Jurisprudência TSE 060182443 de 07 de novembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Raul Araujo Filho
Data de Julgamento
13/10/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, acolheu, em parte, os embargos de declaração tão somente para prestar esclarecimentos e aplicar os ajustes decorrentes da EC nº 117/2022, e determinou a imediata transferência de R$ 490.735,29 para a conta específica da ação afirmativa, vedada sua aplicação para finalidade diversa, mantidas as demais determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente). Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. ACOLHIMENTO, EM PARTE, PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS, SUPRIR OMISSÃO E PROMOVER OS AJUSTES DECORRENTES DA EC Nº 117/2022.1. Requerimento do prestador de contas de prorrogação de prazo para juntada de documentos.1.1. O partido alega que tinha a pretensão de que fosse considerada a excepcionalidade do estado de calamidade decretado em razão da pandemia de Covid–19, que dificultou fossem cumpridas as diligências requeridas por esta Corte, o que não teria sido observado no acórdão.1.2. O acórdão embargado expressamente demonstrou que o contexto pandêmico constituiu fundamento para a reabertura da marcha processual, tendo sido devolvido prazos à parte com o fim de lhe possibilitar a juntada de documentos.1.3. Os embargos de declaração constituem modalidade recursal de integração e objetivam esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material, não sendo meio adequado para veicular inconformismo do embargante com a decisão embargada, que lhe foi desfavorável, com notória pretensão de novo julgamento do feito.2. Irregularidade referente às despesas sem a comprovação da efetiva execução dos serviços e da vinculação com a atividade partidária.2.1. O embargante alega que o Plenário do TSE deixou de considerar que algumas despesas têm presunção de realização e vinculação com as atividades partidárias, bem como que embora tenha requerido a oitiva dos prestadores, o pleito não foi autorizado.2.2. O aresto embargado deixou expresso que a Res.–TSE nº 23.464/2015 estabelece que a comprovação das despesas se dará, via de regra, por meio de provas documentais, facultando–se ao julgador a admissão de outros meios idôneos para aferir a regularidade dos gastos e que, na hipótese, a oitiva de prestadores, como requereu o partido, mostrou–se medida protelatória em plena marcha do feito, uma vez que a controvérsia poderia ser deduzida a partir de documentos relacionados aos gastos, razão pela qual não houve cerceamento de defesa e nem violação ao contraditório.2.3. Constou do acórdão embargado que, "[...] por se tratar de recursos públicos, não é admissível que o julgador decida pela regularidade do dispêndio apenas por presunção, pois cabe ao responsável pela despesa a prova de que os recursos pagos se destinaram efetivamente ao objeto vinculado ao interesse público, por determinação legal" (ED–PC nº 0601859–03/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 17.2.2022, DJe de 20.4.2022).2.4. O acórdão embargado encontra–se fundamentado em vasta jurisprudência, a denotar respeito à isonomia e à segurança jurídica, bem como a conclusão do acórdão se norteou pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, razão pela qual não há nenhum vício a sanar.3. Das irregularidades com serviços advocatícios.3.1. O partido alega a existência de omissão quanto ao fato de que a contratação de escritórios de advocacia está englobada na despesa autorizada pelo art. 44, I, da Lei nº 9.096/1995, que permite o pagamento de gastos com pessoal "a qualquer título".3.2. Como visto no aresto embargado, esta Corte Superior em diversas oportunidades já se manifestou no sentido de que "[...] o gasto realizado com serviços advocatícios em favor de integrantes do partido, em processo referente à prática de improbidade administrativa, não denota vínculo com a atividade partidária, na medida em que configura defesa pessoal" (PC nº 139–84/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8.4.2021, DJe de 27.4.2021).3.3. Inexiste no acórdão embargado o alegado vício, sendo clara a intenção de rediscutir questões já apreciadas no acórdão, providência inviável nesta via recursal, consoante a legislação regente e a consolidada jurisprudência desta Corte Superior.4. Repasses para diretórios estaduais com sanção de suspensão.4.1. O embargante alega que esta Corte Superior se omitiu quanto ao fato de que as despesas os repasses do Fundo Partidário aos diretórios estaduais com sanção de suspensão se referem ao órgão nacional e não aos regionais e que as transações foram realizadas conforme o regramento regente.4.2. O acórdão embargado apontou suficientemente as razões que nortearam a conclusão acerca da irregularidade, amparando–se na legislação regente e na jurisprudência desta Corte Superior sobre a temática, para afirmar que, em respeito aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica, as sanções aplicáveis às prestações de contas relativas aos exercícios financeiros anteriores a 2015 devem seguir a legislação vigente no momento em que apresentadas, sendo certo que "[...] a sanção de suspensão de repasses do Fundo Partidário imposta aos diretórios regionais deve ser cumprida pelo diretório nacional, a partir da publicação da decisão, e não da data em que comunicada pelos tribunais regionais. Precedentes" (PC–PP nº 0601648–64/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 17.2.2022, DJe de 22.3.2022).4.3. A obrigação de os diretórios regionais devolverem ao Tesouro os valores indevidamente recebidos não afasta a penalidade imposta ao diretório nacional que, em descumprimento à decisão judicial, realizou esse repasse irregular.5. Despesas com pessoal.5.1. O partido argumenta que deixou de ser considerada a existência dos tipos diferenciados de "dirigentes partidários" e diversos tipos de colaboradores, bem como alega omissão quanto à compatibilidade de jornadas dos dirigentes Nilton Nalim e Gabriel Vicente França.5.2. Ficou demonstrado no acórdão embargado que o partido não comprovou nem a condição de dirigentes partidários nem a compatibilidade dos horários, o que deu ensejo à manutenção da irregularidade apontada pelo órgão técnico, incumbência da qual não se descumbiu. Nítida a pretensão de rediscutir matéria fundamentadamente analisada.6. Determinação de devolução de valores ao erário com recursos próprios.6.1. O embargante alega aduz que a penalidade de devolução dos valores com recursos próprios está em desacordo com o disposto no art. 37, § 3º, da Lei nº 9.096/1995, alterado pela Lei nº 13.877/2019 e com o entendimento do TSE acerca da possibilidade de cumprir determinações de ressarcimento ao erário mediante recursos do Fundo Partidário.6.2. No caso, o acórdão atacado expressamente assentou que "o ressarcimento ao Tesouro Nacional do montante tido por irregular não constitui sanção, mas mera recomposição de valores irregularmente aplicados ou não comprovados, razão pela qual a devolução desses valores deve ser feita com recursos próprios do partido", razão pela qual inexiste o alegado vício.6.3. Da análise do leading case no qual esta Corte Superior entendeu ser possível a penhora de recursos do Fundo Partidário para assegurar o cumprimento da obrigação de recolhimento decorrente da utilização irregular de verba pública (REspEl nº 0602726–21/BA), evidencia–se que somente na hipótese em que se constate que a agremiação não possui recursos de natureza privada é que será possível apreciar eventual requerimento – a ser apresentado na fase de execução – no sentido do uso de recursos do fundo público para cumprir a determinação de restituir ao erário os valores tidos por irregulares.6.4. Questões relativas ao cumprimento de decisão definitiva proferida em processo de prestação de contas submetidas à análise da Justiça Eleitoral devem ser examinadas na fase de execução. Precedentes.6.5. Embora não haja vício no acórdão embargado, cabe esclarecer que o "[...] prestador das contas poderá usar recursos recebidos do Fundo Partidário para o cumprimento voluntário da determinação de ressarcimento de valores ao erário, a ser requerido na fase de cumprimento do julgado" (2ºs ED–AgR–PC nº 0601828–80/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 19.4.2022, DJe de 28.4.2022).7. Da aplicação da EC nº 117/2022.7.1. O embargante, em aditamento aos embargos de declaração, o partido requereu a aplicação da Emenda Constitucional nº 117/2022.7.2. Os dispositivos da EC nº 117/2022 são de aplicabilidade imediata, cabendo ao Juízo Eleitoral considerá–los, de ofício ou a requerimento da parte, haja vista tratar–se de fato superveniente com influência no julgamento do mérito. Precedente.7.3. A EC nº 117/2022 não excluiu a possibilidade de a Justiça Eleitoral, no exercício de sua competência fiscalizadora, aferir a regularidade da destinação mínima de 5% dos recursos do Fundo Partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.7.4. Na hipótese, a agremiação não logrou comprovar, a tempo e modo oportunos, a destinação de recursos do Fundo Partidário à criação e à manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, assegurada pela CF, no total de R$ 490.735,29.7.5. A incidência do dispositivo anistiador ao presente caso, embora impeça a imposição de penalidades decorrentes do descumprimento da destinação mínima de recursos públicos, não afasta a configuração dessa grave irregularidade, a ser considerada em conjunto com as demais falhas apuradas.7.6. No caso, as irregularidades identificadas nas presentes contas – incluindo falha de natureza grave – denotaram inequívoca violação à transparência, à lisura, ao indispensável zelo no uso das verbas públicas e às regras que regem as contas partidárias, circunstâncias que, no conjunto, impõem a manutenção da desaprovação das contas.8. Embargos de declaração acolhidos, em parte, para prestar esclarecimentos, sanar omissão e aplicar, de ofício, os ajustes decorrentes da EC nº 117/2022.