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Jurisprudência TSE 2469 de 05 de dezembro de 2023

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Benedito Gonçalves

Data de Julgamento

17/11/2023

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, deu provimento aos agravos para conhecer dos recursos especiais, rejeitando as questões preliminares e, no mérito, negando-lhes provimento, nos termos do voto do Relator.Acompanharam o Relator, os Ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

AGRAVOS. CONVERSÃO. RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. AÇÃO PENAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO PARA FINS ELEITORAIS. ART. 353 DO CÓDIGO ELEITORAL.1. Recursos especiais interpostos pelo ex-prefeito de Silva Jardim/RJ reeleito em 2016, por ex-vereador e, ainda, por duas representantes de partidos políticos que disputaram o pleito, contra aresto unânime em que o TRE/RJ manteve condenação pela prática do crime do art. 353 do Código Eleitoral, por uso de documento falso com finalidade eleitoral (atas de convenções partidárias), com penas privativas de liberdade variáveis, inferiores a dois anos de reclusão, substituídas por restritivas de direitos (prestação pecuniária e serviços à comunidade).NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.2. Não prospera a suposta ofensa aos arts. 315, §2º, IV, do CPP, 93, IX, e 5º, XLVI, da CF/88. As teses supostamente omitidas foram refutadas pela Corte a quo ao consignar que: a) há provas da materialidade delitiva e da influência decisiva do ex-prefeito na empreitada; b) a pena-base foi arbitrada acima do mínimo legal porque os réus, além do uso, falsificaram os documentos, e a conduta teve relevante impacto no processo eleitoral.NULIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. ARTS. 84 DO CPP, 5º, LVI, E 29, X, DA CF/88. AFRONTA. NÃO CONFIGURAÇÃO.3. A jurisprudência dos Tribunais Superiores – inaugurada em julgamento do Pretório Excelso na QO-AP 937/RJ – é de que o foro por prerrogativa de função incide apenas nos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Nesse julgado, ressaltou-se de modo expresso que a nova linha interpretativa aplicava-se aos processos em curso.4. Na espécie, não se vislumbra afronta ao foro por prerrogativa de função para aqueles que exercem mandato de prefeito, haja vista que a conduta criminosa não possui nenhum liame com o exercício do cargo eletivo. Ao forjar atas de convenção partidária para conferir aparência de licitude ao ato e apresentá-las a esta Justiça para fins eleitorais, o ex-alcaide agiu na condição de dirigente de partido no contexto da campanha, sem se valer das funções de chefe do Poder Executivo para esse desiderato.5. Não se aplica ao caso a ressalva firmada na QO-AP 937/RJ, no sentido da validade das sentenças proferidas com amparo na jurisprudência anterior. Isso porque, à época em que se inaugurou a nova compreensão sobre o tema, o processo-crime em desfavor do ex-prefeito ainda não tinha sido julgado.6. Não havendo foro por prerrogativa de função, desnecessário que o TRE/RJ autorizasse e/ou supervisionasse a investigação.SISTEMA ACUSATÓRIO. COMPORTAMENTO INCOMPATÍVEL DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 257, I, DO CPP, 1.000, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015, 5º, LIV E 129, I, DA CF/88. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.7. Conforme o art. 385 do CPP, "nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição [...]".8. É firme o entendimento dos Tribunais Superiores de que o pedido de absolvição formulado por membro do Ministério Público não impede a interposição de recurso por outro presentante do Parquet, tendo em vista o princípio da independência funcional. Precedentes.MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUSPEIÇÃO. ARTS. 254 DO CPP E 144, IX, DO CPC/2015. MALFERIMENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO.9. Consoante se extrai do aresto a quo, não há provas da alegada suspeição do membro do Ministério Público que instaurou e conduziu as investigações, na medida em que "os fatos narrados e a documentação acostada aos autos não denotam a existência de quaisquer irregularidades na condução do feito pelo promotor arguido, nem comprovam a propalada ¿relação conturbada¿ ou de inimizade entre ele e o réu [ex-prefeito, ora recorrente]".10. Entendimento diverso demandaria reexame de fatos e provas, medida vedada em recurso especial (Súmula 24/TSE).NULIDADE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. ART. 158 DO CPP. CONTRARIEDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO.11. Inexiste nulidade por ausência de perícia no documento falsificado. Na linha da jurisprudência dos Tribunais Superiores, o exame de corpo de delito a que alude o art. 158 do CPP, no contexto de crimes de falsidade, aplica-se apenas àquela de natureza material, e não ideológica.PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. ARTS. 141 DO CPC/2015, 5º, LV, E 129, I, DA CF/88. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA.12. O acórdão condenatório está perfeitamente congruente com a descrição fática contida na denúncia, em que se aduziu falsidade e uso das atas das convenções de quatro partidos, sob a liderança do ex-prefeito. Diante disso, a Corte a quo, após reconhecer a absorção do delito antecedente, condenou-o pela prática de igual número de crimes de uso de documento falso para fins eleitorais (art. 353 do Código Eleitoral), em continuidade delitiva.PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NÃO OFERECIMENTO. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO.13. O não oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo consiste em nulidade relativa, que deve ser arguida até a sentença, sob pena de preclusão. Precedentes.14. Na hipótese, consta no acórdão que "a matéria não foi arguida nos autos, a não ser agora, em sede de embargos opostos contra a decisão colegiada". Assim, por não terem reivindicado o benefício no momento correto, as recorrentes Thaís e Aline perderam o direito de discuti-lo.MÉRITO. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO PARA FINS ELEITORAIS. ART. 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. CONFIGURAÇÃO.15. Os recorrentes foram condenados pela prática do crime de uso de documento falso para fins eleitorais (art. 353 do Código Eleitoral) por terem inserido informações falsas nas atas das convenções partidárias do PMDB, Solidariedade, PP e PRP de Silva Jardim/RJ referentes ao pleito de 2016 e, depois, as apresentaram tanto no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários da respectiva coligação para a disputa do cargo majoritário municipal como nos autos dos pedidos de registros de candidatura a eles vinculados.16. Conforme se extrai do aresto a quo, o TRE/RJ concluiu que as convenções partidárias não ocorreram e que, portanto, as respectivas atas entregues à Justiça Eleitoral não retratam a realidade. No dia e local em que se apontam terem ocorrido as convenções, houve na realidade evento festivo que reuniu dirigentes dos partidos coligados, cujo convite fora estendido ao público em geral, e em que não se deliberou sobre a escolha de candidatos nem a formação de alianças.17. Esse desfecho foi extraído a partir do cotejo entre o conteúdo registrado nas atas e as declarações de testemunhas e dos acusados, prestadas no inquérito e em juízo, dos quais se identificaram inúmeras versões sobre aspectos banais do evento, tais como a forma de convocação para o ato, o local e a data em que ocorreu, quem o presidiu, que pessoas discursaram, o momento e o lugar em que as atas foram subscritas, como foram designados os nomes e os números de urna dos pré-candidatos escolhidos, entre tantas outras. A Corte a quo destacou, ainda, que houve quem assinasse a ata e afirmasse em juízo que "ficou sabendo que era candidato em momento posterior à convenção", enquanto outros signatários disseram ter tido ciência dos candidatos escolhidos somente alguns dias depois, além de outros relatos semelhantes.18. É certo que diversas testemunhas afirmaram que não houve nenhuma deliberação sobre candidatos e alianças na reunião a que os recorrentes pretendem atribuir a natureza de convenção partidária.19. O quadro fático não deixa dúvida de que, no dia 3/8/2016, promoveu-se, na Câmara de Vereadores de Silva Jardim/RJ, encontro a que os recorrentes nomeiam como convenção partidária, mas que não reúne as exigências mínimas desse ato do processo eleitoral. Não obstante, de forma livre e consciente, confeccionaram atas cujo teor não corresponde ao que efetivamente ocorreu e as entregaram à Justiça Eleitoral com o objetivo de viabilizar o deferimento de DRAP e de candidaturas.20. Não merece guarida a tese de atipicidade da conduta por estarem os papéis supostamente sujeitos à verificação pela Justiça Eleitoral. Com efeito, atas de convenções partidárias juntadas em processos de DRAP e de registro de candidatura são aptas, por si sós, a provar os fatos nela registrados, os quais se presumem verdadeiros, não se exigindo que o juiz perquira a fidedignidade das informações nelas constantes.21. Autoria e dolo também comprovados. Os recorrentes, como representantes dos partidos, elaboraram os documentos, subscreveram-nos e os entregaram à Justiça Eleitoral, cientes de que o seu conteúdo não correspondia aos acontecimentos, com o objetivo de obter o deferimento do DRAP e dos registros de candidaturas, finalidade claramente eleitoral.22. O conjunto das declarações testemunhais dá conta, ainda, de que as deliberações entre os líderes dos partidos para formar a coligação, assim como o acerto de inserir ou fazer inserir informações falsas nas atas das convenções e de usá-las nos processos judiciais, foram feitas sob o comando do prefeito à época, em reuniões por ele convocadas, algumas, inclusive, em sua residência. Além de liderar a empreitada criminosa, foi o seu principal beneficiário, afinal os papéis viabilizaram sua candidatura à reeleição sem precisar que seu nome fosse submetido ao crivo dos demais membros das legendas.23. Não se vislumbra ofensa ao art. 155 do CPP, que veda ao juiz firmar decreto condenatório com base apenas em elementos informativos coligidos na investigação. É indene de dúvidas que o acervo probatório mencionado como sustentáculo para condenar os recorrentes foi produzido em juízo, tendo a Corte a quo feito meras indicações a dados colhidos na investigação para fins de cotejo com as declarações prestadas por réus e testemunhas no âmbito judicial.24. Concluir de modo diverso demandaria reexame de fatos e provas, inviável em sede extraordinária (Súmula 24/TSE).DOSIMETRIA DA PENA. ARTS. 59 E 62, I, DO CÓDIGO PENAL. MALFERIMENTO. INEXISTÊNCIA.25. Não se identifica ilegalidade no arbitramento da pena-base acima do mínimo legal porque, na espécie, a conduta praticada pelos sentenciados apresenta maior reprovabilidade, na medida em que não apenas utilizaram o documento falseado, como também efetuaram a falsificação, extrapolando, assim, os elementos inerentes ao crime do art. 353 do Código Eleitoral.26. As consequências do crime excederam o ordinário, haja vista o impacto no processo eleitoral, ao se viabilizar o deferimento de coligação e de candidaturas que, na realidade, não atendiam aos requisitos exigidos em lei.27. No que tange à agravante aplicada ao ex-prefeito por ter dirigido a atividade dos outros agentes (art. 62, I, do CP), não há o que censurar no aresto recorrido, visto que o acervo de provas demonstra essa circunstância.CONCLUSÃO.28. Agravos providos para conhecer dos recursos especiais e a eles negar provimento.


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