JurisHand AI Logo
|

Jurisprudência TSE 060182264 de 15 de fevereiro de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Raul Araujo Filho

Data de Julgamento

06/02/2024

Decisão

Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, indeferiu os pedidos de retirada do processo da pauta de julgamento, e, no mérito, também por unanimidade, não conheceu do recurso do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) - Estadual e negou provimento aos demais recursos ordinários, julgando prejudicado, por conseguinte, o agravo interno, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, a Ministra Isabel Gallotti e os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes (Presidente). Falaram: i) pela recorrente Camila Monteiro Brandão, o Dr. Bruno Marques Maia; ii) pelo recorrente Rafael Brandão Scaquetti Tavares, o Dr. Israel Nonato da Silva Júnior; e iii) pelo recorrido Paulo Roberto Duarte, o Dr. Tiago Paes de Andrade Banhos,. Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Cármen Lúcia, Nunes Marques, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSOS ORDINÁRIOS. AIJE JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. PRÁTICA DE ABUSO DE PODER E FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. CANDIDATURAS FICTÍCIAS. NULIDADE DOS VOTOS DADOS AO PARTIDO PARA O RESPECTIVO CARGO. RECONTAGEM DOS QUOCIENTES ELEITORAL E PARTIDÁRIO. RETOTALIZAÇÃO DAS RESPECTIVAS VAGAS. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELO PARTIDO POLÍTICO. NEGATIVA DE PROVIMENTO DOS DEMAIS RECURSOS ORDINÁRIOS E PERDA DE OBJETO DO AGRAVO INTERNO.SínteseO Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, rejeitou as preliminares aventadas – de inépcia da petição inicial, falta de interesse de agir e necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário com os demais candidatos a deputado estadual do partido réu – e, quanto ao mérito, julgou parcialmente procedentes os pedidos da petição inicial, para reconhecer o abuso de poder e a fraude na cota de gênero na eleição de 2022 para o cargo de deputado estadual, porquanto o partido réu indicou 2 candidaturas femininas fictícias e fraudulentas. Assentou que a agremiação apresentou seu DRAP contendo 25 candidatos a deputado estadual, sendo 17 homens e 8 mulheres. No entanto, foi constatado que a legenda participou das eleições com 16 candidaturas masculinas, tendo em vista que 1 candidato do sexo masculino também teve seu registro indeferido, e apenas 6 candidaturas femininas, descumprindo o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997. Da análise das alegações de nulidades processuais objeto dos recursos ordinários 1. A petição inicial não é inepta quando as hipóteses descritas no art. 330, § 1º, do CPC não ficaram evidenciadas, mormente porque traz a causa de pedir próxima (fundamento jurídico) e remota (fatos), contendo pedido certo e determinado. 2. É inviável o conhecimento da alegação de nulidade do julgamento – ao argumento de ser nulo o voto proferido por juiz do TRE, da classe dos advogados, que exerceria função incompatível com o exercício da magistratura eleitoral – tendo em conta que a matéria não foi suscitada no momento oportuno, isto é, quando opostos os embargos de declaração na Corte regional, tratando–se de inovação de tese recursal, sobre a qual não se instauraram o contraditório e a ampla defesa.2.1. O TSE já assentou que, "se não debatida a tese na instância de origem, reconhecê–la, mesmo em recurso ordinário, implicaria supressão de instância" (AgR–RO nº 5203–10/PB, rel. Min. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17.3.2015, DJe de 27.3.2015). O TSE já decidiu que, "na linha do art. 278 do CPC/2015, - a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão', ao passo que - não se admite transpor instâncias [...] para somente então arguir a nulidade, em verdadeiro armazenamento tático' [...]" (RO–El nº 0600440–52/PB, rel. Min. Benedito Gonçalves, PSESS de 17.12.2022).3. A inexistência de citação do presidente do partido na qualidade de litisconsorte passivo necessário não foi suscitada no momento oportuno, tratando–se de inovação de tese recursal.3.1. Ainda assim, este Tribunal Superior rejeitou, por maioria, a fixação de tese no sentido da obrigatoriedade de inclusão dos dirigentes partidários, como litisconsortes passivos necessários, nas ações de investigação judicial eleitoral fundadas em fraude na cota de gênero. Os dirigentes partidários, quando muito, podem figurar na relação jurídica, mas como litisconsortes facultativos. Precedentes.3.2. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, é inexigível a formação de litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos do partido ou aliança a que se atribui a prática de fraude, sendo obrigatória apenas entre os eleitos, os quais sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos. Os suplentes são litisconsortes meramente facultativos. Precedente.4. O julgamento antecipado da lide pressupõe a existência de questão de mérito exclusivamente de direito ou, sendo de direito e de fato, a desnecessidade da produção de outras provas.4.1. A jurisprudência pátria é no sentido de que "[...] não é nula a sentença proferida em julgamento antecipado, sem prolação de despacho saneador, desde que estejam presentes nos autos elementos necessários e suficientes à solução da lide" (STJ: AgInt no REsp nº 1.681.460/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3.12.2018, DJe de 6.12.2018), como se deu no caso.4.2. Este Tribunal Superior tem a compreensão de que, inexistindo necessidade de dilação probatória, é possível o julgamento antecipado. Na espécie, trata–se de fatos provados documentalmente, prescindindo–se da dilação probatória, de modo que o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do CPC não configura ofensa ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, mormente porque não ficou comprovado prejuízo real e efetivo para as partes.5. É pacífico o entendimento desta Corte pela impossibilidade de pessoas jurídicas figurarem no polo passivo da AIJE, tendo em vista que não podem suportar as sanções impostas pela LC nº 64/1990, quais sejam, cassação de mandato e inelegibilidade. Precedentes.5.1. De ofício, deve ser reconhecida a ilegitimidade do partido para figurar no polo passivo da AIJE, devendo ser excluído da lide.6. Sob pena de indevida supressão de instância, é inviável o conhecimento da alegação de nulidade do acórdão por impossibilidade de o advogado constituído realizar sustentação oral, haja vista não ter sido esse tema objeto de embargos de declaração, inexistindo deliberação sobre a matéria.7. Inexiste nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, haja vista que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, "o julgado apenas se apresenta omisso quando, sem analisar as questões colocadas sob apreciação judicial ou mesmo promovendo o necessário debate, deixa, num caso ou no outro, de ministrar a solução reclamada" (EDclAgRgREspe nº 28.453/RN, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgados em 26.11.2009, DJe de 10.3.2010), o que não ocorre na presente hipótese.7.1. As matérias apontadas pela parte recorrente como não apreciadas no acórdão regional – a saber, de que a substituição de candidaturas é uma faculdade e não uma obrigação do partido; de impossibilidade de substituição de candidatos com registros deferidos; de ausência de intimação do partido para substituir as candidatas que tiveram seu registro indeferido; e da jurisprudência do TSE no sentido de que o bem jurídico do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é atingido com a escolha e o pedido de registro dos candidatos – apenas foram alegadas em âmbito de embargos de declaração, configurando inovação recursal.7.2. Não ocorre também omissão porquanto, na jurisprudência pátria, "[...] é vedada a inovação recursal em sede de embargos de declaração, ainda que sobre matéria considerada de ordem pública, haja vista o cabimento restrito dessa espécie recursal às hipóteses em que existente vício no julgado" (STJ: EDcl no REsp nº 1.776.418/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgados em 9.2.2021, DJe de 11.2.2021), de modo que não há falar em nulidade do acórdão recorrido.8. Esta Corte firmou a compreensão de ser possível a apuração de fraude em AIJE, por constituir tipo de abuso de poder, estabelecendo–se que as consequências são a cassação do mandato dos eleitos e do diploma dos suplentes e a declaração de inelegibilidade dos diretamente envolvidos na fraude. Precedentes. 9. Não merece prosperar a alegação da parte recorrente de ausência de intimação para exercer o direito ao contraditório quanto a documentos juntados extemporaneamente relativos às candidaturas fraudulentas – quais sejam, print derivado do sítio eletrônico DivulgaCand, no qual consta a contratação de cabo eleitoral, e formulário com pedido de desincompatibilização de cargo público –, haja vista a existência de anterior manifestação sobre o documento relativo à sua contratação.9.1. Não se reconhece nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo dela decorrente.Da análise do mérito10. A soma dos elementos fixados no acórdão recorrido e constantes dos autos do processo permite concluir que as duas candidaturas femininas registradas pela grei tiveram como fim burlar a regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, a saber: (a) uma candidatura não preenchia todas as condições de elegibilidade – ausente a quitação eleitoral por não prestação de contas da campanha relativa às eleições de 2020; (b) a outra candidatura não comprovou a desincompatibilização tempestiva do cargo que ocupava na Administração Pública; (c) não ocorreram atos de preparação de campanha com relação a nenhuma das candidatas, não havendo informações sobre comitê, contratação de cabo eleitoral, santinhos ou outro material de campanha; (d) duas postagens em rede social datadas de 6 e 18.8.2022, em que se divulgava uma "candidatura" ao cargo de deputado estadual, sem comprovação de atos concretos de campanha; (e) o partido tinha ciência da inexistência de quitação eleitoral, considerada a informação constante entre os documentos apresentados para o registro de candidatura; (f) para embasar o entendimento de que a legenda tinha ciência da inviabilidade da candidatura, verifica–se que a contestação à impugnação ao pedido de registro de candidatura foi feita pela grei e pela candidata, conforme documento de id. 159032932, fl. 27; (g) o partido também tinha conhecimento da não comprovação do afastamento do cargo público municipal por uma das candidaturas apresentada; (h) a agremiação, nos autos do processo de registro de candidatura, em atendimento à intimação, juntou documento nominado " -termo de comunicação de afastamento para campanha eleitoral, datado de 18.08.2022 e assinado apenas pela candidata requerente'", sem protocolo do órgão ao qual estava vinculada; (i) os acórdãos de indeferimento das candidaturas foram publicados nas sessões de 1º.9.2022 e 29.8.2022, com trânsito em julgado, respectivamente, em 4.9.2022 e em 1º.9.2022; (j) não foram interpostos recursos dos acórdãos regionais em que se indeferiram os registros de candidaturas; (k) embora não tenha ocorrido intimação para substituição das candidaturas, o partido – ciente da inviabilidade delas, conforme mencionado alhures – não substituiu as candidaturas femininas indeferidas, ainda que existente tempo hábil para tanto; (l) houve contratação de uma das candidatas femininas como cabo eleitoral do candidato ao Governo do Estado pelo partido ao qual era filiada, em momento anterior ao trânsito em julgado do acórdão de indeferimento do seu registro de candidatura; (m) existência de prestação de contas zerada.10.1. Consoante já decidiu este Tribunal Superior, "[...] ao se julgar o DRAP, não se analisa o mérito de cada um dos registros (para aferir as condições de elegibilidade e a falta de inelegibilidades), mas apenas se verifica a regularidade dos documentos do próprio partido" (AgR–REspe nº 685–65/MT, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 28.5.2020, DJe de 31.8.2020), o que afasta a alegação recursal de que o processamento do DRAP é o momento para a análise do cumprimento da cota de gênero.10.2. O TSE assentou que "a interpretação dos dispositivos atinentes à promoção da igualdade de gênero deve ser feita de modo a conferir máxima efetividade ao princípio da igualdade, o que, na espécie, consiste em levar em conta o número de candidaturas efetivamente requeridas, sem decotar, desse total, a candidatura fictícia" (AREspE nº 0600877–41/ES, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 6.11.2023, DJe de 28.11.2023).10.3. O entendimento desta Corte Superior de que "as agremiações partidárias, como pessoas jurídicas essenciais à realização dos valores democráticos, devem se comprometer ativamente com a concretização dos direitos fundamentais – são dotados de eficácia transversal – mediante o lançamento de candidaturas femininas juridicamente viáveis, minimamente financiadas e com pretensão efetiva de disputa". Nessa linha, salientou, ainda, que, caso venha a ser questionada a candidatura, "[...] o partido deve, se ainda viável a substituição nos autos do DRAP, fazer as adequações necessárias à proporção mínima de candidaturas masculinas e femininas. Não o fazendo a tempo e modo, as candidaturas femininas juridicamente inviáveis, ou com razoável dúvida sobre a sua viabilidade, podem ser consideradas fictas para fins de apuração de alegada fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97" (REspEl nº 0600965–83/MA, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, julgado em 29.8.2023, DJe de 15.9.2023).10.4. A partir desses parâmetros hermenêuticos, também no presente caso, permite–se concluir que o registro das candidaturas se deu tão somente para fraudar o disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, considerando a insistência do partido em manter as candidaturas inviáveis como integrantes de sua cota mínima sem proceder às substituições nos autos do DRAP, embora existente tempo hábil para tanto, visto que os registros foram indeferidos, respectivamente, em 1º e 4.9.2022, e as candidaturas poderiam ser substituídas até 12.9.2022 (20 dias antes do pleito), associada à inação das candidatas em nem sequer recorrer das decisões de indeferimento de seus registros.10.5. Consoante tem reconhecido esta Corte, "admite–se, portanto, que a má–fé na formação da chapa proporcional seja revelada com base em comportamentos posteriores, do partido e das candidatas, que tomados em conjunto evidenciem nunca ter havido interesse real na viabilidade das candidaturas femininas" (RO–El nº 0601884–67/RO, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22.9.2022, DJe de 30.9.2022).11. Com a apreciação dos recursos, fica prejudicado o agravo interno objetivando a reforma da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo.12. Não se conhece do recurso quanto ao PRTB, por força de sua ilegitimidade, e nega–se provimento aos recursos ordinários interpostos pelos demais recorrentes, julgando–se prejudicado, por conseguinte, o agravo interno.


Jurisprudência TSE 060182264 de 15 de fevereiro de 2024