Jurisprudência TSE 060885989 de 10 de novembro de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
05/10/2021
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares, julgou prejudicada a cautelar e deu parcial provimento aos recursos para afastar a condenação por abuso de poder político e a inelegibilidade, mas manter a condenação por conduta vedada, nos termos do voto do Relator. Quanto ao valor da multa por conduta vedada, por maioria, fixou¿a em 15.000,00 (quinze mil reais) para cada um dos recorrentes, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Sérgio Banhos, Carlos Horbach e Edson Fachin. Votaram com o Relator os Ministros Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão e Luís Roberto Barroso (Presidente). Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. AIJE. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. ART. 73, I E III, DA LEI Nº 9.504/1997 E ART. 22, CAPUT, DA LC Nº 64/1990. PRELIMINARES. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. ALEGADO USO DE VEÍCULOS E DE MOTORISTAS DA FROTA DA COMPANHIA MUNICIPAL DE LIMPEZA URBANA (COMLURB) PARA TRANSPORTE DOS RESPECTIVOS FUNCIONÁRIOS ATÉ O LOCAL DE EVENTO POLÍTICO VOLTADO À PROMOÇÃO DE CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL E ESTADUAL LIGADOS AO ENTÃO PREFEITO MUNICIPAL. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO FUNDADO, ESSENCIALMENTE, EM DEPOIMENTOS EXTRAÍDOS DE CPI INSTAURADA PELA CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO PARA APURAR OS MESMOS FATOS E EM MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. EVENTO ABERTO AO PÚBLICO. NÚMERO REDUZIDO DE PARTICIPANTES. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO QUANTITATIVO DE VEÍCULOS DA COMLURB QUE EFETIVAMENTE TERIA SIDO UTILIZADO NO TRANSPORTE DE FUNCIONÁRIOS PARA O EVENTO E DE QUEM OS UTILIZOU. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NO SENTIDO DA EFETIVA PARTICIPAÇÃO DO REQUERENTE NA ORGANIZAÇÃO DO EVENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE GRAVIDADE. RECURSOS ORDINÁRIOS PARCIALMENTE PROVIDOS, A FIM DE AFASTAR A APLICAÇÃO DAS SANÇÕES COM BASE NO ABUSO DO PODER POLÍTICO E, NA QUADRA DA CONDUTA VEDADA, REDUZIR, SEGUNDO UM JUÍZO DE PROPORCIONALIDADE, O QUANTUM DA MULTA APLICADA AOS RECORRENTES. PREJUDICADAS AS PRETENSÕES CAUTELARES REQUERIDAS.1. No caso, a conduta objeto da AIJE julgada procedente na origem consistiu na desvirtuação, supostamente orquestrada pelo condenado, prefeito do Município do Rio de Janeiro, de um evento, na sede da escola de samba Estácio de Sá, destinado a empregados da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), no qual, em vez de serem tratados temas afetos à categoria, teriam sido promovidas as campanhas eleitorais de dois candidatos nas eleições de 2018.Preliminares2. A apresentação de notícia–crime contra a Prefeitura Municipal não impede que o advogado que a subscreveu participe do julgamento do respectivo mandatário. Hipótese que não se insere no rol descrito no art. 144 do CPC. Preliminar de nulidade, por participação de magistrado impedido, rejeitada.3. Em recente julgado, esta Corte Superior, em revisão de posicionamento, deu parcial provimento a recurso para firmar a tese, aplicável a partir das eleições de 2018, de que não há litisconsórcio passivo necessário, em âmbito de AIJE, entre o candidato beneficiado e os agentes públicos responsáveis pela prática do suposto ato abusivo. Não acolhimento da preliminar de decadência da ação.4. Se os recorrentes consideravam inválidas as provas orais produzidas pela CPI, cumpria–lhes ter suscitado a questão no tempo oportuno – ainda perante a instância de origem, logo após serem intimados a se manifestar acerca das indigitadas provas –, visando a sanar o suposto vício, e não ter devolvido a matéria apenas com os presentes recursos ordinários. Incidência da preclusão na espécie, com base no art. 278 do CPC. Rejeição da preliminar.5. A ausência de contraditório em processo originário não acarreta nulidade se a prova é submetida ao crivo das partes no feito para o qual é emprestada. Precedentes desta Corte Superior e do STJ.Mérito6. No tocante ao mérito propriamente dito, o conjunto probatório é, conforme bem consignou o aresto regional, vasto em atestar o uso de veículos oficiais e de motoristas da Comlurb para o transporte de seus empregados, em 13.9.2018, até a quadra da escola de samba Estácio de Sá, onde, sob o pretexto de se tratar de evento no qual seriam abordados assuntos de interesse da categoria, o então prefeito Marcelo Crivella, diante do eleitorado presente, promoveu as candidaturas de seu filho, Marcelo Hodge Crivella, e de Alessandro Costa aos cargos, respectivamente, de deputado federal e de deputado estadual em 2018.7. No que concerne à aplicação da sanção de inelegibilidade, o aresto regional merece ser reformado. Isso porque, como é sabido, para configurar o abuso do poder político, nos termos do art. 22, caput, da LC nº 64/1990, é imprescindível a presença da gravidade da conduta, cuja verificação deve levar em conta se, diante das circunstâncias do caso concreto, os fatos narrados foram suficientes para gerar desequilíbrio na disputa eleitoral, de modo a evidenciar potencial prejuízo à lisura do pleito.8. O decreto condenatório regional, em sua fundamentação, baseou–se, essencialmente, em documentos originados de CPI – que apurou os mesmos fatos – consistentes em depoimentos de gerentes regionais da Comlurb e em matérias jornalísticas, os quais, ainda que possam ter atestado a finalidade eleitoreira da indigitada reunião – elemento essencial para o reconhecimento do abuso do poder político na seara eleitoral –, não se mostraram suficientes para revelar a gravidade para desequilibrar a disputa entre os candidatos.9. Apesar de constar que a Comlurb possui cerca de 20 mil funcionários, os depoentes fazem menção a estimativas de reduzido número de pessoas no evento (50 a 150 pessoas), as quais o acórdão nem sequer vincula ao quadro funcional da referida empresa. É dizer: a partir do conjunto probatório dos autos, não é possível reconhecer, com grau de certeza, a caracterização do abuso do poder político, o qual não pode estar ancorado em conjecturas e presunções, fazendo–se necessária, para sua configuração, a comprovação da gravidade das circunstâncias do caso concreto que caracterizam a prática abusiva, de modo a macular a lisura da disputa eleitoral, nos termos do art. 22, XVI, da LC nº 64/1990. Precedentes.10. Os elementos advindos da CPI, apesar de terem atestado a prática das condutas vedadas previstas nos inciso I e III do art. 73 da Lei nº 9.504/1997 – que exigem tão somente a subsunção objetiva dos fatos ao tipo legal –, não tiveram o condão de comprovar a caracterização do abuso do poder político que tenha dado força desproporcional à candidatura dos recorrentes de forma a comprometer a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito, em um universo de 12 milhões de eleitores em 2018 no Estado do Rio de Janeiro. Não se mostraram, aliás, sequer suficientes para atestar a participação do então prefeito Marcelo Crivella na organização do evento.11. A pena de inelegibilidade prevista no art. 22, XIV, da LC nº 64/1990 é de caráter personalíssimo e, portanto, demanda, para sua aplicação, provas robustas de que o agente tenha, efetivamente, contribuído com o abuso, não bastando meras ilações decorrentes de apoios a correligionários. Precedentes.12. Recursos ordinários parcialmente providos, a fim de: (a) afastar a caracterização do abuso do poder político e, por conseguinte, a aplicação das sanções do art. 22, XIV, da LC nº 64/1990; e (b) na quadra da conduta vedada, reduzir, segundo um juízo de proporcionalidade, o quantum da multa ao valor de R$ 15.000,00 para cada um dos recorrentes (art. 77, § 4º, da Res.–TSE nº 23.551/2017). Prejudicadas as pretensões cautelares requeridas.