Jurisprudência TSE 060452427 de 19 de maio de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
09/05/2023
Decisão
Julgamento conjunto: RO's nº 060452427 e nº 060880963O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as questões preliminares e, no mérito, negou provimento aos recursos ordinários, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, os Ministros Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente). Falou pelo recorrente, Renato Cozzolino Harb, o Dr. Carlos Eduardo Caputo Bastos.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques (substituto), Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E CONDUTA VEDADA. AÇÕES SOCIAIS REALIZADAS PELO GOVERNO DO ESTADO. USO PROMOCIONAL. ENALTECIMENTO INDEVIDO DE CANDIDATO. PROMOÇÃO MACIÇA DE CAMPANHA ELEITORAL. OFENSA AO ART. 489, § 1º, V, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE O CANDIDATO E OS AGENTES PÚBLICOS. DESNECESSIDADE. CONDUTA VEDADA. HIPÓTESE CONTIDA NO ART. 73, IV, DA LEI Nº 9.504/1997. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. ART. 22, CAPUT, DA LEI COMPLR N.º 64/90. CARACTERIZAÇÃO. GRAVIDADE. VIOLAÇÃO À NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DO PRÉLIO ELEITORAL. DESEQUILÍBRIO NA DISPUTA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. O Tribunal a quo julgou procedentes os pedidos veiculados nas ações de investigação judicial eleitoral consubstanciadas na prática de conduta vedada, disciplinada no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997 – proibição do uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público –, e abuso de poder político, ante a utilização indevida de ações sociais ofertadas pelo Governo estadual em benefício exclusivo de candidatura, em violação à normalidade e legitimidade do pleito.2. Não há falar em ofensa ao art. 489, V, do CPC, porquanto não se pode negar que houve enfrentamento pelo Tribunal a quo da matéria suscitada, tendo sobre ela se manifestado de forma fundamentada.3. Este Tribunal Superior firmou compreensão no sentido da desnecessidade da formação do litisconsórcio entre o autor da imputada conduta e o beneficiário desta, tida por abusiva. Precedente.4. A circunstância de os fatos terem sido praticados antes da existência de candidaturas registradas não inviabiliza, por si só, o reconhecimento da conduta vedada nem do abuso. Isso porque as condutas vedadas e o abuso de poder político, objetos de ação de investigação judicial eleitoral, terão termo inicial para o ajuizamento do registro de candidatura, podendo, todavia, levar a exame fatos ocorridos antes mesmo das convenções partidárias. Assim, não cabe confundir o período em que ocorre o ato ilícito com aquele no qual se admite a sua análise. Precedentes.5. As condutas vedadas contidas no art. 73 da Lei nº 9.504/1997 se aperfeiçoam com a mera prática dos atos descritos na norma, independentemente da finalidade eleitoral, uma vez que constituem ilícitos de natureza objetiva. Precedentes.6. No caso, são incontroversas a realização de inúmeros programas sociais de natureza assistencialista e a produção, pelo recorrente, de materiais publicitários vinculando seu nome à promoção de cada uma das ações sociais descritas nos autos, as quais foram publicadas em suas redes sociais.7. Os vídeos, as imagens e as demais postagens ostensivamente publicadas nas redes sociais do recorrente buscavam vincular sua imagem aos programas sociais executados pelo Governo estadual na municipalidade, com vistas a enaltecer a sua figura, de modo a incutir na mente da população local que ele era o grande idealizador e responsável pelos serviços que estavam sendo oferecidos à população pelo Poder Público, realizando ativamente ações promocionais prévias aos eventos beneficentes, bem como deles participando – inclusive cumprimentando, abraçando e beijando os beneficiários –, e concedendo entrevistas nas quais transmitia a promessa de que as ações sociais continuariam. Esse cenário revela a conduta voluntária e consciente do ora recorrente em identificar–se de forma pessoal com as ações que foram realizadas por ente federado, circunstância que, comparativamente, caso fossem realizadas pelo Governador do Estado, configurariam violação direta à proibição de promoção pessoal contida no art. 37, § 1º da CRFB.8. O fato de as ações sociais terem sido executadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro não afasta a incidência do art. 73, IV, da Lei das Eleições, pelo contrário, pois o dispositivo busca vedar justamente o uso promocional em favor de candidato, partido ou coligação, de distribuição gratuita de serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público. Precedente.9. O arcabouço probatório demonstra que não se tratou de mera menção a ações políticas praticadas no exercício do mandato parlamentar do ora recorrente, as quais nem sequer poderiam configurar uma espécie de prestação de contas à sociedade, dado que, em verdade, os materiais publicitários produzidos pelo recorrente visaram – além da vinculação de sua imagem às ações sociais fornecidas à população carente – a incutir a ideia nos munícipes beneficiários de que era o principal agente realizador dos programas sociais promovidos pelo Governo do Estado no Município de Magé/RJ. Essa conduta constitui o próprio núcleo da vedação prevista na Lei nº 9.504/97.10. Relativamente à sanção pecuniária aplicada no patamar máximo dadas as reiteradas práticas, observa–se estar dentro dos parâmetros legais e que o ora recorrente se limitou a tecer argumentos genéricos, sem apresentar elemento que pudesse demonstrar a não subsunção das condutas que lhe foram imputadas ao dispositivo legal ou mesmo violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.11. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, para configuração do abuso de poder previsto no art. 22, caput, da Lei Complementar n.º 64/90, é necessária a demonstração segura da gravidade dos fatos imputados, (aspecto qualitativo) e de sua repercussão a fim de influenciar o pleito (aspecto quantitativo). Precedente.12. Especificamente, quanto ao abuso do poder político previsto no art. 22 , caput, da Lei Complementar n.º 64/90, esta Corte Superior entende que só pode ser praticado por quem detém a condição de agente público e se vale de sua condição funcional para desequilibrar o prélio eleitoral.13. Quanto ao aspecto qualitativo, verifica–se a sistemática identificação do recorrente nas ações sociais, a evidenciar a instrumentalização dos serviços públicos ofertados pela administração em benefício exclusivo do deputado estadual, candidato à reeleição.14. A técnica publicitária adotada nos materiais que formam o acervo probatório dos autos divulgados nas redes sociais – profissionalmente produzidos – demonstra a clara intenção de fazer do ora recorrente o protagonista principal das ações sociais, atribuindo papel secundário ao Governo do Estado na realização dos programas sociais de distribuição gratuita de bens e serviços, de modo a se autopromover politicamente na localidade, mormente porque os vídeos continham diversas entrevistas com os munícipes levadas a efeito por jornalista contratado pelo recorrente, os quais teciam elogios e agradecimentos expressamente direcionados ao recorrente, quadro a revelar a exploração do assistencialismo.15. Revestem–se de gravidade suficiente a influenciar no resultado do prélio eleitoral a utilização de programas sociais, com forte apelo eleitoral, em evidente desvio de finalidade com o objetivo de alavancar a campanha eleitoral, uma vez que o enaltecimento da figura do recorrente, de maneira a incutir na cabeça do eleitor de ser o recorrente o grande idealizador dos serviços públicos ofertados em várias ocasiões, além de antirrepublicano – utilização de serviços constitucionalmente gratuitos –, consubstancia descumprimento do dever impostergável de prestar de forma adequada e eficiente os serviços públicos à população em geral.16. Não obstante a aptidão da potencialidade lesiva para alterar o resultado da eleição não mais ser tida por elementar à configuração da prática abusiva, tal circunstância prossegue sendo ponderável pelo órgão julgador para ressaltar o desvalor da conduta.17. No caso, o recorrente foi eleito deputado estadual com um total 33.597 votos, sendo que destes 24.860 foram obtidos só na localidade em que ocorreram as ações, circunstância que evidencia o impacto causado pela utilização indevida das ações sociais na normalidade e legitimidade do pleito, indicando quebra de isonomia entre os concorrentes que disputavam o mesmo cargo.18. É inequívoca a existência da prática abusiva engendrada pelo investigado, de modo influenciar diretamente no resultado das eleições, em nítida violação à normalidade e legitimidade do pleito.19. Recursos desprovidos.