JurisHand AI Logo
|

Jurisprudência TSE 060178257 de 11 de marco de 2021

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Luis Felipe Salomão

Data de Julgamento

09/02/2021

Decisão

O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente, o Ministro Edson Fachin, que acolheu a preliminar de conexão e determinou a reabertura da instrução e a reunião dos processos sobre os mesmos fatos. No mérito, por unanimidade, julgou improcedentes os pedidos, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Sérgio Banhos, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (Presidente). Falaram: pela autora Coligação Brasil Soberano (PDT/AVANTE), Dr. Walber de Moura Agra, pelo representado Jair Messias Bolsonaro, a Dra. Karina de Paula Kufa, pelo representado Antônio Hamilton Martins Mourão, a Dra. Karina Rodrigues Fidelix da Cruz, e pelo representado Luciano Hang, o Dr. Admar Gonzaga Neto.Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos.

Ementa

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. WHATSAPP. DISPARO DE MENSAGENS EM MASSA. NOTÍCIAS FALSAS (FAKE NEWS). MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. ACUSAÇÃO AMPARADA EM CONJECTURAS. AUSÊNCIA DE PROVAS SEGURAS A VINCULAR A CAMPANHA ELEITORAL AOS SUPOSTOS DISPAROS. IMPROCEDÊNCIA.1. Os representados são acusados de (i) contratarem empresas especializadas em marketing digital para procederem ao disparo de mensagens com conteúdo falso via WhatsApp contra os oponentes da chapa de Jair Bolsonaro nas eleições 2018, em especial os candidatos do PT e do PDT; (ii) utilizarem indevidamente perfis falsos para propaganda eleitoral (uso indevido dos meios de comunicação); (iii) comprarem cadastros de usuários irregularmente; (iv) montarem uma estrutura piramidal de comunicação, com emprego de robôs e de números de telefone estrangeiros; (v) realizarem e receberem doação de pessoa jurídica e (vi) praticarem abuso de poder econômico.LITISPENDÊNCIA. REUNIÃO DAS AIJES PARA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO CONJUNTOS EM VIRTUDE DA CONEXÃO. INÉPCIA DA INICIAL. PRELIMINARES AFASTADAS.2. O TSE já assentou não haver litispendência entre ações eleitorais as quais, conquanto calcadas em hipóteses similares, não possuem as mesmas partes, causa de pedir e pedido. (AIJE nº 060175489/DF, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 20.3.2019; e AI em AgR nº 513/PI, Relator Ministro Luiz Fux, DJe de 14.9.2016).3. Há de se cuidar para que o reconhecimento da litispendência com fundamento na relação jurídica–base não alije da discussão qualquer dos legitimados ativos para a propositura da lide.4. Ainda que se ancorem em um mesmo fato essencial e pretendam a cassação da chapa vencedora, com a declaração de sua inelegibilidade, não há falar em litispendência entre as AIJEs nos 0601779–05 e 0601782–57, pois os polos passivos são distintos e não há repetição de ação que já esteja em curso.5. Por outro lado, na forma do art. 55 do CPC, o fenômeno da conexão nasce da identidade de causas de pedir e/ou pedidos e tem como efeito a reunião das ações para julgamento conjunto. A conexão é causa, enquanto a reunião é consequência. Em essência, a ratio subjacente do instituto da conexão é a preservação da harmonia dos julgados, sendo possível falar também em objetivo de promoção da economia processual.6. Não é porque se cogita de conexão que dois ou mais processos necessariamente deverão ser instruídos e julgados em conjunto. Desde que estejam assegurados os já indicados valores da harmonia entre os julgados e da economia processual, a incidência do efeito da reunião de processos consubstancia escolha do magistrado, o qual, observando os requisitos legais, deverá analisar a oportunidade e a conveniência de fazê–lo. Precedentes.7. No caso dos autos, considerados (i) a quantidade de réus que a reunião dos processos envolveria, (ii) os diferentes estágios processuais das quatro AIJEs e (iii) as diligências probatórias e suas implicações ainda pendentes em dois dos autos, a tramitação e a apreciação em bloco gerariam tumulto processual significativo, atrasando sobremaneira o desfecho das ações, sobretudo daquelas que já se encontram maduras para julgamento, como é o caso em exame.8. Em que pese a regra geral do art. 96–B da Lei nº 9.504/97 disponha que serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, o dispositivo comporta interpretação, e, no caso concreto, a celeridade, a organicidade dos julgamentos, o bom andamento da marcha processual e o relevante interesse público envolvido recomendam seja mantida a separação. Precedentes.9. A inobservância da regra do art. 96–B da Lei nº 9.504/97 não leva, por si só, à invalidação das decisões judiciais. O TSE possui precedentes no sentido de que, embora, sempre que possível, ações eleitorais que tratem de fatos idênticos ou similares devam ser reunidas e julgadas em conjunto, tal reunião não é obrigatória. (AI nº 28.353/RJ, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, DJe 31.5.2019; RO nº 2188–47/ES, Relator Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJe 18.5.2018).10. No caso em exame, além de inconveniente para o bom andamento processual, o julgamento separado de maneira alguma gera risco de decisões conflitantes, tendo em vista estarem todas as ações submetidas à relatoria do mesmo Corregedor–Geral e ao julgamento pelo Plenário do TSE, os quais possuem visão global dos fatos submetidos à apreciação e indubitavelmente garantirão a escorreita prestação da jurisdição, assegurando a coerência e a unicidade dos julgamentos. Tramitação e julgamento que se mantêm separados em homenagem à celeridade e à eficiência da prestação jurisdicional.11. Quanto à alegação de inépcia da inicial, a peça vestibular é apta se descreve os fatos e os fundamentos do pedido e possibilita à parte representada o efetivo exercício do direito de defesa e do contraditório.12. Assim, para que se dê início à ação de investigação judicial eleitoral, é suficiente a apresentação ou a relação de evidências, ainda que indiciárias, da ocorrência do ilícito, conforme se extrai da dicção do art. 22, caput, da Lei Complementar nº 64/1990, porquanto a produção de provas pode se fazer no curso da instrução processual.PEDIDOS DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA E DE QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL DOS REPRESENTADOS.  COMPARTILHAMENTO DE PROVAS. PLEITOS NEGADOS.13. É pacífico que o afastamento de qualquer tipo de sigilo requer fundamentos idôneos, pertinência temática, limitação temporal e absoluta imprescindibilidade da medida, além da inexistência de outros meios de obtenção da prova. Precedentes.14. Não se consideram fundamento idôneo para fins de justificar a quebra de sigilos protegidos constitucionalmente matérias jornalísticas publicadas em veículos de comunicação (TSE, AIJE nº 060196965/DF, Relator Ministro Jorge Mussi, DJe 8.5.2020; e STF, Pet–AgR nº 2.805/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ 27.2.2004).15. O conjunto probatório produzido descortinou–se deveras frágil, não tendo a coligação representante trazido aos autos uma única prova da existência das mensagens com conteúdo falso. A autora também não foi capaz de demonstrar, sequer de forma inicial, a existência de relação jurídica entre a campanha de Jair Bolsonaro ou apoiadores desse último e as empresas de publicidade que teriam realizado os disparos em massa.16. Não obstante, as empresas de publicidade em questão oferecem serviços de marketing de toda sorte a todo tipo de clientes e não há nada que evidencie, de forma razoavelmente segura, que os disparos detectados consistiam, efetivamente, em propaganda eleitoral irregular. Inexiste nos autos elemento apto a comprovar, ainda que de forma inicial, ter ocorrido a contratação dos serviços de envio em massa de mensagens e do dado novo fornecido pela WhatsApp INC. resta unicamente a confirmação de que algumas das empresas sob investigação efetivamente procederam ao disparo maciço e automatizado de mensagens, cujo conteúdo se desconhece, no mês de outubro de 2018.17. A par disso, os dados eventualmente obtidos com a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos representados somente permitem aferir o vulto de suas movimentações financeiras e a eventual ocorrência de transações financeiras entre eles durante o período eleitoral. O afastamento dos sigilos permitiria apenas checar a origem, o destino e o valor das hipotéticas transações, em nada auxiliando na descoberta do que teria motivado as transferências, caso fossem encontradas. Continuariam faltando os elementos mais imprescindíveis para a procedência da presente AIJE: o conteúdo das mensagens e a comprovação do efetivo disparo delas, com potencial de gravidade para o resultado do pleito.18. Assim, dada a fragilidade dos argumentos e do conjunto probatório colacionados aos autos, bem como o não preenchimento dos pressupostos para a quebra de sigilos constitucionais, nego os pedidos de reabertura da instrução probatória, quebra dos sigilos bancário e fiscal dos representados e compartilhamento das provas produzidas nas AIJEs.19. O pedido de compartilhamento de provas não deduzido na inicial, tampouco na primeira oportunidade de se manifestar após a revelação de fato novo, é extemporâneo. Pleito aduzido apenas após o encerramento definitivo da instrução probatória, quando a parte já há muito tinha conhecimento da instrução em curso nos feitos conexos. Incidência da preclusão. Arts. 319 e 435 do CPC. Princípios da segurança jurídica e da razoável duração do processo. Solicitação indeferida.MÉRITO. ART. 22, CAPUT E INCISOS, DA LC Nº 64/90. ABUSO DE PODER. REQUISITOS. ART. 373 DO CPC. NÃO APRESENTAÇÃO DE PROVAS SUFICIENTES PARA COMPROVAÇÃO DAS IMPUTAÇÕES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DO ILÍCITO E DE SUA GRAVIDADE.20. No mérito, é sabido que para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.21. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa.22. Contratação de empresas especializadas em marketing digital para disparo de mensagens contra opositores. Uso indevido dos meios de comunicação social. Não comprovação da existência das mensagens, bem como de seu disparo. Ausência de documentos e/ou outros elementos que demonstrem a contratação. A denúncia jornalística não basta para revelar a ocorrência de ilícito eleitoral, sendo necessária a apresentação de elementos concretos que respaldem a acusação.23. Estrutura piramidal de comunicação. Compra irregular de cadastro de usuários. Uso de base de dados de terceiros. Não demonstração. Acusação amparada em meras conjecturas. Inexiste nos autos qualquer elemento que demonstre, mesmo de forma inicial, a existência da complexa estrutura de comunicação descrita na inicial, tampouco a compra de base de dados de terceiros ou que evidencie que pessoas não inscritas para receber notícias da campanha de Jair Bolsonaro tenham sido alvo dos disparos em massa.  24. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas que se referem à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e que protegem a veracidade das informações divulgadas. Precedentes.25. Doação não declarada de pessoa jurídica. Imputação amparada em suposições, cuja ocorrência não se logrou evidenciar. Valores que, acaso realmente doados, dificilmente transitariam sem deixar vestígios. Prestação de contas aprovada.26. A prestação das contas da chapa vencedora, ainda que com ressalvas, foi aprovada pelo TSE, não tendo as unidades técnicas deste tribunal, após a realização das diligências de praxe, encontrado qualquer indício de caixa dois, doação não declarada de pessoas jurídicas ou contratação de impulsionamento de conteúdo pela campanha dos candidatos eleitos.27. Emanando todo o poder do povo, compete à Justiça Eleitoral proteger a vontade popular, e não substituí–la, razão pela qual a cassação de mandatos deve ser sempre precedida de minuciosas apuração e comprovação. Na verdade, sua incidência somente deverá ocorrer quando, dadas a gravidade e a lesividade das condutas, a legitimidade do pleito tenha sido tão afetada que outra solução menos gravosa não teria o condão de restabelecê–la.28. A coligação representante não se desincumbiu do ônus processual imposto pelo art. 373 do CPC de apresentar provas que comprovem suas acusações.29. Na linha da causa de pedir eleita pela parte autora, o exercício do ônus probatório deve guardar relação com as imputações constantes na inicial, sendo que as provas requeridas e indeferidas ao longo da lide não se prestam – de forma útil – ao desvelamento dos fatos narrados e que compõem a causa de pedir. Não há que se falar em cerceamento de defesa.30. Remansosa jurisprudência desta Corte no sentido de que "o indeferimento de provas não enseja o alegado cerceamento de defesa quando o magistrado, motivadamente, entende desnecessária sua produção. Precedentes." (TSE, Agravo de Instrumento nº 74611, Relator Ministro Alexandre de Moraes, DJE, 10/12/2020; TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 142269, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Publicação:  DJE, 20/03/2015, pp. 60/61).31. Imperioso o distinguishing quanto ao assentado no julgamento da AIJE 0601369–44 (FACEBOOK), no qual o Colegiado autorizou a dilação probatória. É que naquela ocasião, entendeu a maioria dos Ministros que havia necessidade específica de produção probatória para a identificação dos autores da conduta, o que, obviamente, possui relação com os fatos da causa que compõem a causa de pedir.32. Inexistente demonstração efetiva da materialidade do ilícito e de sua gravidade, não há que se perquirir acerca de eventuais reflexos eleitorais. Não sendo possível constatar a prática de conduta grave o suficiente para turbar a legitimidade, a normalidade e a paridade de armas das eleições, fica afastada a ocorrência do abuso de poder econômico – o que, por sua vez, conduz à rejeição dos pedidos de cassação do mandato e declaração de inelegibilidade.PEDIDO DE ANULAÇÃO DA VOTAÇÃO COM SUPEDÂNEO NOS ARTS. 222 E 237 DO CÓDIGO ELEITORAL.33. Inoportuna a análise do pedido alternativo, porquanto a anulação da votação seria consequência automática da procedência da ação por abuso de poder.34. Na espécie, não haveria como determinar o espectro de eleitores que foram, de fato, atingidos pela suposta propaganda eleitoral negativa. A cassação de um mandato requer a demonstração evidente do ilícito e de sua repercussão e/ou alcance, pois meras ilações não autorizam a mencionada sanção. Nesse sentido, o acervo probatório não permite aferir quantitativamente a influência das mensagens enviadas por WhatsApp sobre a vontade do eleitor.PEDIDOS DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ–FÉ E DE INVESTIGAÇÃO POR INCURSÃO NO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 25 DA LC Nº 64/1990.35. O ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral com base apenas em elementos indiciários ou prova pouco robusta não basta, por si só, para condenação por litigância de má–fé e/ou configuração do crime previsto no art. 25 da LC nº 64/1990, tendo em vista a necessária comprovação da intenção de alterar a verdade dos fatos, da deslealdade e do abuso de direito.CONCLUSÃO36. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as preliminares, julga–se improcedente.


Jurisprudência TSE 060178257 de 11 de marco de 2021