Jurisprudência TSE 17359 de 26 de marco de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto
Data de Julgamento
11/03/2021
Decisão
Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por unanimidade, julgou aprovadas com ressalvas a prestação de contas do Movimento Democrático Nacional (MDB) referente ao exercício financeiro de 2015, nos termos do voto do Relator. Por maioria, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques, determinou a devolução ao Erário do valor de R$ 1.828.358,66, devidamente atualizado e com recursos próprios, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso (Presidente) e Carlos Horbach. Impedimento do Ministro Sérgio Banhos. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS. MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESPESAS PARTIDÁRIAS. COMPROVAÇÃO. ART. 18 DA RES.–TSE Nº 23.432/2014. AMPLOS MEIOS DE PROVA. DOCUMENTOS FISCAIS. CONTRATOS. EXEMPLARES DO MATERIAL. FUNCIONÁRIA DO PARTIDO. CARGA HORÁRIA. INCOMPATIBILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS. DIRETÓRIOS ESTADUAIS. CONTAS DESAPROVADAS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 48 E 52 DA RES.–TSE Nº 23.432/2014. GASTOS COM PESSOAL. CÔMPUTO NO PROGRAMA DE INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONJUNTO DE IRREGULARIDADES: 2,96% DO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. NÃO COMPROMETIMENTO DAS CONTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS.1. A análise das contas de partido pela Justiça Eleitoral envolve o exame da aplicação regular dos recursos do Fundo Partidário, a averiguação do recebimento de recursos de fontes ilícitas e de doações de origem não identificada e a vinculação dos gastos à efetiva atividade partidária.2. A Justiça Eleitoral, por meio do seu órgão técnico, analisa as contas partidárias, partindo dos dados apresentados e realizando as circularizações que se mostram necessárias. Tudo isso sem prejuízo de eventuais ilícitos civis e penais que porventura venham a ser identificados e apurados pelos demais órgãos de controle e investigação.3. Por se tratar de prestação de contas partidária do exercício de 2015, é aplicável, quanto às irregularidades evidenciadas na espécie, a Res.–TSE nº 23.432/2014, consoante preconiza o art. 65, § 3º, II, das Res.–TSE nº 23.464/2015 e nº 23.546/2017, in verbis: "as prestações de contas relativas ao exercício de 2015 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Resolução–TSE nº 23.432". Irregularidades com recursos do Fundo Partidário sujeitas a ressarcimento ao Erário Comprovação de gastos partidários. Despesas diversas4. Nos termos do que preceitua o art. 18 da Res.–TSE nº 23.432/2014, a Justiça Eleitoral poderá admitir a comprovação de gastos partidários mediante a apresentação de nota fiscal e por qualquer meio idôneo de prova, inclusive contrato, comprovante de entrega do material ou da prestação efetiva dos serviços e comprovante bancário de pagamento, além de, alternativamente, ser recepcionada, na hipótese de a legislação dispensar a emissão de documento fiscal, a exibição de qualquer outro documento que contenha os requisitos identificadores dos contraentes, consoante preconizam os §§ 1º e 2º do citado instrumento normativo.5. A apresentação de documento fiscal é a regra, e os demais meios de provas são alternativos, razão por que a documentação complementar deve servir como meio de prova e confirmação da regularidade da despesa. Precedentes. Irregularidade sanada parcialmente.Pagamento de salário a funcionários cuja incompatibilidade de carga horária impede de atestar a regularidade da despesa6. Conforme entendimento firmado na PC nº 266–56, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 23.9.2020, não se pode admitir como plausível a possibilidade de uma pessoa desempenhar duas atividades, ainda que em horários não conflitantes, em duas localidades distantes entre si.7. In casu, não ficou comprovada a natureza remota das atividades desempenhadas por uma das funcionárias, tampouco a compatibilidade da execução das duas atividades concomitantes, na medida em que foi informada, e não demonstrada, a flexibilidade de horário de ambas as atribuições remuneradas da funcionária do partido e da Secretaria de Cultura de Alagoas, onde a funcionária cumpria regime integral, ou seja, 44 (quarenta e quatro) horas semanais. Irregularidade sanada parcialmente.Transferências a diretórios estaduais cujas contas foram desaprovadas8. Segundo previsto no art. 52 da Res.–TSE nº 23.432/2014, é vedada a transferência de recursos do Fundo Partidário aos diretórios que tiveram suas contas julgadas desaprovadas. Dispõe o art. 51 da Res.–TSE nº 23.432/2014 que "as suspensões do direito de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário de um mesmo órgão partidário são independentes e não cumulativas" e que "a aplicação da sanção que resultar em perda do repasse de quotas do Fundo Partidário não se iniciará enquanto estiver sendo aplicada outra penalidade da espécie". 9. As justificativas e documentação juntadas pelo partido não se revelaram hábeis a infirmar o parecer técnico, em patente violação aos dispositivos de regência, razão por que devem ser mantidas as irregularidades referentes à transferência de recursos aos Diretórios Estaduais de Minas Gerais e do Piauí.10. Os valores depositados indevidamente nas contas dos Diretórios Estaduais de Minas Gerais e do Piauí não podem lá remanescer, sob pena de descumprimento, por via oblíqua, das próprias decisões judiciais que impediram as esferas regionais da agremiação de receber tais recursos. É devida, portanto, a restituição de tais valores pelos citados diretórios regionais ao diretório nacional (Pet nº 27–12/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 10.12.2007).11. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, "a alteração trazida pelo art. 37, § 3º–A, da Lei dos Partidos Políticos não produz efeitos retroativos ante a falta de comando normativo nesse sentido. Assim, aplica–se ao caso concreto as disposições normativas então vigentes, por força do princípio tempus regit actum" (PC nº 266–56, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 20.5.2020). Irregularidade mantida.Gastos com passagem aérea12. A apresentação de fatura, e–ticket ou localizador e a confirmação de que o beneficiário é vinculado ao partido político atendem, em parte, os requisitos para a validação de despesa com passagem aérea, à luz do que preconizam as alíneas a e b do § 7º do art. 18 da Res.–TSE nº 23.432/2014. Todavia, a comprovação de que a viagem foi realizada para atender propósitos partidários foi evidenciada apenas em um dos trechos, sendo tal demonstração exigência expressa da alínea a do mencionado dispositivo. Nesse sentido é o entendimento deste Tribunal: "O dispêndio do dinheiro público pelo partido político, recebido por meio de recursos do Fundo Partidário, submete–se ao rol taxativo estabelecido no art. 44 da Lei nº 9.096/95, devendo todo e qualquer gasto ser voltado para a própria atividade partidária e comprovada sempre a sua vinculação" (PC nº 247–55, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1º.3.2018). E ainda: PC nº 298–95, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 9.5.2019. Irregularidade sanada parcialmente.Outras irregularidades com recursos do Fundo Partidário não sujeitas a ressarcimento ao ErárioInsuficiência de aplicação dos recursos do Fundo Partidário no incentivo à participação política das mulheres13. A tese de desconto do percentual repassado aos diretórios regionais no cômputo do valor a ser destinado à cota de gênero pelo diretório nacional foi analisada e rebatida no julgamento da PC nº 291–06, Rel. Min Edson Fachin, DJe de 19.6.2019.14. A agremiação se vale novamente do paralogismo enfrentado no citado julgamento para tentar justificar o descumprimento ao incentivo à participação da mulher na política.15. Sobre gastos com pessoal, no referido julgamento, este Tribunal dirimiu todas as dúvidas e delimitou o verdadeiro alcance da norma, fixando a compreensão quanto à impossibilidade de computar tais gastos no percentual destinado a essa ação afirmativa. Mesma orientação foi repisada e consolidada no julgamento da PC nº 261–34, Rel. Min. Edson Fachin, referente à prestação de contas do MDB do exercício de 2014.16. O mero pagamento mensal de pessoal carece de requisitos objetivos que possam evidenciar engrenagem contributiva à mitigação da sub–representatividade feminina na política, que é a motivação da norma disposta no art. 44, V, da Lei nº 9.096/95.17. O fato de o partido ter um órgão destinado aos programas de incentivo à participação feminina, como é o caso do MDB Mulher, inclusive com a indicação de gestores próprios, não significa que todos os seus gastos estariam acobertados na referida ação afirmativa. Desse modo, a existência de outra estrutura dentro do partido, com pessoal próprio e despesas administrativas adjacentes, não é apta por si só a justificar gastos no patrocínio de programas destinados a efetivar a igualdade de participação da mulher na política, pois tais despesas funcionais são gastos ordinários do partido e não caracterizam efetivamente o fomento à participação política.18. Em recente julgado, PC nº 170–07, Rel. Min. Mauro Campbell, de 5.11.2020, ratificou–se o entendimento de que, nas prestações de contas relativas ao exercício de 2015, a sanção a ser aplicada nos casos de descumprimento do percentual destinado ao incentivo à participação da mulher na política é aquela prevista no art. 44, § 5º, da Lei nº 9.096/95, com a redação dada pela Lei nº 12.034/2009, em respeito aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.19. O art. 55–A da Lei nº 9.096/95 não tem o condão de isentar a grei das sanções pelo descumprimento do art. 44, V, da Lei nº 9.096/95, porquanto o partido nem sequer aventou ou comprovou que os recursos não utilizados no programa de incentivo à participação política feminina em 2015 foram destinados para financiar candidaturas até as eleições de 2018.20. Por se tratar de irregularidade com recursos do Fundo Partidário, deve ser agrupada com os demais apontamentos referentes ao uso indevido desses recursos (PC nº 267–46/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 8.6.2017). Irregularidade sanada parcialmente.Conclusão21. As irregularidades com receitas do Fundo Partidário atingem o montante de R$ 1.828.358,66 (um milhão, oitocentos e vinte e oito mil, trezentos e cinquenta e oito reais e sessenta e seis centavos). Esse valor, acrescido de R$ 930.354,48 (novecentos e trinta mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e quarenta e oito centavos) não aplicados no incentivo à cota de gênero, alcança a quantia de R$ 2.758.713,14 (dois milhões, setecentos e cinquenta e oito mil, setecentos e treze reais e quatorze centavos), o que equivale ao percentual de 2,96% do total dos recursos do Fundo Partidário recebidos pela agremiação no referido exercício.22. As falhas, no seu conjunto, não comprometem a totalidade do ajuste contábil, motivo pelo qual, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.23. O partido deverá ser notificado para que devolva ao Erário R$ 1.828.358,66 (um milhão, oitocentos e vinte e oito mil, trezentos e cinquenta e oito reais e sessenta e seis centavos), valor devidamente atualizado e com recursos próprios.24. Ante o descumprimento do art. 44, V, da Lei nº 9.096/95, o partido, nos termos do § 5° do citado instrumento legal, deverá acrescer 2,5% do Fundo Partidário, relativo ao exercício de 2015, ao valor não aplicado – R$ 930.354,48 (novecentos e trinta mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e quarenta e oito centavos) –, corrigido monetariamente, para a específica destinação de incentivo à participação política das mulheres, devendo essa implementação ocorrer no exercício financeiro seguinte ao do trânsito em julgado dessas contas, a fim de garantir a efetiva aplicação da norma, sem prejuízo do valor a ser destinado a esse fim no ano respectivo. Na referida oportunidade, tal determinação só será inexigível se verificado que foi cumprido o disposto no art. 55–B da Lei nº 9.096/95 e caso ainda esteja em vigência esse dispositivo, devendo, se assim for, ser concedida anistia à agremiação, decotando–se a determinação ora imputada (R$ 930.354,48 + 2,5%). Precedentes: ED–PC nº 273–06, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14.9.2020, PC nº 260–49, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 29.4.2020, e PC nº 265–71, de minha relatoria, DJe de 30.6.2020.25. Contas aprovadas com ressalvas.