Jurisprudência TSE 060183135 de 10 de junho de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Benedito Gonçalves
Data de Julgamento
28/04/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do Partido Democracia Cristã, relativas ao exercício financeiro de 2016, impondo¿lhe determinações, nos termos do voto do Relator.Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell Marques e Edson Fachin (Presidente).Composição: Ministros Edson Fachin (Presidente), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DIRETÓRIO NACIONAL. DEMOCRACIA CRISTÃ (DC).1. Trata–se de prestação de contas do Diretório Nacional da Democracia Cristã (DC) referente ao exercício financeiro de 2016.EXAME. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. REGRA GERAL. EXIGÊNCIA. DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO E DETALHADO. DESNECESSIDADE. OUTRAS PROVAS. RES.–TSE 23.464/2015. JURISPRUDÊNCIA. NECESSIDADE. DESBUROCRATIZAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.2. A Res.–TSE 23.464/2015 disciplina de modo claro a forma pela qual os partidos políticos devem comprovar o uso de recursos do Fundo Partidário.3. O art. 18, caput, da Res.–TSE 23.464/2015 estabelece que a prova dos gastos "deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço". Já o § 1º prevê que, além da nota fiscal, a Justiça Eleitoral "pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos", a exemplo do contrato, do comprovante de entrega do material ou do serviço prestado, do demonstrativo bancário de pagamento e da Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social.4. Na linha da jurisprudência desta Corte, a leitura conjugada do art. 18, caput e § 1º, da Res.–TSE 23.464/2015 permite concluir que se o partido político apresenta nota fiscal formalmente regular, contendo todos os detalhes da contratação – com destaque para o serviço prestado ou o material fornecido –, não cabe em regra exigir provas adicionais, exceto no caso de dúvida sobre a idoneidade do documento ou a execução do objeto.5. A análise das prestações de contas, desde o primeiro exame pelo órgão técnico, deve seguir os parâmetros do art. 18 da Res.–TSE 23.464/2015 e da jurisprudência, visto que: (a) entender de forma diversa constituiria afronta a diploma aprovado por esta própria Corte; (b) é necessário otimizar a apreciação do ajuste contábil, pois a exigência adicional de provas, quando despicienda em face da idoneidade do documento fiscal, gera círculo vicioso ao demandar mais tempo do órgão técnico e do Plenário, quase sempre perto do prazo prescricional; (c) impõe–se garantir segurança jurídica às agremiações quanto aos documentos que precisam ou não ser de fato apresentados.6. No caso específico dos autos, inúmeros gastos tidos como irregulares pelo órgão técnico estão, na verdade, amparados por documentos fiscais idôneos que contêm descrição detalhada das despesas, sem indícios, quanto a eles, de uso inapropriado de recursos públicos, conforme o art. 18 da Res.–TSE 23.464/2015.7. Despesas que se examinam na seguinte ordem: (a) regulares, com notas fiscais detalhadas; (b) regulares, com notas complementadas por documentação idônea (contratos, por exemplo); (c) irregulares, sem prova de vínculo com a atividade partidária; (d) irregulares por razões diversas (falta de provas ou justificativas, etc).PRIMEIRO GRUPO DE GASTOS. NOTAS FISCAIS. IDONEIDADE. DETALHAMENTO. REGULARIDADE.8. As despesas deste grupo foram comprovadas mediante notas fiscais idôneas, com descrição específica do objeto contratado ou do material fornecido, cabendo afastar a glosa do órgão técnico.9. A título de parâmetro, mencione–se o gasto contratado com a empresa Garum Serviços e Marketing Eireli (item 2.13.1 do voto), no total de R$ 144.000,00, em que uma das quatro notas fiscais dispõe: "PSDC Nacional – criação – marketing de campanha – direção – textos – conteúdo de campanha – roteiros e direção da campanha PSDC municipal da chapa de 58 candidatos a vereador de São Paulo direção de gravação e edição de todo material de TV e internet para 58 candidatos a vereador (homens) do PSDC municipal de São Paulo".10. As seguintes despesas se enquadram neste grupo: (i) FlixTV – Serv Multimídia Ltda. (R$ 14.000,00; item 2.9.2); (ii) Carlos Eduardo Florêncio (R$ 72.500,00; item 2.9.3); (iii) serviço de conversão de arquivos em outros formatos (R$ 74.274,30; WM Barbezan – ME; item 2.12); (iv) Maxam Serviços Administrativos Ltda. (R$ 266.300,00; item 2.13.2); (v) marketing político (R$ 60.000,00; Garum Serviços de Marketing Eireli; item 2.14.3); (vi) publicidade (R$ 25.440,00; Maxam Serviços Administrativos Ltda.; item 2.14.4).SEGUNDO GRUPO DE GASTOS. NOTAS FISCAIS. COMPLEMENTAÇÃO. DOCUMENTOS IDÔNEOS. REGULARIDADE.11. Despesas comprovadas mediante notas fiscais a princípio genéricas, porém complementadas por outros documentos, tais como contratos, novamente afastando–se o parecer da ASEPA.12. Como parâmetro, o gasto de R$ 20.000,00 com WV Todoz Agência Interativa Ltda. (item 2.14.1), cuja nota descreve "ref ao desenvolvimento de app no Facebook – PSDC Mulher", extraindo–se do contrato o seguinte: "App [aplicativo] para eleição no Facebook para as mulheres do município de SP – PSDC Mulher. Desenvolvimento das seguintes áreas e funcionalidades: – criação de layout; – desenvolvimento de HTML e CSS; – APP válido somente para o município de SP. [...] Área do Usuário (Eleitor): [...] Área do Candidato: [...]".13. No mesmo sentido, os seguintes gastos: (i) produção de filme (R$ 11.700,00; Garum Serviços de Marketing Eireli; item 2.14.5); (ii) passagens e hospedagens (R$ 11.215,16; Maiorca Passagens e Turismos Ltda.; item 2.14.6).TERCEIRO GRUPO DE GASTOS. NOTAS FISCAIS e CONTRATOS GENÉRICOS. COMPLEMENTAÇÃO. OUTROS DOCUMENTOS. INEXISTÊNCIA. PROVA. VÍNCULO. ATIVIDADE PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA. IRREGULARIDADE MANTIDA.14. Os gastos deste grupo contêm notas fiscais e contratos com conteúdo genérico e não houve prova complementar idônea pelo partido, mantendo–se a glosa do órgão técnico.15. Como parâmetro, o pagamento total de R$ 24.981,19 a autônomos (itens 2.3.1 e 2.3.2 do voto), cujos contratos preveem somente "prestação de serviços de natureza partidária, apoio administrativo" e, nos recibos ou contratos, há simples menção a "assessoria política", ausentes outros elementos ou dados suficientes para demonstrar o vínculo com a atividade partidária.16. Na mesma linha, os seguintes gastos: (i) serviço de telefonia (R$ 9.560,80; Nectel Soluções I E S Ltda.; item 2.6.2); (ii) instalação de tomadas (R$ 5.500,00; Patrício Soares; item 2.6.3); (iii) locação de veículo (R$ 1.400,00; Fioravante Sansão Júnior; item 2.9.1); (iv) Sandra Regina Barsi – Posto do Osnir (R$ 3.757,58; item 2.11.1); (v) honorários contábeis (R$ 590,00; Metroppole Consultoria Contábil, item 2.11.2); (vi) gastos diversos com reforma de imóvel (R$ 23.668,69; itens 2.2.1 a 2.2.3); (vii) disparo de e–mail (R$ 5.900,00; WV Todoz Agência Interativa Ltda.; item 2.14.4).QUARTO GRUPO DE GASTOS. IRREGULARIDADES DE NATUREZA DIVERSA. MANUTENÇÃO.17. Manutenção das irregularidades dos gastos relativos a este grupo por razões diversas.18. Gastos de R$ 67.943,04, com verbas do Fundo Partidário, para adquirir 16.319 litros de combustível de empresa cujo sócio–administrador é Presidente da grei, sem prova, ademais, do vínculo com a atividade partidária (item 2.10).19. Dispêndio de R$ 24.834,69 com tíquetes–combustível em benefício de funcionários sem previsão legal, sem prova do liame com a legenda e, ainda, tendo esses empregados também recebido vale–transporte (item 2.5).20. Pagamento à empresa Cantinho da Dora, cujos documentos estão total ou parcialmente ilegíveis (R$ 3.486,00; item 2.6.1).21. Pagamento de "indenização de estabilidade de emprego" a ex–funcionária (R$ 7.575,65; item 2.1), sem previsão legal ou sentença judicial, não se enquadrando no rol taxativo de uso do Fundo Partidário previsto do art. 44 da Lei 9.096/95.22. Pagamento de auxílio–alimentação e vale–transporte (R$ 5.825,51; item 2.4) a profissionais sem vínculo empregatício com o partido, sem respaldo no art. 44 da Lei 9.096/95.23. Gastos publicidade em montante maior que o previsto em contrato, sem justificativa plausível (R$ 14.144,74; Comunique–se Comunicação Corporativa Ltda.; item 2.6.4).24. Gastos com bebidas alcoólicas (R$ 378,18; item 2.7) em contrariedade às hipóteses permissivas do art. 44 da Lei 9.096/95 e à jurisprudência.25. Pagamento em duplicidade (R$ 172,78; item 2.8) sem regularização no mesmo exercício financeiro.26. Marketing (R$ 7.000,00; WV Todoz Agência Interativa Ltda., item 2.14.2): apesar de se relacionar às Eleições 2016, o contrato foi assinado dois dias antes do pleito e não há prova da efetiva entrega do produto.27. Produção de vídeos (R$ 50.000,00; Carlos Eduardo Florêncio; item 2.14.2): o contrato está sem assinatura da grei e há dissonância entre o que foi avençado (plataforma universal para uso na campanha nacional do PSDC Mulher de todos os Estados) e as provas dos autos (cinco vídeos sem claquete com gravação da foto do panfleto de 20 candidatas).28. Serviço de gravações (R$ 18.000,00; Carlos Eduardo Florêncio; item 2.14.4): o contrato está sem assinatura da legenda e não se comprovou a despesa.29. Identificou–se que a legenda não procedeu ao recolhimento de R$ 24.044,96 de INSS e de FGTS relativamente a valores pagos a funcionários (item 3.2).INOBSERVÂNCIA. PERCENTUAL DE 5%. PROMOÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA. ANISTIA. EC 117/2022.30. A legenda descumpriu o percentual mínimo de 5% para programas de incentivo à participação feminina na política ao não comprovar gastos de R$ 46.977,70 (art. 44, V, da Lei 9.096/95), aplicando R$ 181.889,44 de R$ 228.867,14.31. A Emenda Constitucional 117/2022, promulgada em 5/4/2022, anistiou os partidos políticos que "[...] não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação das mulheres [...]". Assim, o valor irregular não aplicado em 2016 na ação afirmativa em apreço não ensejará qualquer condenação no julgamento das presentes contas, devendo ser utilizado pela legenda nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado deste decisum. Nesse sentido, recentíssimo julgado desta Corte na PC 0601765–55/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, sessão de 7/4/2022.CONCLUSÃO. FALHAS QUE PERFAZEM 6% DO TOTAL DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. NATUREZA GRAVE. DESAPROVAÇÃO.32. No caso, de R$ 4.577.342,85 oriundos do Fundo Partidário, a grei deixou de comprovar de modo satisfatório a destinação de R$ 274.718,85, já decotado o valor objeto da anistia da EC 117/2022, o que equivale a 6% do total de recursos, que devem ser recolhidos ao erário.33. Nos termos do entendimento deste Tribunal, "[o] percentual das falhas não é o único critério para a aferição da regularidade das contas, somando–se a ele a transparência, a lisura e o comprometimento do Partido em cumprir a obrigação constitucional de prestar contas de maneira efetiva, de modo que a gravidade da irregularidade serve como unidade de medida para balizar a conclusão do ajuste contábil" (PC–PP 0601752–56/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 3/8/2021).34. Na espécie, três falhas são especialmente graves: (a) gasto de R$ 67.943,04 do Fundo Partidário para adquirir mais de 16 mil litros de combustível de empresa cujo sócio–administrador é Presidente da grei, sem prova do vínculo com a atividade partidária (item 2.10); (b) dispêndio de R$ 24.834,69 com tíquetes–combustível em benefício de funcionários sem previsão legal, sem prova do liame com a legenda e, ainda, tendo esses empregados também recebido vale–transporte (item 2.5); (c) falta de recolhimento de R$ 24.044,96 de INSS e de FGTS sobre valores pagos a funcionários (item 3.2).35. Ademais, registre–se, por simetria, que na PC 0601767–25/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 22/9/2021, esta Corte Superior desaprovou contas envolvendo percentual e montante similares (6,78% e R$ 219.462,37).36. Quanto à pena prevista no art. 37 da Lei 9.096/95 (com redação dada pela Lei 13.165/2015), considerando a gravidade em especial de três das falhas e, ainda, o valor a ser restituído e a média mensal recebida do Fundo Partidário em 2016 (R$ 381.445,23), deve–se fixar multa de 7%.37. Contas do Diretório Nacional da Democracia Cristã (DC), relativas ao exercício de 2016, desaprovadas, determinando–se: (a) recolhimento ao erário de R$ R$ 274.718,85, acrescido de multa de 7% sobre tal valor, mediante desconto nos futuros repasses do Fundo Partidário (arts. 37, § 3º, da Lei 9.096/95 e 49, § 3º, da Res.–TSE 23.464/2015); (b) aplicação de R$ 46.977,70 nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado deste decisum, nos termos da EC 117/2022.38. Proposta de envio de cópia do acórdão à unidade técnica para cientificação acerca do tópico 1 da fundamentação.