Jurisprudência TSE 060390235 de 12 de novembro de 2020
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
27/10/2020
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário, para cassar o diploma de deputado estadual do recorrido e declará¿lo inelegível pelo prazo de oito anos, em razão da prática de abuso de poder econômico, determinando a anulação dos votos do recorrido e a execução imediata da decisão, independentemente da publicação do acórdão, inclusive para fins de retotalização, nos termos do voto do Relator, com ressalva de entendimento do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Votaram com o Relator os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Luís Roberto Barroso (Presidente). Falaram: pelo recorrente, Ministério Público Eleitoral, o Dr. Humberto Jacques de Medeiros, e pelo recorrido, Marcell Carvalho de Moraes, o Dr. Jutahy Magalhães Neto e o Dr. Jutahy Magalhães Junior. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. CONJUNTO PROBATÓRIO. ROBUSTO. PROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria de quatro votos a três, julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor de deputado estadual, para apurar suposta prática de abuso do poder econômico, consistente em supostas campanhas de vacinação e castração gratuitas e/ou a preços módicos de cães e gatos, realizadas em conjunto com a ONG Geamo, em diversos municípios do Estado da Bahia, no período pré–eleitoral, com maciça exposição da imagem do investigado, atrelada aos serviços prestados. 2. O Ministério Público Eleitoral interpôs recurso ordinário, alegando que o abuso do poder econômico estaria configurado, em razão dos seguintes fundamentos: a) os serviços prestados de vacinação e de castração de animais não teriam natureza filantrópica, e sim eleitoral; b) o recorrido teria sido beneficiário e financiador das ações supostamente ilícitas; c) houve elevado gasto de recursos financeiros para a realização dos serviços prestados; d) houve gasto de campanha eleitoral não contabilizado na prestação de contas do recorrido, decorrente da divulgação da sua imagem nas ações realizadas, a evidenciar a existência do denominado "caixa–dois"; e) a gravidade da conduta teria se evidenciado pelo caráter eleitoreiro dos serviços prestados com a vinculação da imagem do recorrido, a elevada quantidade de atendimentos realizados em diversos municípios, bem como o excesso de recursos financeiros utilizados. ANÁLISE DO RECURSO ORDINÁRIO 3. A caracterização do abuso do poder econômico resulta do excesso no aproveitamento da capacidade de geração de riqueza, apto a desequilibrar o pleito eleitoral, em benefício de candidato. 4. O representado, na forma do art. 374, II, do CPC, confessa em sede de contestação o emprego de estrutura física, espécie de tenda inflável, com a sua imagem e nome, durante as campanhas de vacinação e castração. 5. A prova documental e a oral comprovam que, no decorrer dos eventos, houve a reprodução de vídeo e a distribuição de material impresso de publicidade do recorrido, bem como que havia voluntários vestindo camiseta com o seu nome. 6. O próprio teor da campanha eleitoral do representado estabelecia vinculação, ao menos implícita, senão expressa, entre a sua imagem, a atividade como deputado e a realização dos eventos de vacinação e castração, o que se vê pelo slogan de campanha "MEU CANDIDATO JÁ AJUDOU MAIS DE 45.000 ANIMAIS. E O SEU?" e pelo apelo "VOTE em quem já ajudou mais de 45 mil animais em toda a Bahia, é deputado #fichalimpa e número 1 em iniciativas e projetos para os anjos de 4 patas", que constam de página do representado no Facebook. 7. A motivação dos mutirões não era filantrópica, de cuidado e proteção dos animais, mas, sim, eleitoreira, o que se evidencia também pela circunstância de as fiscalizações realizadas, tanto pelo CRMV/BA, quanto pelas autoridades sanitárias municipais, conduzirem à constatação de que os eventos não respeitavam as normas de proteção à saúde animal. 8. O recorrido confessa ser ao menos corresponsável pela execução dos atendimentos veterinários, ao afirmar, em sede de contestação, ter firmado parceria para realizá–los com ONG que fundou. 9. Há robusto conjunto de elementos de prova trazidos ao processo, notadamente documentais, no sentido de que os eventos eram realizados sob o poder de fato e comando do recorrido. 10. Foram encaminhados ofícios pelas assessoras parlamentares do recorrido em papel timbrado da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, com a indicação de origem do seu gabinete, solicitando apoio a prefeituras municipais para a realização dos atendimentos. 11. O recorrido, em suas redes sociais, afirmava–se realizador dos eventos, ao utilizar expressões como "nossa campanha de vacinação" e "nosso mutirão de castração". 12. Há declaração do próprio recorrido, em papel timbrado da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, encaminhada ao Conselho Regional de Medicina Veterinária, pela qual se compromete a arcar com os custos provenientes de eventual emergência decorrente de campanha de castração. 13. Diante do grande volume de atendimentos realizados – superior a 50 mil, como anunciado pelo próprio recorrido em rede social –, resta evidenciado que o serviço ofertado à população alcançou valor econômico em montante excessivo, mostrando–se irrelevante, para a configuração do abuso do poder econômico, a exigência de eventual contraprestação dos beneficiários dos serviços, quando se verifica que a cobrança, no caso, quando exigida, restringia–se a valores módicos. 14. Configurado o abuso de poder econômico, é o caso de se impor ao recorrido a inelegibilidade, haja vista a sua participação direta no ilícito, além da cassação do diploma de deputado estadual, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90. 15. Cassado o registro ou diploma de candidato eleito sob o sistema proporcional, em razão da prática das condutas descritas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, devem ser considerados nulos, para todos os fins, os votos a ele atribuídos, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do mesmo diploma legal. Decisão tomada por maioria, tendo a corrente minoritária se manifestado pela aplicação prospectiva da referida orientação, em decorrência do princípio da segurança jurídica e do disposto no art. 218, II, e no art. 219, IV, da Res.–TSE 23.554. CONCLUSÃO Recurso ordinário a que se dá provimento.