Jurisprudência TSE 15453 de 23 de abril de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
05/04/2021
Decisão
O Tribunal, por maioria, vencidos em parte, os Ministros Sérgio Banhos, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Luís Roberto Barroso (Presidente), desaprovou as contas do Diretório Nacional do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) Nacional, relativas ao exercício financeiro de 2015, com determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luis Felipe Salomão. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PSTU – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADES QUE ALCANÇAM O MONTANTE DE R$ 206.760,27, EQUIVALENTE A 7,06% DO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. NOVOS DOCUMENTOS. CONTAS DESAPROVADAS.1. Ausência de documentação apta a comprovar a regularidade das despesas e o vínculo com as atividades partidárias.1.1 Nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.432/2014 e da jurisprudência do TSE, a comprovação do regular dispêndio de recursos do Fundo Partidário e a necessária vinculação ao rol do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 requer, em regra, a juntada de documento fiscal que contenha elementos informativos referentes à data e ao valor da operação, à identificação das partes envolvidas e descrição detalhada do respectivo objeto contratual, sendo facultado ao julgador a admissão de outros meios de prova idôneos.1.2. A juntada de documentos após o momento previamente estabelecido no regramento aplicável somente se justifica quando se tratar de novas irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais o prestador não teve oportunidade de se manifestar ou, ainda, na hipótese de documentos novos a que alude o art. 435, parágrafo único, do CPC. Precedentes.2. Despesas com hospedagem e alimentação 2.1 A inexistência de notas fiscais emitidas pelo estabelecimento hoteleiro, com elementos que possibilitem identificar o hóspede que usufruiu das estadias – conforme determina o art. 18, § 7º, II, c, da Res.–TSE nº 23.432/2014 – impede a chancela dos gastos.2.2. Lista de presença assinada pelos participantes de evento realizado em estabelecimento hoteleiro, por si só, não se presta para comprovar o vínculo dos assinantes com a agremiação nem substitui a exigência da documentação fiscal.3. Serviços prestados por trabalhadores autônomos3.1. As legislações fiscal e previdenciária impõem ao tomador do serviço – no caso, ao partido político – a obrigação de emitir recibo de pagamento ao trabalhador autônomo contratado, o qual deve conter informações relativas ao pagamento da remuneração, a identificação completa das partes envolvidas, o número de inscrição do segurado no RGPS, as retenções fiscais e previdenciárias obrigatórias e o compromisso de que a retribuição pecuniária paga ao prestador será informada na GFIP.3.2 O cumprimento mínimo das formalidades legais é condição sine qua non para a consideração de documento para o fim de sua classificação como idôneo, nos termos do art. 34, § 1º, da Lei nº 9.096/1995, c/c o art. 18 da Res.–TSE nº 23.432/2014.3.3 No caso, os recibos apresentados, além de não conterem os elementos informativos mínimos legalmente exigidos, foram preenchidos e assinados pelos próprios trabalhadores, o que os tornam formalmente inaptos.3.4. Conquanto inexista, em regra, prevalência da legislação não eleitoral a esta Justiça Especializada – regida pelo princípio da especialidade –, o manejo de verbas públicas impõe uma especial consideração pelos administradores das regras que são a todos, indistintamente, aplicadas.4. Serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, cuja documentação comprobatória encontrava–se ilegível4.1. No caso, após a emissão do parecer conclusivo que atestou a impossibilidade de análise dos documentos, ante a precariedade da impressão – o partido obteve da empresa a segunda via dos comprovantes das operações, tendo requerido, por ocasião das razões finais, a consideração da documentação substituta.4.2. Conforme se extrai do julgamento, pelo STJ, do REsp nº 1.414.774/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16.5.2019, DJe de 5.6.2019, as informações contidas em comprovantes emitidos em papel termossensível se apagam com o tempo, não se podendo condicionar a sua durabilidade às suas condições de armazenamento, sob pena de onerar excessivamente o destinatário do comprovante.4.3. Os princípios da boa–fé e da cooperação processual e a subsunção dos fatos narrados pela parte ao parágrafo único do art. 435 do CPC legitimam a admissão de documentos juntados após o prazo regulamentar, os quais, no caso, comprovaram a regularidade dos gastos contraídos com os Correios, serviço essencial à atividade partidária.5. Ausência de elementos identificadores dos beneficiários de transporte rodoviário5.1. A ausência de elementos na documentação fiscal que permita identificar individualizadamente os beneficiários do serviço prestado – no caso, transporte rodoviário – e a inexistência de outros meios idôneos de prova que detalhem a viagem contratada – a exemplo de relatório emitido pela empresa contendo os dados do deslocamento e dos passageiros – inviabilizam a aferição do necessário vínculo dos passageiros com a grei.5.2. Lista de presença assinada pelos participantes do evento que teria motivado o deslocamento rodoviário, por si só, não se presta para identificar os beneficiários do transporte e não comprovam a vinculação dos assinantes aos quadros da agremiação.6. Insuficiência da aplicação mínima de 5% das verbas do Fundo Partidário em programas de incentivo à participação feminina na política6.1. O propósito da ação afirmativa insculpida no art. 44, V, da Lei das Agremiações Partidárias é difundir o ideal da efetiva participação das mulheres no cenário político mediante o uso de expedientes que alavanquem a representatividade feminina na política, a exemplo da difusão de informações por meio de expedientes que instruam o modo pelo qual tal desiderato pode e deve ser alcançado.6.2. Embora o transporte de mulheres para participar de eventos específicos organizados pela agremiação possa, em tese, vincular–se à consecução da finalidade almejada pelo art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, tal associação deve ser efetivamente comprovada pelo partido, ante a necessidade de se garantir a plena eficácia da ação afirmativa. Precedente. No caso, o transporte – terrestre e aéreo – de filiadas para participarem de reuniões da Secretaria de Mulheres do partido e de seminário temático, por configurar gasto de natureza administrativa, não se presta para a contabilização no percentual mínimo obrigatório atinente à ação afirmativa de fomento à participação feminina na política, não tendo o partido se desincumbido de provar o vínculo do referido gasto com o referido programa.6.3. A documentação emitida em desconformidade com a legislação aplicável impede o cômputo do gasto a que se refere no cálculo do percentual relativo ao art. 44, V, da Lei dos Partidos Políticos.6.4. A mera aquisição de camisetas com frases alusivas a programas do partido não cumpre a finalidade do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995.6.5. A simples menção, na nota fiscal relativa a serviço de impressão, a "Apostila mulheres" e a inexistência de outros meios probatórios idôneos não permitem atestar o liame do gasto à efetiva promoção da participação feminina na política.6.6. Gastos com produções relativas à propaganda doutrinária e política (art. 44, II, da Lei dos Partidos Políticos) não são computados no montante percentual mínimo previsto no art. 44, inciso V, da Lei nº 9.096/1995, cujos recursos exigem aplicação vinculada estritamente ao específico fim de promover a participação das mulheres na política.6.7. Despesas cujos recursos originaram–se de conta desvinculada daquela abastecida com verbas do Fundo Partidário devem ser computadas na parcela excedente ao montante percentual mínimo previsto no art. 44, inciso V, da Lei nº 9.096/1995. Precedente.7. Conclusão: contas desaprovadas7.1. A soma das irregularidades encontradas nas contas do PSTU relativas ao exercício financeiro de 2015 alcança R$ 206.760,27, o que equivale a 7,06% do total de recursos recebidos do Fundo Partidário (R$ 2.928.405,46).7.2. Havendo indícios da existência de ilícitos que extrapolam o escopo da análise técnica das contas partidárias por esta Justiça Eleitoral – que se restringe aos aspectos contábeis, financeiros e econômicos da movimentação financeira dos recursos que transitam nas contas bancárias das agremiações –, não há óbice a que esta Corte Superior encaminhe as informações reveladas ao órgão ministerial natural a fim de que avalie sua materialidade e relevância por meio dos expedientes próprios.8. Determinação8.1. Devolução ao erário do valor de R$ 206.760,27, devidamente atualizado e com recursos próprios.8.2. Aplicação, no exercício seguinte ao trânsito em julgado desta decisão, no programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, do valor não aplicado no exercício de 2015, devidamente atualizado, salvo se já o tiver feito em exercícios posteriores, acrescidos 2,5% da quantia recebida do Fundo Partidário, relativos a essa destinação no exercício de 2015.8.3. Suspensão do repasse de uma cota do Fundo Partidário, a ser cumprida de forma parcelada, em duas vezes, em valores iguais e consecutivos.8.4. Encaminhamento das informações deste feito ao Ministério Público para que avalie sua materialidade e relevância.