visto que incumbia ao recorrente demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito postulado pela coligação autora, na forma do art. 373, II, do Código de Processo Civil, assumindo o risco de não o fazer em momento oportuno.12. Não obstante os argumentos apresentados pelo recorrente, a Corte Regional Eleitoral, no julgamento dos embargos de declaração, afastou a suposta mácula ao contraditório, assentando que o recorrente teve a oportunidade de praticar todos os atos em prol da sua defesa, de modo que não se evidencia o prejuízo necessário à proclamação de nulidade (art. 219 do Código Eleitoral).Matéria de fundo13. Das premissas do acórdão recorrido, extrai–se o seguinte:i) o proprietário do jornal Gazeta de Itupeva, Herickson Almeida dos Santos, na época da fundação do periódico, 24.9.2015, era chefe de gabinete do vereador Ângelo Dante Lorenção, filiado ao PSDB, partido que compôs a coligação majoritária vencedora do pleito de 2016;ii) as mensagens eletrônicas trocadas entre Herickson e Gabrielle Scarpassa Onha, indicam que Marco Antonio Marchi interferia nas publicações do referido jornal;iii) a distribuição da Gazeta Itupeva era gratuita;iv) a partir de fevereiro de 2016, o referido periódico começou a publicar matérias desabonadoras sobre a gestão do então prefeito, com tiragem de 10.000 exemplares, sempre na segunda quinzena do mês;v) o referido jornal teve a sua tiragem aumentada, de 10.000 para 15.0000, do mês de março em diante;vi) próximo ao pleito, o periódico passou de uma edição mensal – sempre na segunda quinzena do mês – a duas edições no mês de agosto – uma na primeira e outra na segunda quinzena – e a quatro edições no mês de setembro, sendo três somente na segunda semana do aludido mês, com as duas últimas distribuídas na terça–feira e na sexta–feira anterior à realização do pleito;vii) o Município de Itupeva tinha 38.339 eleitores naquele ano;viii) as matérias publicadas revelavam supostos problemas da cidade e responsabilizavam o então prefeito e candidato à reeleição, Ricardo Bocalon;ix) os conteúdos veiculados que se referiam ao recorrente eram sempre favoráveis;x) na disputa eleitoral no Município de Itupeva, no pleito de 2016, a diferença de votos a favor do recorrente não atingiu 4% (49,44 % contra 45,61% do então prefeito).14. Segundo a moldura fática do aresto recorrido, ficou constatada a existência de vínculo entre o recorrente e o proprietário do periódico e que ele tinha ingerência no conteúdo publicado. Ademais, segundo a Corte de origem, ficou comprovado que, além de ser beneficiário, o recorrente participou diretamente dos fatos, os quais teriam acarretado desequilíbrio do pleito, de modo que não se sustenta a apontada contrariedade aos arts. 5º, XLVI, e 93, IX, da Constituição Federal, no que se refere a individualização da conduta do recorrente.15. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que "o uso indevido dos meios de comunicação social caracteriza–se por se expor desproporcionalmente um candidato em detrimento dos demais, ocasionando desequilíbrio na disputa eleitoral. Precedentes" (AgR–REspe 442–28, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 3.5.2021). Na mesma linha de entendimento: REspe 972–29, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 26.8.2019, e AgR–REspe 1–76, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 15.8.2019.16. A análise da gravidade das circunstâncias da conduta não se restringe ao conteúdo divulgado pelo veículo impresso, o qual deve ser conjugado com os "demais aspectos considerados por este Tribunal Superior, quais sejam: a) o número de edições veiculadas, b) dado concreto acerca da distribuição gratuita e ostensiva do periódico que permita aferir a efetiva repercussão perante o eleitorado, c) âmbito de alcance do jornal e, por fim, d) o fato de que os meios de comunicação impressos possuem menor alcance que o rádio e a televisão" (REspe 316–66, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 21.10.2015).17. Segundo a moldura fática do acórdão, houve patente desvirtuamento da liberdade de expressão da imprensa escrita, mediante aparelhamento do jornal Gazeta de Itupeva e interferência em sua linha editorial, com a finalidade de destacar a exposição do ora recorrente e desabonar a pessoa do prefeito, elementos que corroboram a gravidade da conduta.18. Em casos similares, esta Corte Superior manteve condenação por uso indevido dos meios de comunicação por considerar, entre outros elementos, o vínculo entre o beneficiário da conduta e os responsáveis pelo meio de comunicação, em atuação concertada para desvirtuar a liberdade de imprensa. Nesse sentido: REspe 478–21, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 3.10.2018; REspe 413–95, redatora para o acórdão Min. Rosa Weber, DJE de 27.6.2019.19. No caso, o Tribunal de origem apontou vários elementos indicativos da gravidade do ilícito, a exemplo de: i) a proximidade entre o candidato beneficiário e os proprietários da empresa de comunicação; ii) a interferência no conteúdo do periódico; iii) gratuidade da distribuição, com tiragem progressivamente maior durante o ano eleitoral; e iv) diferença de votos diminuta.20. Ante a compatibilidade do entendimento da Corte Regional Eleitoral com a orientação desta Corte Superior, deve ser mantido o acórdão recorrido.CONCLUSÃORecurso especial a que se nega provimento.