Jurisprudência TSE 060182443 de 29 de abril de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
07/04/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, desaprovou as contas do Diretório Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), relativas ao exercício financeiro de 2016, impondo¿lhe determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos, Carlos Horbach (art. 7º, §2º, da Res.¿TSE nº 23.598/2019), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin (Presidente).Composição: Ministros Edson Fachin (Presidente), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PSOL – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 1.941.013,98, EQUIVALENTE A 12,6% DO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. REPASSES PARA DIRETÓRIOS ESTADUAIS COM SANÇÃO DE SUSPENSÃO AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. CONTAS DESAPROVADAS.1. Requerimento do prestador de contas de prorrogação de prazo para juntada de documentos1.1. Nos termos do art. 40 da Res.–TSE nº 23.604/2019, c/c o art. 435 do CPC, a juntada de documento após o parecer conclusivo da unidade técnica desta Corte Superior somente é possível nos casos de documentos novos ou, sendo preexistente, naqueles casos em que o prestador de contas não teve a oportunidade de se manifestar sobre eles.1.2. No caso, o partido não demonstrou a ocorrência de nenhuma dessas hipóteses para justificar o requerimento de juntada de novos documentos e abertura de prazo para novas manifestações. Aliás, o argumento do requerente de que a pandemia impôs dificuldades para o cumprimento de diligências já foi utilizado anteriormente pela agremiação em duas outras oportunidades.1.3. O processo de prestação de contas tem natureza jurisdicional, motivo pelo qual o partido deve respeitar os prazos estipulados, não sendo possível, conforme pretendido, a juntada de documentos a qualquer tempo, tendo em vista que essa conduta vai de encontro aos princípios processuais mais caros, como a estabilização processual, celeridade e duração razoável do processo.1.4. Pedido de juntada de novos documentos e de abertura de prazo para novas manifestações indeferido.2. Recursos de origem não identificada recebidos nas contas específicas do Fundo Partidário2.1. A partir do cotejo da documentação apresentada com o extrato bancário da agremiação partidária foi possível identificar que o referido crédito se refere à sobra de campanha do candidato a prefeito de Natal/RN pelo partido. Irregularidade afastada.3. Despesas sem a comprovação da efetiva execução dos serviços e da vinculação com a atividade partidária3.1. A regularidade dos gastos, além de sua comprovação, pressupõe também a vinculação das despesas com a atividade partidária e a comprovação da efetiva execução dos serviços. Precedente.3.2. Após a análise dos documentos apresentados verificou–se que estes, apesar de serem suficientes para comprovar as despesas, não são capazes de atestar a efetiva execução dos serviços nem demonstram o vínculo com a atividade partidária. Irregularidade mantida.4. Repasses para diretórios estaduais com sanção de suspensão4.1. O diretório nacional efetuou repasses para diretórios que se encontravam impedidos de receber cotas do Fundo Partidário em razão das contas partidárias terem sido desaprovadas ou julgadas como não prestadas.4.2. Com relação às prestações de contas partidárias dos diretórios regionais do Amazonas e de Pernambuco, relativas ao exercício financeiro de 2012, do diretório regional do Espírito Santo, relativa ao exercício financeiro de 2014, e a do diretório regional do Rio de Janeiro, relativa ao exercício financeiro de 2011, todas elas estão reguladas pela Res.–TSE nº 21.841/2004, a qual previa, em seu art. 28, o suspense do repasse das cotas do Fundo Partidário logo após a publicação do acórdão regional, providência que não foi tomada pela grei partidária.4.3. Quanto às prestações de contas dos diretórios regionais do Acre e do Maranhão e do Espírito Santo, referentes às eleições de 2014, incide o art. 54, § 3º, c/c art. 58, II, ambos da Res.–TSE nº 23.406/2014, a qual regulamentou as referidas prestações de contas e determinava, nos casos de desaprovação ou julgamento das contas como não prestadas, a perda do direito de receber as cotas do Fundo Partidário do ano seguinte ao trânsito em julgado da decisão.4.4. Quanto aos repasses ocorridos durante o segundo semestre de 2016, ano eleitoral, o partido alega que a interrupção dos repasses estaria suspensa por força do disposto no art. 37, § 9º, da Lei nº 9.096/1995.4.5. O mencionado § 9º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos foi incluído pela Lei nº 13.165/2015. De acordo com a jurisprudência desta Corte, "as mudanças introduzidas pela Lei 13.165/2015 ao art. 37 da Lei 9.096/95 [...] são regras de direito material e não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Precedentes" (REspe nº 93–97/, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3.10.2017, DJe de 2.8.2018).4.6. Não há falar na incidência, ao caso, do § 9º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, sob pena de afronta não apenas ao princípio do tempus regit actum, como também à isonomia e à segurança jurídica das contas partidárias relativas aos exercícios financeiros de 2011, 2012 e 2014 e às eleições de 2014, apreciadas segundo as normas vigentes à época. Precedente.4.7. Irregularidade mantida.5. Despesas com pessoal5.1. O partido não fez prova de que os funcionários exerciam tarefas relacionadas à direção política, sem dia ou horário fixo e sem subordinação, recebendo o subsídio para atuar nas atividades políticas de direção.5.2. A propósito, em consulta ao Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP), da Justiça Eleitoral, os funcionários não constam como dirigentes partidários nacionais no ano de 2016, como alegou a agremiação.5.3. Ademais, ressalta–se a incompatibilidade das cargas horárias dos mencionados funcionários com os cargos públicos que exercem. Esta Corte Superior já concluiu pela irregularidade do pagamento de funcionários de partido que acumulavam suas atribuições com cargos públicos, haja vista a incompatibilidade de horários entre as funções. Precedente.5.4. Irregularidade mantida.6. Despesas com propaganda partidária6.1. A unidade técnica informou que a grei partidária contratou empresa para produzir conteúdo para propaganda partidária sem, no entanto, apresentar documentos, tais como contratos, cópias de conteúdos produzidos, mídias ou claquetes que atestassem a regularidade da prestação dos serviços e comprovassem sua relação com a manutenção das atividades partidárias.6.2. Além das notas fiscais com a descrição do serviço prestado, foi apresentada a ficha técnica dos vídeos realizados, além da prova material da execução dos serviços, que, no presente caso, são os próprios vídeos, os quais permitem aferir a regularidade da prestação dos serviços, bem como comprovam a sua relação com as atividades partidárias. Irregularidade afastada.7. Despesas com serviços de táxi7.1. Os esclarecimentos genéricos apresentados pelo partido são insuficientes, não sendo possível aferir a regularidade da aplicação dos recursos, haja vista a ausência de vinculação das despesas descritas com a atividade exercida pela grei, o que macula a transparência das contas, ante a ofensa ao disposto no art. 44 da Lei nº 9.096/1995. Irregularidade mantida.8. Despesas com passagens e hospedagens8.1. Do montante de R$ 325.472,24 considerados irregulares pela Asepa, apenas a quantia de R$ 237.998,82 permanece irregular, tendo em vista que o partido não apresentou provas da relação dos passageiros com o partido e da vinculação das viagens com a atividade partidária. Precedente.9. Despesas com eventos9.1. Os documentos apresentados pela agremiação com a resposta ao primeiro exame das contas são suficientes para comprovar a vinculação da referida despesa com as atividades partidárias. Irregularidade afastada.10. Despesas com o pagamento de IPTU10.1. No caso, o partido apresentou os contratos de locação dos imóveis, os quais possuem cláusulas de que o pagamento do IPTU ficará a cargo do locatário.10.2. Esta Corte Superior entende ser regular o pagamento de IPTU de imóvel locado pela grei partidária, por ser verba acessória, vinculada à locação de imóveis e devida pelo locatário segundo cláusula contratual, não incidindo, portanto, a isenção prescrita na alínea c do inciso VI do art. 150 da CF. Precedente.10.3. Irregularidade afastada.11. Insuficiência no incentivo à participação da mulher na política11.1. O órgão técnico não constatou movimentação financeira na conta específica para a ação afirmativa, tendo o partido informado a aplicação de R$ 291.151,92 no programa de fomento à participação feminina na política. Desse modo, a análise dos apontamentos no presente tópico será realizada a partir dos elementos constantes do parecer do órgão técnico.11.2. Despesas com viagens e hospedagens.11.2.1. Assiste razão ao partido quando afirma que os esclarecimentos prestados pelo órgão técnico não foram suficientes para permitir o correto exercício do contraditório e da ampla defesa pela agremiação.11.2.2. A ausência de especificidade nos apontamentos do órgão técnico dificultou sobremaneira a defesa do partido e impediu o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa pelo partido.11.3. Despesas com seminário – mulheres.11.3.1. Foi emitida nota fiscal no exercício financeiro sob análise cujo pagamento foi lançado nas obrigações a pagar do demonstrativo de despesas do partido.11.3.2. O órgão técnico fundamentou a glosa exclusivamente sob o argumento de que não houve o desembolso financeiro da despesa no presente exercício financeiro e que não se admite considerar no cômputo do percentual mínimo previsto no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995 o mero provisionamento contábil.11.3.3. "[...] a correta aplicação dos recursos do Fundo Partidário deve ser verificada no exercício financeiro em que se repassaram as verbas" (PC nº 319–71/DF, rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 31.5.2019).11.3.4. Nesse contexto, a irregularidade deve ser afastada, haja vista que fundamentada exclusivamente no período em que ocorreu o desembolso financeiro, e não sobre a efetiva realização do evento e seu vínculo com a ação afirmativa, sendo esses os critérios para aferir o cumprimento da ação afirmativa.11.3.5. Quanto ao aspecto do efetivo pagamento, caberá ao órgão técnico verificar a regularidade no respectivo exercício em que realizada.11.4. Provisionamento de verbas a serem aplicadas nos programas de incentivo da participação da mulher na política.11.4.1. O partido informou que o saldo remanescente dos valores disponíveis para aplicação em programas de incentivo à participação da mulher na política não utilizados no ano de 2016 (R$ 350.000,00) foram depositados em conta bancária. Contudo, a ausência de movimentação financeira na conta específica da ação afirmativa impede chancelar a afirmação do partido.11.4.2. Ainda assim, "o mero provisionamento de recursos em conta bancária não é suficiente para a comprovação dos gastos com a promoção da participação feminina na política, nos termos do art. 18, § 3º, da Res.–TSE 23.432." (PC nº 192–65/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 15.4.2021, DJe de 29.4.2021).11.4.3. No caso, é inviável considerar o valor de R$ 350.000,00 como destinado à ação afirmativa, não apenas em razão do art. 18, § 3º, da 23.464/2015, mas também porque não houve movimentação na conta bancária específica do referido programa de incentivo.11.5. Em conclusão, o partido comprovou a aplicação do montante de R$ 279.757,92, tendo deixado de aplicar no programa de promoção e difusão da participação política das mulheres a quantia de R$ 490.735,29.12. Das irregularidades com serviços advocatícios apontadas pelo MPE12.1. O MPE apontou irregularidades com a prestação de serviços advocatícios prestados por três escritórios diferentes.12.2. Somente subsistem as irregularidades com relação aos escritórios que atuaram na defesa de filiadas da agremiação partidária em ação de improbidade administrativa.12.3. Este Tribunal já assentou que o gasto realizado com serviços advocatícios em favor de integrantes do partido, em processo referente à prática de improbidade administrativa, não denota vínculo com a atividade partidária, na medida em que configura defesa pessoal. Precedentes.13. Conclusão: contas desaprovadas13.1. O total de irregularidades encontrado nas contas do PSOL relativas ao exercício financeiro de 2016 é de R$ 1.872.678,98, o que representa 12,15% do total que o partido recebeu do referido fundo público em 2016 (R$ 15.409.864.12).13.2. "[...] Inexiste fórmula fixa predeterminada que estabeleça a utilização de critério meramente percentual no julgamento das contas, de modo que tanto a aprovação quanto a rejeição delas dependem, necessariamente, da análise dos elementos do caso concreto, providência que compete, exclusivamente, ao julgador, que verificará se o conjunto das irregularidades implicou, na hipótese, malferimento – ou não – à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso dos recursos públicos" (ED–PC nº 154–53/DF, de minha relatoria, julgados em 10.6.2021, DJe de 25.6.2021).13.3. No caso, além do alto valor absoluto das irregularidades (R$ 1.872.678,98) e do percentual das falhas (12,15%), houve o descumprimento do incentivo mínimo à participação política da mulher e o repasse de valores a diretórios estaduais penalizados com suspensão, as quais são consideradas falhas de natureza grave.14. Determinações Ressarcimento ao erário do valor de R$ 1.381.943,69, a ser pago com recursos próprios, acrescidos de multa de 12%, a ser descontada dos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, e a transferência de R$ 490.735,29 para conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo o saldo remanescente ser aplicado na ação afirmativa dentro do exercício financeiro subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de acréscimo de 12,5% do Fundo Partidário de 2016.