Jurisprudência TSE 060185041 de 07 de outubro de 2021
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
23/09/2021
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do Progressistas (PP) relativas ao exercício financeiro de 2016 e determinou: a) a restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, de R$ 785.540,03, devidamente atualizados; e b) a aplicação de multa de 2% sobre o montante tipo por irregular (R$ 785.540,03), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Sérgio Banhos, Carlos Horbach e Luís Roberto Barroso (Presidente). Acompanharam o Relator, na integralidade, os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luis Felipe Salomão (art. 7º, §2º da Resolução¿TSE nº 23.598/2019).Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 785.540,03. MALFERIMENTO À TRANSPARÊNCIA, À LISURA E AO INDISPENSÁVEL ZELO NO USO DOS RECURSOS PÚBLICOS. PRECEDENTES.ISONOMIA E SEGURANÇA JURÍDICA. CONTAS DESAPROVADAS.1. Débitos na conta bancária específica. Documentos ilegíveis. Consoante dispõe o art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015, "a comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço". Irregularidade mantida.2. Despesas com irregularidades relacionadas à legislação trabalhista. Na hipótese, verificou–se que a apuração das despesas apontadas como irregulares são de competência da Justiça do Trabalho. Precedente. Irregularidade afastada.3. Pagamentos de serviços sem comprovação da efetiva execução da despesa e do vínculo com a atividade partidária3.1. Conforme previsto no art. 29, § 4º, da Res.–TSE nº 23.464/2015, cabe ao partido manter sob sua guarda os documentos relativos às prestações de contas por prazo não inferior a 5 anos, contados da data de sua apresentação, bem como pode a Justiça Eleitoral requisitar tal documentação nesse mesmo prazo.3.2. A ausência de documentação fiscal e demais documentos previstos no art. 18, § 1º, da Res.–TSE nº 23.464/2015 impede a verificação da regularidade dos gastos, bem como a análise da vinculação dessas despesas com a atividade partidária.3.3. Consoante o art. 44 da Lei nº 9.096/1995 e a pacífica jurisprudência deste Tribunal Superior, deve–se exigir do prestador das contas, além da prova inequívoca da realização da despesa, a demonstração do vínculo com as atividades partidárias (PC nº 228–15/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 26.4.2018, DJe de 6.6.2018). Irregularidade mantida.4. Repasses a diretórios estaduais penalizados com suspensão4.1. Esta Corte Superior, no julgamento da PC nº 191–80/DF, de minha relatoria, ocorrido na sessão realizada por meio eletrônico de 9 a 15.4.2021, publicada no DJe de 30.4.2021, sinalizou "[...] aos jurisdicionados – notadamente aos responsáveis pelas prestações de contas submetidas à Justiça Eleitoral – a compreensão de que (a) o descumprimento de decisão judicial que tenha determinado a suspensão do recebimento de recursos públicos por órgão partidário revela, a depender das circunstâncias do caso concreto, indícios da prática do crime de desobediência previsto no art. 347 do CE; e (b) a reiteração de irregularidades reputadas graves constituem motivo para, por si só, ensejar a desaprovação das contas".4.2. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica em vedar, a partir da publicação da decisão que rejeitou as contas de diretório regional ou municipal e aplicou–lhe a penalidade de suspensão de repasses de recursos do Fundo Partidário, o repasse de valores desse fundo público por esferas superiores da unidade partidária. Precedente. Irregularidade mantida.5. Insuficiência de documentação para comprovar despesas5.1. O partido realizou despesas com fretamento de aeronaves e serviços de táxi sem comprovar que os serviços prestados e seus usuários estavam vinculados às atividades partidárias, o que macula a transparência das contas, ante a ofensa ao disposto no art. 44 da Lei nº 9.096/1995.5.2. Consoante o precedente firmado na PC nº 43 [38695–05]/DF, de relatoria do Ministro Henrique Neves da Silva, admite–se a apresentação de documento fiscal de hospedagem, desde que informados os nomes dos hóspedes, as datas e os locais da prestação do serviço.5.3. A descrição do objetivo das viagens e sua finalidade foi feita de forma genérica, o que compromete a lisura e a transparência das contas apresentadas. Irregularidade mantida.6. Pagamento de juros e multas com recursos do Fundo Partidário. No caso, o partido reconheceu a irregularidade e se comprometeu a efetivar o pagamento. Irregularidade mantida.7. Gastos aplicados no programa de participação da mulher na política não comprovados e/ou sem vinculação partidária7.1. Constatou–se que algumas das despesas consideradas pela unidade técnica para comprovar a aplicação de verbas do Fundo Partidário em programas de incentivo à participação feminina na política não se destinaram, efetivamente, a essa finalidade ou que a documentação apresentada pelo partido foi insuficiente para comprovar os gastos.7.2. Se a despesa não se encontra comprovada à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015, o gasto não se presta para qualquer das finalidades elencadas no art. 44 da Lei nº 9.096/1995. Uma vez assentada a regularidade da despesa, verifica–se, então, se houve o atendimento à específica finalidade do fomento à participação política feminina.7.3. "A distinção de análise [...] consiste nos seus efeitos, pois o uso irregular de recursos públicos exige a recomposição do Erário sem o prejuízo, caso descumprido o art. 44, inciso V, da Lei nº 9.096/95, de incremento das verbas destinadas ao incentivo de participação feminina na política" (PC nº 185–73/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgada em 29.4.2021, DJe de 11.5.2021).7.4. Quanto aos gastos indicados pelo partido como aplicados na ação afirmativa, o órgão técnico atestou que: (a) o valor de R$ 3.137.210,35 foi regularmente comprovado tanto à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015 quanto do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, tendo consignado a efetiva aplicação na ação afirmativa de montante equivalente a 5,96% do total recebido do Fundo Partidário; (b) R$ 144.303,09 foram comprovados à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015, mas não em relação à finalidade da ação afirmativa; e (c) R$ 315.448,82 foram tidos por não comprovados, isto é, o gasto nem sequer atendeu ao disposto no art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015, sendo, pois, irregular.7.5. Recursos do Fundo Partidário indicados pela agremiação como aplicados no programa de fomento à participação feminina na política cuja documentação, além de não comprovar essa específica finalidade, é insuficiente para atestar a regularidade do gasto devem ser devolvidos ao erário (PC–PP nº 159–75/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 6.5.2021, DJe de 18.5.2021).7.6. No caso, ficaram sem comprovação alguma gastos que totalizaram a quantia de R$ 247.626,32, montante que deve ser contabilizado para fins de ressarcimento ao erário.8. Repasses à Fundação Milton Campos. Esta Corte, na sessão jurisdicional de 27.10.2020, por maioria, decidiu questão de ordem suscitada pelo MPE na PC–PP nº 192–65/DF, de relatoria do Ministro Sérgio Banhos, no sentido de que, a partir do exercício financeiro de 2021, leia–se "contas relativas ao exercício financeiro de 2021 e seguintes", caberá, também, à Justiça Eleitoral fiscalizar as contas das fundações, não sendo, portanto, aplicável esse novo entendimento ao caso dos autos, tendo em vista que se trata de prestação de contas do exercício financeiro de 2016.9. Conclusão: contas desaprovadas9.1. Conforme a orientação adotada por esta Corte Superior nos julgamentos das PCs nºs 0601752–56/DF e 0601858–18/DF, finalizados em 1º.7.2021: (a) o ressarcimento ao Tesouro Nacional do montante tido por irregular não constitui sanção, mas mera recomposição de valores irregularmente aplicados ou não comprovados, razão pela qual a devolução destes deve ser feita com recursos próprios do partido; (b) a multa a que se refere o art. 37 da Lei nº 9.096/1995 – que tem como base o valor apurado como irregular – deverá ser paga mediante desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, na forma do respectivo § 3º; (c) não se inclui na base cálculo da multa prevista no art. 37, caput, da Lei dos Partidos Políticos, o montante tido por irregular em razão do não atendimento integral da determinação constante do art. 44, V, do referido regramento, cuja sanção se encontra especificada no respectivo § 5º.9.2. O total de irregularidades encontrado nas contas do Progressistas (PP) relativas ao exercício financeiro de 2016 é de R$ 785.540,03 (valor que se refere aos recursos do Fundo Partidário irregularmente utilizados ou que não foram devidamente comprovados), o que representa 1,49% do total que o partido recebeu do referido fundo público em 2016 (R$ 52.588.882,33).9.3. "Inexiste fórmula fixa predeterminada que estabeleça a utilização de critério meramente percentual no julgamento das contas, de modo que tanto a aprovação quanto a rejeição delas dependem, necessariamente, da análise dos elementos do caso concreto, providência que compete, exclusivamente, ao julgador, que verificará se o conjunto das irregularidades implicou, na hipótese, malferimento – ou não – à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso dos recursos públicos" (ED–PC nº 0000154–53/DF, de minha relatoria, DJe de 25.6.2021).9.4. Esta Corte Superior entende que "[...] o percentual das falhas não é o único critério para a aferição da regularidade das contas, somando–se a ele a transparência, a lisura e o comprometimento do Partido em cumprir a obrigação constitucional de prestar contas de maneira efetiva, de modo que a gravidade da irregularidade serve apenas como unidade de medida para balizar a conclusão do ajuste contábil" (PCs nºs 159–75/DF, 162–30/DF, 165–82/DF, 0601752–56/DF, todas de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, respectivamente publicadas no DJe de 18.5.2021, 2.6.2021, 4.6.2021 e 3.8.2021). Essa compreensão foi ratificada nos julgamentos das PCs nº 0601829–65/DF e 0601763–85/DF, ambas de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, ocorridos na sessão por meio eletrônico finalizada em 19.8.2021. A orientação deve ser mantida, em respeito aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.9.5. O alto valor absoluto das irregularidades com recursos públicos denota descaso do partido em sua utilização, bem como configura malferimento à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso das verbas públicas, circunstância que, na linha dos recentes precedentes desta Corte Superior, é grave o suficiente para ensejar a desaprovação das contas.10. Determinações. Restituição ao Tesouro Nacional, com recursos próprios, de R$ 785.540,03, devidamente atualizados e aplicação de multa de 2% sobre o montante tipo por irregular (R$ 785.540,03), a ser paga mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário.