Jurisprudência TSE 060296204 de 27 de novembro de 2024
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. André Mendonça
Data de Julgamento
22/10/2024
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso ordinário eleitoral, além de determinar a imediata comunicação deste julgado ao TRE/CE e ao Presidente da Câmara dos Deputados, independentemente de publicação do acórdão e em confirmação da medida liminar antes deferida, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, a Ministra Isabel Gallotti, e os Ministros Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques e Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
Ementa
ELEIÇÕES 2022. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER. DEPUTADO FEDERAL. DEPUTADO ESTADUAL. PREFEITO. VICE–PREFEITO. VEICULAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. SUPOSTO DESVIRTUAMENTO DE 8 (OITO) POSTAGENS EM REDE SOCIAL EM BENEFÍCIO DAS CAMPANHAS À REELEIÇÃO DE CONCORRENTES AOS CARGOS DO LEGISLATIVO ESTADUAL E FEDERAL. OMISSÃO. GRAVIDADE ASSENTADA SEM ANÁLISE DOS PRISMAS QUALITATIVO E QUANTITATIVO. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. TRÍADE PARA APURAÇÃO DO ABUSO: CONDUTA, ALTA REPROVABILIDADE E INDISCUTÍVEL REPERCUSSÃO NA NORMALIDADE E NA LEGITIMIDADE DO PLEITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES ATRIBUÍDOS. ACOLHIMENTO PARA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL DE IMPROCEDÊNCIA.1. No acórdão embargado, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria de 5x2, deu provimento ao recurso ordinário eleitoral para, em reforma do acórdão regional de improcedência dos pedidos formulados em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), reconhecer a caracterização do abuso de poder, diante do uso da publicidade institucional do Município de Baturité/CE – precisamente de 8 (oito) postagens em rede social na Internet – para realização de marketing pessoal dos parlamentares, com vistas à campanha à reeleição nas eleições de 2022.2. Seguiram–se a oposição de três embargos de declaração, dotados de semelhantes argumentos. Exame conjunto.3. Teses de omissão sobre tempestividade recursal e de anterior análise dos fatos sob a perspectiva da conduta vedada afastadas. Tese de dúvida sobre execução imediata do acórdão prejudicada.4. Tese de omissão sobre o exame da gravidade, em ambas as perspectivas (qualitativa e quantitativa), dado os contornos do caso concreto, reputados, pelos embargantes, de pouco alcance na circunscrição eleitoral na qual travada a disputa do ano de 2022, ou seja, no âmbito do Estado do Ceará, considerada, para tanto, a eleição para os cargos de deputado estadual e federal. Acolhimento.5. Necessidade de integração do acórdão embargado, diante da firme orientação jurisprudencial desta Corte Superior de que a gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito). Seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa" (AIJE no 0600814–85/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2.8.2023 – grifos acrescidos).6. Posição reforçada com lastro em recente precedente deste Tribunal, no qual os embargos de declaração foram acolhidos, com efeitos infringentes, para aprofundamento do exame da gravidade, considerada a circunscrição do pleito, que restou afastada, com reversão do juízo condenatório: ED–REspEl no 0601635–18.2020.6.23.0001, relator o Ministro André Ramos Tavares, sessão de 18.6.2024, DJe de 6.8.2024.7. Apuração do abuso de poder (gênero) que não prescinde da tríade: conduta, alta reprovabilidade (gravidade qualitativa) e significativa repercussão na normalidade e legitimidade do pleito (gravidade quantitativa). Necessidade de convicção segura.8. Critério quantitativo do elemento gravidade que se orienta pela repercussão do suposto ilícito diante da dimensão numérica do colégio eleitoral. Imprescindibilidade de constatação da efetiva nocividade ao ambiente eleitoral, assim considerada a circunscrição em que a disputa é travada. Caso dos autos que envolve concorrentes aos cargos de deputado estadual e federal. Âmbito de aferição que deve considerar a circunscrição do Estado.9. Imputação da prática de abuso de poder que se restringe a apenas 8 (oito) postagens levadas a efeito no perfil oficial mantido pela Prefeitura de Baturité/CE em rede social na Internet, compreendidas entre as datas de 10.12.2021 e 12.7.2022, sendo: uma no mês de dezembro de 2021, duas no mês de janeiro de 2022, três no mês de março de 2022, uma no mês de junho de 2022 e a último no início do mês de julho de 2022.10. Premissa fática que não desautoriza a intelecção, já bem estabelecida na jurisprudência desta Corte Superior, de que "a circunstância de os fatos terem sido praticados antes da existência de candidaturas registradas não inviabiliza, por si só, o reconhecimento da conduta vedada nem do abuso" (RO–El no 0604524–27/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 19.5.2023).11. Porém, nessa hipótese, afigura–se, em tintas ainda mais fortes, indispensável estabelecer cognição segura, inequívoca e indene de dúvidas sobre o juízo positivo de gravidade sob a vertente quantitativa, uma vez que, quanto mais distante o fato do pleito, a sua eventual repercussão será naturalmente dissipada.12. A força do tempo é capaz de suplantar a indução de repercussão de um fato (ou conjunto de fatos) em processo eleitoral que venha a ocorrer em data muito posterior. A conclusão em sentido oposto, embora possível, demanda coerência lógica e demonstração do liame entre o evento e a quebra da igualdade de chances, ofendendo a normalidade e a legitimidade das eleições.13. Na espécie, da consulta aos prints que acompanham a petição inicial, assim como dos vídeos, é possível extrair o número de curtidas de cada uma das postagens questionadas, as quais oscilam entre 500 e 2.000. Cuida–se, portanto, de um número irrisório em disputa estadual e sem nenhuma densidade eleitoral, sobretudo considerado o diminuto universo de 8 (oito) postagens, levadas a efeito no Município de Baturité, que ocupa a 55ª posição no ranking populacional do Estado do Ceará (Censo 2024) e que contava, no ano de 2022, com 26.647 eleitores, em contraste ao eleitorado estadual, que era composto por 6.820.673 eleitores.14. Em caso de contornos fáticos quase idênticos aos dos presentes autos e também do Estado do Ceará, envolvendo investigado que concorreu ao cargo de deputado estadual e foi eleito, qual seja, o RO–El no 0602966–41/CE, relator o Ministro Raul Araújo, DJe de 28.6.2024, não obstante a imputação de desvio da publicidade institucional em três municípios (e não apenas em um), no total de aproximadamente 30 (trinta) postagens, o TSE, por unanimidade de votos, confirmou o acórdão regional de improcedência da AIJE, justamente por entender que "não haveria como se inferir que o contexto retratado nos autos se reveste de efetivo potencial para impactar na normalidade e na legitimidade do pleito", isso ao verticalizar o exame da gravidade sob o prisma quantitativo.15. Na hipótese dos autos, o investigado Audic Mota, que apenas foi eleito suplente para o cargo de deputado estadual, teve, do total de votos obtidos, 16,09% registrados no Município de Baturité/CE. O investigado Eduardo Bismack, por sua vez, 8,01%. No precedente antes citado, o então investigado obteve votação da qual, em termos percentuais, 27,58% adveio da somatória de votos registrados nos três municípios onde teria havido desvirtuamento da publicidade institucional local em seu benefício.16. A discrepância entre as cotejadas conclusões decorre diretamente da alegada omissão sobre a análise da gravidade quantitativa. A manutenção do acórdão embargado, por isso mesmo, acarretaria uma prestação jurisdicional não isonômica.17. Aliás, mesmo sob a vertente da gravidade qualitativa, que traduz juízo de alta reprovabilidade da conduta apurada, não verifico como possa ser mantida a conclusão exarada no acórdão embargado. Com efeito, "considerando que a reprovabilidade diz respeito a quanto as condutas foram capazes de influenciar a vontade livre do eleitor" (REspEl no 0600564–30/SC, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe de 23.8.2024), não vejo como subscrever a convicção sobre o desvalor de conduta derivada de apenas 8 (oito) postagens em rede social, com baixo número de curtidas, a primeira delas ainda no ano anterior ao da realização das eleições, sem pedido de votos (implícito ou explícito) e, principalmente, sem qualquer referência ao pleito de 2022.18. Mesmo que se pudesse superar a gravidade, o caso, ainda assim, estaria inserido no princípio do "in dubio pro suffragii, o qual preconiza que, em casos de dúvida, deve–se privilegiar o voto, a fim de fortalecer a democracia representativa" (REF–TutCauAnt no 0600145–95/GO, Rel. MIn. Raul Araújo, DJe de 22.5.2023). Em idêntico norte intelectivo: "Esta Justiça especializada tem por fundamento que, ¿em caso de dúvida razoável da melhor interpretação do direito posto, vigora, na esfera peculiar do Direito Eleitoral, o princípio do in dubio pro sufragio, segundo o qual a expressão do voto popular e a máxima preservação da capacidade eleitoral passiva merecem ser prioritariamente tuteladas pelo Poder Judiciário.¿ (RO 0600086–33/TO, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto)" (REspEl no 0600719–11/SP, Rel. MIn. Ricardo Lewandowski, DJe de 4.8.2022).19. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso ordinário. Determinação de imediata comunicação, independentemente de publicação.