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Jurisprudência TSE 060390065 de 26 de novembro de 2020

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Sergio Silveira Banhos

Data de Julgamento

13/10/2020

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, não conheceu do recurso ordinário interposto por Targino Machado Pedreira Filho e deu provimento ao recurso manejado pelo Ministério Público Eleitoral, para cassar o diploma do candidato e aplicar¿lhe inelegibilidade, nos termos do voto do Relator. Por maioria, declarou a nulidade dos votos do candidato, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Analisando a questão de ordem suscitada pela defesa, o Tribunal, por unanimidade, a indeferiu e determinou seja oficiado ao Tribunal Regional Eleitoral da Bahia para execução imediata da sanção, inclusive para fins de retotalização, nos termos do voto do Relator. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.

Ementa

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. FILANTROPIA. ASSISTENCIALISMO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO GRATUITO À POPULAÇÃO CARENTE EM ANO ELEITORAL. EXALTAÇÃO DA FIGURA DO MÉDICO, TAMBÉM DEPUTADO ESTADUAL E PRÉ–CANDIDATO. VEÍCULO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS PLOTADO COM A FOTO E O NOME DO PRÉ–CANDIDATO. DESIGUALDADE NA DISPUTA. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. REFORMA DO ARESTO REGIONAL. PROCEDÊNCIA DA AIJE. CASSAÇÃO DO DIPLOMA E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. ART. 22, XIV, DA LC 64/90.                                                  SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia rejeitou a preliminar de ilicitude dos vídeos acostados à inicial e, por unanimidade, julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral em relação a um dos investigados e, por maioria de quatro a três, julgou a demanda improcedente em relação ao recorrido, por considerar que a prestação de atendimentos de saúde gratuitos pelo deputado estadual e pré–candidato, direcionados à população carente, não configurou conduta ilícita por inexistirem provas do beneficiamento eleitoreiro e da finalidade de angariar os votos dos pacientes. 2. No recurso ordinário do órgão ministerial, pretende–se a reforma do acórdão regional, sob o argumento de que o recorrido, reeleito em 2018 ao cargo de deputado estadual, praticou abuso do poder econômico, em afronta ao art. 22, XIV, da LC 64/90, ao se utilizar de sua profissão de médico para realizar atendimentos de saúde gratuitos à população de Feira de Santana/BA, em benefício de sua candidatura e mediante burla ao serviço de regulação do SUS no Estado da Bahia. 3. Segundo o Parquet, as pessoas eram atendidas em clínicas clandestinas em Feira de Santana/BA e depois transportadas, às expensas do deputado estadual investigado, para o Município de São Félix/BA, onde tinham acesso a serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital Nossa Senhora da Pompéia, da Santa Casa de Misericórdia de São Felix/BA, sem passar pelo controle do processo de regulação entre os municípios. 4. No seu recurso ordinário, o investigado sustenta a ilicitude dos vídeos apresentados, por terem sido produzidos clandestinamente, sem o conhecimento do interlocutor e sem autorização judicial, razão pela qual pugna pelo reconhecimento da imprestabilidade de tais provas e pela determinação do seu desentranhamento dos autos.                    ANÁLISE DO RECURDO ORDINÁRIO DO INVESTIGADO 5. Segundo a firme jurisprudência desta Corte e do STJ, corroborada pela doutrina dominante, somente a parte prejudicada tem interesse em recorrer da decisão. 6. Não existe sucumbência no caso, pois o recurso interposto pelo investigado não reúne condições de gerar nenhuma posição de melhora na sua esfera jurídica, uma vez que a decisão no bojo da qual pretende a declaração de nulidade das provas lhe foi favorável. 7. Este Tribunal Superior já se manifestou no sentido de que o interesse recursal pressupõe a sucumbência da parte quanto ao seu pedido, o que se verifica no dispositivo da decisão, e não em seus fundamentos. Precedentes. 8. A teor da firme jurisprudência desta Corte, "admite–se o enfrentamento de matéria arguida pela parte não sucumbente em contrarrazões" (AgR–RO 1136–70, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 22.11.2016; REspe 20459, rel. Min. Og Fernandes, DJE de 14.3.2019).     ANÁLISE DO RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL 9. O atual entendimento deste Tribunal é no sentido de que "deve ser admitida, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, avaliando–se, com cautela, caso a caso, a prova obtida, de modo a ampliar os meios de apuração de ilícitos eleitorais que afetem a lisura e a legitimidade das eleições" (AI 275–67, rel. Min. Og Fernandes, DJE de 6.3.2020). Precedentes. 10. No caso dos autos, não se observa a ilicitude das provas, alegada em contrarrazões, porquanto, embora as mídias sejam gravação ambiental de áudio e vídeo, o aproveitamento da prova se limita basicamente às imagens produzidas, diante da deficiência do som nelas captado, cuja inaudibililidade torna inviável, e até inócua, a análise da alegação de que teriam sido forjadas. 11. Não há falar em ilicitude das imagens captadas em ambientes públicos ou não restritos, as quais não implicaram nenhuma violação à privacidade do investigado. 12. Os fatos acerca dos atendimentos médicos realizados pelo deputado investigado foram objeto de denúncias anônimas encaminhadas à auditoria do SUS/BA e à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, nas quais se relatou que, para ter atendimento pelo SUS por intermédio das Clínicas da Associação Beneficente Luz da Vida (ABLV), em Feira de Santana, nas quais o deputado prestava serviço filantrópico, era necessário que o cidadão apresentasse o título de eleitor. Também foi relatado que as pessoas atendidas na Associação eram encaminhadas em van para realizarem procedimentos médicos nos Municípios de Cachoeira e São Felix/BA. 13. As condutas imputadas ao investigado estão comprovadas a partir dos seguintes elementos que se extraem dos autos, os quais, em seu conjunto, configuram a prática abusiva: a) prestação de serviços gratuitos de saúde pelo médico, deputado estadual e pré–candidato às Eleições de 2018, em clínicas clandestinas administradas por entidade assistencial, por longo período de tempo, inclusive no ano da realização do pleito no qual foi reeleito; b) exaltação da figura pública do agente, mediante a fixação de cartazes na associação, contendo sua foto em destaque, seu nome e slogan voltado ao seu enaltecimento; c) utilização de receituários médicos também com sua foto, nome e slogan; d) grande número de pessoas atendidas nas clínicas, fato comprovado pelos laudos das fiscalizações e pelos depoimentos de praticamente todas as testemunhas; e) oferecimento de transporte em van adesivada com a imagem em tamanho grande do investigado, seu nome em destaque e a frase "Saúde e Conforto para Você" aos pacientes atendidos nas clínicas para o encaminhamento a outra unidade de saúde em município vizinho; f) encaminhamento dos pacientes a hospital conveniado ao SUS, localizado em município vizinho, onde eram atendidos de forma privilegiada, sem passar pelo controle do sistema de regulação, por meio do qual se exigia prévia comunicação entre os gestores de saúde municipais; g) existência de títulos de eleitor na grande maioria dos prontuários de pacientes oriundos da cidade onde o investigado, médico e deputado, prestava os serviços assistencialistas. 14. As provas dos autos indicam que eram realizados atendimentos médicos pelo deputado estadual, gratuitamente, mediante a exaltação do seu nome e da sua foto – imagem que constava, inclusive, nos seus receituários médicos –, em clínicas clandestinas que não tinham autorização dos órgãos públicos para prestar serviço de saúde à população, e ainda com a utilização de formulários de exame emitidos pelo SUS, embora a clínica não fosse conveniada ao Sistema Único de Saúde. 15. Para a apuração dos fatos, foram realizados três procedimentos de fiscalização/averiguação: i) investigação preliminar nos dias 9 a 11 de janeiro de 2018 pela auditoria do SUS, realizada na parte externa da Clínica em Feira de Santana; ii) auditoria do SUS feita nos dias 15 a 19 de janeiro de 2018, no Hospital Nossa Senhora da Pompéia, da Santa Casa de Misericórdia de São Felix/BA, localizado no Município de São Felix/BA; e iii) vistoria realizada pela Vigilância Sanitária, em 17 de julho de 2018, em uma das Clínicas onde o médico atendia gratuitamente, em Feira de Santana/BA. 16. O atendimento filantrópico realizado há muitos anos antes do pleito ao qual os fatos estão vinculados não tem o condão de desconfigurar o abuso de poder na seara eleitoral, especialmente quando houver vinculação clara entre o agente prestador e o trabalho desenvolvido, mediante o enaltecimento de sua figura pública, o que ficou comprovado na espécie. 17. A caracterização do abuso de poder independe da circunstância de o ilícito ter sido praticado dentro ou fora do período eleitoral. Nesse sentido, esta Corte tem decidido que "inexiste óbice a que o abuso de poder seja reconhecido com base em condutas praticadas ainda antes do pedido de registro de candidatura ou do início do período eleitoral" (AgR–Al 514–75, red. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, DJE de 2.6.2015). 18. O contexto é agravado por se tratar de filantropia realizada no âmbito da saúde, cujo atendimento é notoriamente precário no nosso país, mormente nos estados do Nordeste, onde a população é mais carente e menos beneficiada pelos serviços públicos que, infelizmente, não são prestados satisfatoriamente pelo Estado. 19. Tal conjuntura acarreta inegável situação de desequilíbrio entre os concorrentes, na medida em que a população atendida, diante do estado de carência e vulnerabilidade e também da necessidade de que os serviços continuem sendo prestados, sente–se naturalmente compelida a estabelecer vínculo de dívida com o agente que oferece tal benesse, circunstância que reflete negativamente na liberdade do voto e, por consequência, na lisura do processo eleitoral. 20. A conduta filantrópica que, mesmo indiretamente, vincule o serviço oferecido à figura do agente prestador, que, no caso dos autos, também é agente político atuante em muitos mandatos na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, e então pré–candidato às Eleições de 2018, reverbera, inegavelmente no contexto do pleito, causando distúrbios que afetam o desenvolvimento regular e igualitário do processo eleitoral, conspurcando o fluxo natural do princípio democrático. 21. A jurisprudência mais recente deste Tribunal está assentada no entendimento de que "o notório aproveitamento do deficiente sistema de saúde pública para intermediar e distribuir benesses, com o fim de obter votos da parcela carente, em afronta aos bens jurídicos tutelados no referido artigo – normalidade e legitimidade das eleições – é apto a ensejar a cassação de diploma" (AgR–REspe 162–98, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 15.5.2018). 22. É importante destacar o entendimento manifestado por esta Corte no julgamento do aludido AgR–REspe 162–98, no qual ficou consignado que "cabe à Justiça Eleitoral apurar e punir, com rigor, prática de assistencialismo por pessoa que, visando obter votos para pleito futuro, manipula a miséria humana em benefício próprio ao aproveitar–se da negligência do Estado em inúmeras áreas com destaque para saúde, direito social garantido indistintamente a todos (arts. 6º e 196 da CF/88)". 23. No julgamento do AI 621–41, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 23.10.2018, este Tribunal assentou constituir "abuso do poder político e econômico a prática de assistencialismo, por meio da manipulação dos serviços oferecidos pelo sistema público de saúde, visando à obtenção de votos. Precedentes: AgR–REspe n° 162–98/RN, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 15.5.2018 e RO n° 803269/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 4.10.2016". 24. No caso em exame, a gravidade dos atos exsurge a partir do contexto da utilização pelo pré–candidato de bem essencial à vida, no caso, a saúde, mediante ampla divulgação por meio de cartazes e fotos, inclusive em adesivo afixado em veículo de passageiros, no qual eram transportados pacientes para os atendimentos médicos em cidade vizinha. 25. Não se pode negar o efeito multiplicador da conduta, considerado o número de atendimentos que, segundo afirmou uma das testemunhas arroladas pelo próprio investigado, seria de 80 pessoas por dia. 26. Ainda que não seja dado essencial para a aferição da gravidade da conduta, há de se ponderar que o deputado estadual foi reeleito com 67.164 votos e, destes, 42.269 votos foram oriundos de eleitores de Feira de Santana/BA. 27.  As provas produzidas nos autos levam à conclusão de que o assistencialismo praticado pelo recorrido acarretou lesividade ao pleito e desequilíbrio na disputa, mediante a utilização de artifícios para angariar a simpatia do eleitorado mais vulnerável, com vistas ao pleito de 2018, no qual o deputado foi reeleito com a grande maioria de 28.  Cassado o registro ou diploma de candidato eleito sob o sistema proporcional, em razão da prática das condutas descritas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, devem ser considerados nulos, para todos os fins, os votos a ele atribuídos, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do mesmo diploma legal. Decisão tomada por maioria, tendo a corrente minoritária se manifestado pela aplicação prospectiva da referida orientação, em decorrência do princípio da segurança jurídica e do disposto no art. 218, II, e no art. 219, IV, da Res.–TSE 23.554. 29.   O efeito suspensivo ope legis de que trata o § 2º do art. 257 do Código Eleitoral cessa com o julgamento do feito pelo Tribunal Superior Eleitoral, a partir do que a douta maioria entende possível a execução imediata do acórdão, mesmo antes da respectiva publicação.                                                   CONCLUSÃO Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público Eleitoral provido, para cassar o diploma de deputado estadual do investigado, em decorrência da prática de abuso do poder econômico, impondo–lhe a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2018, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90. Recurso ordinário manejado pelo investigado não conhecido, por ausência de interesse recursal.


Jurisprudência TSE 060390065 de 26 de novembro de 2020