Jurisprudência TSE 060190176 de 29 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
09/03/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as questões preliminares e, no mérito, negou provimento aos recursos ordinários, decretando a nulidade dos votos recebidos pela primeira recorrente, com recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, e a imediata execução do acórdão, independentemente de publicação, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME).1. Recursos ordinários interpostos contra acórdão unânime do TRE/RR, que, em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), cassou o diploma da primeira recorrente, Deputada Estadual por Roraima eleita em 2018, em virtude de abuso do poder econômico (art. 22 da LC 64/90) e captação ilícita de sufrágio (art. 41–A da Lei 9.504/97).2. De acordo com a Corte de origem, a empresa da qual a recorrente e seu cônjuge são sócios–administradores, valendo–se de contrato emergencial com o Governo de Roraima, no valor de R$ 217.500,00, cujo objeto era o transporte de alunos de escolas públicas em locais de difícil acesso, deixou os veículos à disposição de líderes comunitários e gestores daquelas unidades em troca de apoio político e para a prática de atos de campanha.PRELIMINARES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PARTIDO POLÍTICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA EMPRESTADA. REJEIÇÃO.3. "O partido político não é litisconsorte passivo necessário em ações que visem à cassação de diploma" (Súmula 40/TSE).4. Não há falar em cerceamento de defesa, o que se alegou por se entender que os documentos da Operação Zaragata, da Polícia Federal, foram juntados sem que tenha havido chance de impugná–los e de ouvir as testemunhas arroladas.5. Conforme o art. 219, caput, do Código Eleitoral, "na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo–se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo". No caso, o TRE/RR reconheceu o ilícito não a partir da referida documentação, mencionada de forma sucinta já na parte final do voto, mas sim com com base nos inúmeros testemunhos colhidos em juízo e nas respectivas provas materiais trazidas com a inicial.6. De todo modo, a recorrente foi intimada para se manifestar sobre os documentos. Quanto à negativa de prova testemunhal no que tange à Operação Zaragata, tem–se que: (a) não indicou como pretendia contrapor os fatos; (b) algumas das pessoas que seriam ouvidas são de comunidades distintas; (c) essas mesmas pessoas não foram denunciadas e nem arroladas como testemunhas na ação penal.ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESVIRTUAMENTO. CONTRATO EMERGENCIAL. TRANSPORTE. ALUNOS. EMPRESA. RECORRENTE. SÓCIA–ADMINISTRADORA. MERCANCIA. APOIO POLÍTICO. UTILIZAÇÃO. ATOS DE CAMPANHA. GRAVIDADE DOS FATOS.7. O abuso de poder econômico caracteriza–se pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. Precedentes.8. Os documentos públicos constantes da inicial revelam o seguinte cenário quanto ao transporte de alunos da rede pública em locais de difícil acesso em Roraima: (a) em 2013, realizou–se licitação, com grupos de localidades a serem atendidas, cada qual com uma empresa vencedora, dentre elas a Diamond Tours Transportes Ltda., cujos sócios–administradores são a primeira recorrente e seu cônjuge; (b) o contrato teve vários aditamentos e, entre o fim de 2017 e o início de 2018, houve interrupção; (c) realizou–se contratação emergencial, vencendo, sozinha, no primeiro semestre de 2018, a Diamond Tours Transportes Ltda. Contudo, diversas irregularidades nesse último procedimento ensejaram apurações nas searas administrativa, penal e eleitoral.9. Na seara eleitoral, o farto conjunto probatório produzido nos autos evidencia que o contrato foi desvirtuado para impulsionar a candidatura da primeira recorrente ao cargo de deputado estadual. O teor das declarações das testemunhas residentes em Alto Alegre/RR e na comunidade indígena Contão revela modus operandi em que representante da Diamond Tours Transportes Ltda. colocava automóveis à disposição de líderes comunitários e de gestores de unidades educacionais em troca de apoio político ou mesmo para o uso direto na campanha.10. Quanto aos fatos em Contão, ouviram–se em juízo pessoas que lá residem há muitos anos e que, de forma clara e coesa, afirmaram que ao menos um dos veículos: (a) foi entregue ao vice–líder da comunidade, que por sua vez apoiou a candidatura da recorrente; (b) apareceu no local perto do início da campanha; (c) foi recolhido após o primeiro turno; (d) nunca transportou alunos; (e) tinha como uma de suas destinações a prática de atos de campanha; (f) teve seu uso pela comunidade de modo gratuito ou pago, a depender de o utilizador apoiar ou não a candidata; (g) era da cor branca e com placa vermelha.11. Constata–se idêntica conduta quanto aos carros de Alto Alegre/RR, porém a gestora da unidade educacional, professora, não aceitou a oferta em troca de apoio político, tendo afirmado em juízo, dentre outras relevantes declarações, que "tenho setenta e dois anos, eu trabalho na educação [...], mas [...] eu nunca vi carro de governo disponibilizado pra diretor de escola [...] nesses vinte e seis anos como professora. Aí eu falei que não". Ademais, "depois de toda essa situação [...] os carros ficavam rodando nas vicinais, na Vila, mas não carregando nenhum aluno [...]. Foi faturado a vicinal seis, a vicinal nove e a vicinal dez e o carro que era destinado pra escola fazia campanha", sendo beneficiária a primeira recorrente. Asseverou, ainda, que "as pick–ups, que eram Amaroks, de chapa vermelha, [...] todo mundo via elas circular na comunidade, nas vicinais, menos carregando aluno. É tanto que o nosso ano letivo na escola ainda não fechou por causa disso". Por fim, "terminou o primeiro turno, sumiram todos os carros".12. As testemunhas arroladas na defesa ou incorreram em diversas contradições ou não souberam esclarecer os fatos ou, pior, os corroboraram em grande parte. O gestor da unidade de ensino na comunidade Contão confessou que o atesto do transporte era simulado, haja vista "acordo em que a gente atestava a frequência e depois o dono do transporte repõe", além do que "o cara fica quatro meses sem trabalhar lá e recebe" e que "às vezes a gente é levado a fazer determinadas coisas que a gente não concorda". Por sua vez, o vice–líder da comunidade não soube explicar a razão de um veículo de mais de cem mil reais estar em sua posse e para qual finalidade. Já o preposto da empresa, que também trabalhou na campanha, se contradisse ao afirmar que "a Yonny [recorrente] é sócia lá", mas logo depois não soube responder à pergunta "ela é da empresa?", além do que "quem cuidava dos carros era o pessoal de Alto Alegre", para, em seguida, dizer que "eu era o responsável dos carros".13. Irrelevante o argumento de que o contrato emergencial com a Diamond Tours Transportes Ltda. foi anulado pelo Tribunal de Contas do Estado em julho de 2018. Embora esse fato seja verdadeiro, a Corte de contas ordenou a continuidade dos serviços pelas "atuais empresas prestadoras até o início da vigência da contratação das empresas vencedoras do novo certame", o que, como se viu, engloba a Diamond, contratada desde 2013, ainda que em conjunto com outras empresas. Ademais, inúmeros pagamentos ocorreram após essa decisão, havendo nos autos, a título de exemplo, provas de serviços até agosto e estornos até setembro de 2018. Por fim, somam–se a esses fatores os já referidos testemunhos dos moradores, todos uníssonos na linha de que os carros ficaram nas localidades até o fim do primeiro turno.14. Gravidade dos fatos (art. 22, XVI, da LC 64/90) sobejamente comprovada em seus aspectos quantitativo e qualitativo. A contratação emergencial no valor de R$ 217.500,00, para transportar alunos em locais de difícil acesso, por meio de empresa da qual a candidata é sócia–administradora, foi desvirtuada em benefício de sua própria candidatura, seja mediante negociata de apoio político com os responsáveis locais que receberiam os veículos, seja por seu uso na campanha.CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REQUISITOS. TEMPORALIDADE. ANUÊNCIA. CIÊNCIA PRÉVIA. CANDIDATA. CASO ESPECÍFICO. NÃO ATENDIMENTO.15. Conforme o art. 41–A da Lei 9.504/97 e a jurisprudência desta Corte, para se configurar a captação ilícita de sufrágio é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem de qualquer natureza a eleitor; (b) dolo específico de obter o voto; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado ou a sua concordância ou conhecimento dos fatos.16. No que se refere à oferta de veículos a líderes ou gestores em troca de apoio político, as provas indicam que as tratativas, apesar de inequívocas, ocorreram a princípio antes do registro de candidatura nas Eleições 2018. A título demonstrativo, a gestora da unidade de Alto Alegre/RR declarou que os veículos chegaram no local "do finalzinho de julho pro início de agosto" e que nessa mesma época recebeu a oferta (por ela não aceita).17. Quanto à circunstância de o líder indígena, após receber o veículo, condicionar seu uso gratuito por pessoas da comunidade em troca de votos, não há elementos de que a primeira recorrente anuiu ou tinha prévia ciência dessa conduta específica. Em outras palavras, descabe presumir que a conduta inicial – oferta de veículos a líderes e gestores em troca de apoio político – automaticamente configurou o conhecimento ou a ciência pela recorrente quanto ao ato seguinte.CONCLUSÃO. MANUTENÇÃO DA PERDA DO DIPLOMA.18. Recursos ordinários a que se nega provimento, com a nulidade dos votos recebidos e determinando–se a execução imediata do aresto.