Jurisprudência TSE 060304472 de 11 de outubro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
11/10/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente). Acórdão publicado em sessão. Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA.1. Recurso ordinário interposto contra acórdão unânime do TRE/RJ, que indeferiu o registro de candidatura do recorrente ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro nas Eleições 2022 com esteio na inelegibilidade do art. 1º, I, i, da LC 64/90.2. Hipótese em que o recorrente é sócio–administrador de empresas atuantes em operações financeiras com criptomoedas, captando–se recursos da carteira de clientes e, em contrapartida, pagando–se dividendos conforme prazos e percentuais fixados em contrato. Tais atividades foram objeto de operação da Polícia Federal visando apurar esquema de fraudes e de pirâmide financeira envolvendo aproximadamente 39 bilhões de reais.INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, I, DA LC 64/90. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES. REQUISITOS CUMULATIVOS. INEDITISMO DA CONTROVÉRSIA. CRIPTOMOEDAS. AVANÇO TECNOLÓGICO.3. Consoante o art. 1º, I, i, da LC 64/90, são inelegíveis "os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade".4. Contornos de ineditismo quanto ao exame dos três requisitos da inelegibilidade, notadamente pela temática das criptomoedas e das operações de pessoas jurídicas que atuam nesse ramo.5. As criptomoedas representam revolução na forma como ativos financeiros circulam no mercado e, ao contrário das moedas em formato físico – sujeitas a uma autoridade central de emissão –, ostentam características como a ausência de intermediação pelas instituições financeiras tradicionais, descentralização das transações e reduzida atividade fiscalizatória dos bancos centrais.6. A ausência de regulamentação quanto às transações e às empresas atuantes na área de criptomoedas não autoriza o magistrado a se abster da controvérsia, ficando à mercê dos avanços tecnológicos. Deve, ao contrário, compatibilizá–los com a norma vigente, sob pena de torná–la letra morta. Tal como já se decidiu quanto a outros dispositivos da Lei de Inelegibilidades, "a interpretação do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 deve ter seu sentido e alcance adaptados às inovações tecnológicas advindas da criação da Internet" (voto do Min. Luís Roberto Barroso no REspEl 31–02/RS, DJE de 27/6/2019); AIJE 0601968–80/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, de 28/10/2021.PRIMEIRO REQUISITO DA INELEGIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO. CONCEITO. ESTABELECIMENTO DE CRÉDITO, SEGURO OU FINANCIAMENTO. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ATENDIMENTO.7. O art. 1º, I, i, da LC 64/90 traz em seu bojo a expressão "estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro", convergindo a jurisprudência e a doutrina pátrias no sentido de que a hipótese alberga as instituições financeiras em geral.8. O art. 17, caput, da Lei 4.595/64 estabelece que "consideram–se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros". Já o parágrafo único dispõe que "[...] equiparam–se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual". Ainda, o art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.492/96 – que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional – prevê a equiparação da "pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros".9. No caso, atendeu–se ao primeiro requisito da inelegibilidade, pois as empresas das quais o candidato é sócio–administrador desempenhavam operações típicas de instituições financeiras ao administrar, captar e investir os recursos de seus clientes em operações com criptomoedas, circunstância que, ademais, levou ao recebimento de denúncia contra o recorrente e terceiros pela prática crimes contra o sistema financeiro nacional.SEGUNDO REQUISITO. LIQUIDAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL. CASO DOS AUTOS. SIMILITUDE. PROCEDIMENTOS. LEI 6.024/74. ATENDIMENTO.10. O art. 1º, I, i, da LC 64/90 também requer que as instituições a que se refere o dispositivo "tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial".11. A Lei 6.024/74 disciplina a liquidação extrajudicial de instituições financeiras, cujo procedimento, dentre outros aspectos: (a) dar–se–á no caso de fatos que comprometam a saúde econômica da instituição (art. 15); (b) será conduzido pelo Banco Central (art. 15); (c) terá liquidante com amplos poderes, inclusive para classificar créditos e ultimar negócios pendentes (art. 16); (d) produzirá efeitos imediatos como a suspensão de ações e execuções relativas a direitos e interesses do acervo da liquidanda e o vencimento antecipado de obrigações (art. 18).12. No caso, sem descuidar da lacuna regulatória das operações com criptomoedas, tem–se a prática de atos que guardam estrita consonância com o processo de liquidação extrajudicial: (a) transações com sérios prejuízos aos investidores e que abalaram a saúde econômica das empresas; (b) em ação civil pública quanto a esses fatos, antecipou–se o afastamento do recorrente e nomeou–se "administrador, gestor e representante de todos os negócios e empresas envolvidos"; (c) nessa ação, autorizou–se apurar e classificar os créditos devidos; (d) oficiou–se ao Banco Central para "intervir no feito" e indicar "03 instituições financeiras ou outras autorizadas para a gestão dos ativos".13. Não há falar em interpretação extensiva, mas sim teleológica. Ademais, salientou a d. Procuradoria–Geral Eleitoral que "não se trata de emprego do recurso da analogia em detrimento do direito a candidatura, mas de fixação de entendimento atualizado pelos avanços técnicos da sociedade da hipótese legal".TERCEIRO REQUISITO. EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO DE DIREÇÃO, ADMINISTRAÇÃO OU REPRESENTAÇÃO. ATENDIMENTO.14. O art. 1º, I, i, da LC 64/90 abrange aqueles que "hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade".15. É inequívoco que o recorrente é sócio–administrador, o que se reafirmou na já referida ação civil pública, e que foi afastado em maio de 2022, atendendo–se também ao requisito temporal.AUTOAPLICABILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CF/88. PREJUDICIALIDADE. OBITER DICTUM. INOCORRÊNCIA.16. Aduz–se que a inelegibilidade também se fundou em vida pregressa, em autoaplicação indevida do art. 14, § 9º, da CF/88.17. Tema prejudicado frente à inelegibilidade da alínea i. Além disso, citaram–se os fatos acerca do recorrente apenas para "devida contextualização antes mesmo da apreciação dos requisitos objetivos da hipótese de inelegibilidade, dadas as peculiaridades da pretensa candidatura".CONCLUSÃO.18. Recurso ordinário a que se nega provimento.