Jurisprudência TSE 060177559 de 09 de setembro de 2022
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Mauro Campbell Marques
Data de Julgamento
23/08/2022
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, acolheu em parte a preliminar de juntada extemporânea de documentos, determinando o desentranhamento de documentos dos autos e rejeitou a preliminar de validade da atuação extrajudicial do Ministério Público Eleitoral. No mérito, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso ordinário eleitoral para determinar a cassação do diploma do recorrido, Neri Geller, bem como a declaração de sua inelegibilidade pelo período de 8 anos subsequentes ao pleito de 2018, nos termos do voto do relator. Determinou-se, ainda, o cumprimento imediato do acórdão, independentemente de sua publicação.Composição: Ministros Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach. Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Paulo Gustavo Gonet Branco.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. AIJE. DEPUTADO FEDERAL. PRELIMINARES. 1. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS APÓS A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. FATOS NOVOS. ART. 435 DO CPC. PARCIAL ACOLHIMENTO. 2. INVALIDADE DA ATUAÇÃO EXTRAJUDICIAL DO MPE. JUNTADA DE DEPOIMENTOS COLHIDOS ADMINISTRATIVAMENTE. DEFLAGRAÇÃO DA FASE JUDICIAL. DESACERTO. PRESIDÊNCIA DA AUTORIDADE JUDICIAL. NECESSIDADE DE ARROLAMENTO DE TESTEMUNHAS OU INDICAÇÃO DE INFORMANTES DO JUÍZO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. SUBVERSÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL. INADMISSIBILIDADE. PRELIMINAR REJEITADA.MÉRITO.ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO (ART. 22 DA LC Nº 64/1990), C/C CAPTAÇÃO E UTILIZAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS FINANCEIROS EM CAMPANHA (ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997). (1) PRETENSA EXTRAPOLAÇÃO DO TETO DE GASTOS. NÃO OCORRÊNCIA. ANÁLISE CONJUNTA ENTRE OS LIMITES DE DOAÇÃO DE PESSOA FÍSICA E DE CANDIDATO (CNPJ). DESACERTO. LIMITES AUTÔNOMOS. CONSULTA-TSE Nº 44-54/DF. FALIBILIDADE DA NORMA ELEITORAL. RECEITA BRUTA. CRITÉRIO ENGLOBADO NO CONCEITO DE RENDIMENTO BRUTO PARA FINS DE DOAÇÕES ELEITORAIS OPERADAS POR PRODUTOR RURAL. (2) MERCANTILIZAÇÃO DE CANDIDATURAS. COOPTAÇÃO DE APOIO POLÍTICO. CANDIDATOS DONATÁRIOS ORIUNDOS DE CORRENTES IDEOLÓGICAS E/OU REDUTOS POLÍTICOS DISTINTOS. ESFERA ELEITORAL DISTINTA (FEDERAL E ESTADUAL). ARTICULAÇÃO POLÍTICA. NÃO COMPROVAÇÃO. PRÁTICA ABUSIVA NÃO CONFIRMADA. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ DO CADERNO PROBATÓRIO. (3) TRIANGULAÇÃO FINANCEIRA. FONTE VEDADA. INGRESSO DISSIMULADO DE RECURSOS FINANCEIROS ORIUNDOS DE PESSOAS JURÍDICAS A PARTIR DA ATUAÇÃO DE PESSOA FÍSICA INTERPOSTA (LARANJA). AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA LIDE. NÃO OCORRÊNCIA. MASCARAMENTO DA ORIGEM DOS RECURSOS FINANCEIROS. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. LISURA COMPROMETIDA. ARTICULAÇÃO ENTRE PAI E FILHO. PRETENSO EMPRÉSTIMO FAMILIAR. NÃO VERIFICAÇÃO. SUCESSIVOS CRÉDITOS E DÉBITOS COM VALORES E/OU DATAS PRÓXIMOS. REPROVABILIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. GRAVIDADE DA CONDUTA. ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. ROBUSTEZ. (4) ART. 22, XVI, DA LC Nº 64/1990, C/C O ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CASSAÇÃO DE DIPLOMA E DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE DO INVESTIGADO PARA AS ELEIÇÕES QUE FOREM REALIZADAS NOS 8 ANOS SUBSEQUENTES AO PLEITO EM QUE VERIFICADAS AS CONDUTAS ABUSIVAS. DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTOS. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.Preliminares1. Da preliminar de juntada extemporânea de documentos1.1. O MPE argui a nulidade da juntada de documentos - e o consequente desentranhamento destes -, ocorrida ulteriormente à apresentação de alegações finais.1.2. Parte dos documentos indicados pelo recorrente já estava colacionada à época da instrução processual, de modo que, inexistindo prejuízo, não há falar em nulidade (pas de nullité sans grief).1.3. Outra parte, no entanto, não versa sobre fatos novos (art. 435 do CPC) e deveria ter sido juntada em fase processual oportuna, uma vez que era de conhecimento do recorrido desde o ajuizamento da AIJE (documentação apresentada em processo de registro de candidatura). Destarte, à míngua de argumentação que justifique seu ingresso tardio no feito, é forçoso seu desentranhamento dos autos.2. Da preliminar de invalidade da atuação extrajudicial do MPE2.1. O órgão ministerial sustenta o desacerto operado pelo Tribunal local ao decretar, de ofício, a nulidade da juntada de dois depoimentos unilaterais de pessoas que não foram arroladas como testemunhas e que ocorreram paralelamente à instrução processual.2.2. A possibilidade de aproveitamento de elementos colhidos em procedimentos ministeriais (tipicamente realizados em fase préprocessual) não se confunde com a produção probatória realizada em processo judicial, somente perfectibilizada sob o manto do contraditório e da ampla defesa.2.3. No caso, a judicialidade - característica intrínseca à prova testemunhal -, inexistiu.2.4. O reconhecimento da nulidade do ingresso dos referidos depoimentos - uma vez colhidos administrativamente, mediante articulação exclusiva entre órgãos do MP e ao arrepio de atuação judicial já deflagrada pelo ajuizamento da demanda -, é medida que se impõe.Mérito3. Das alegadas doações eleitorais ilícitas por extrapolação de teto de gastos e da mercantilização de apoio político3.1. Imputa-se ao investigado a pretensa prática abusiva consubstanciada na realização de doações como pessoa física e por meio do CNPJ de sua campanha que, quando analisadas conjuntamente, extrapolariam o teto de gastos -, burlando o espírito republicano da norma eleitoral e desvirtuando a sistemática de financiamento de campanha.3.2. Todavia, quanto ao ponto, não há falar em abuso de poder, uma vez que, para fins de cumprimento do teto de gastos de campanha, não se admite a soma dos valores doados na condição de candidato com aqueles doados como pessoa física, os quais devem observar o limite de 10% do rendimento bruto. Precedente: Consulta-TSE nº 44-54/DF.3.3. Nos termos da jurisprudência do TSE, há abuso do poder econômico derivado da cooptação de capital político na hipótese em que houver condutas de (1) altíssima reprovabilidade cuja violação aos princípios regentes sejam flagrantes, (2) com contornos bem definidos e (3) acervo probatório robusto - o que não ocorre nos autos. Precedentes.3.4. O recorrente articula a configuração de cooptação de apoio político como sendo consequência necessária às doações realizadas, visto que destinadas a candidatos donatários (1) pertencentes a partidos e coligações adversários aos do candidato doador, ora investigado, bem como pelo fato de (2) tais candidatos concorrerem em esferas eleitorais distintas (federal e estadual).3.5 Com relação à pretensa mercantilização de candidaturas (cooptação de capital político surgida graças ao poderio econômico do investigado, que objetivou promover uma espécie de "dobradinha" informal com outros candidatos), também não há, na espécie, falar em abuso, à míngua de suporte probatório nesse sentido.4. Da alegada triangulação financeira4.1. Não há falar em ampliação objetiva da lide na hipótese em que o investigante, munido com as informações públicas que detinha à época da propositura da AIJE e levantando suspeitas acerca das movimentações financeiras operadas pelo investigado, formula, desde a exordial, pedido de afastamento de seus sigilos bancário e fiscal, tencionando se aprofundar na trama financeira e verificando, a partir daí, a ocorrência de triangulação monetária.4.2. O MPE narra que houve verdadeiro estratagema engendrado pelo investigado, consubstanciado no mascaramento da utilização de recursos de pessoas jurídicas por meio da atuação de pessoa física interposta (laranja) - no caso, filho do investigado.4.3. Alega-se que o investigado, ao receber recursos financeiros de pessoas jurídicas, repassava tais montantes à conta bancária de seu filho, o qual, ato contínuo, restituía tais numerários à conta de seu genitor, conferindo ares de licitude às movimentações bancárias e perfectibilizando-se, assim, a triangulação financeira.4.4. Apesar de o investigado ter informado que emprestou somente R$ 932.000,00 a seu filho em 2017, o afastamento do sigilo bancário deste último demonstrou que transitaram, no período de 3.9.2018 a 21.11.2018 - lapso no qual se informou ao fisco ausência de recebimento de receitas -, recursos no montante de R$ 7.227.194,90, dos quais R$ 2.891.000,00 são oriundos da conta do genitor.4.5. Em reforço à ocorrência de triangulação financeira, juntou-se contrato cujo valor é R$ 1.050.000,00. Todavia, as notas fiscais juntadas pelos investigados apresentam uma série de inconsistências, a saber: (1) elas totalizam mais de R$ 2.600.000,00; (2) a maior parte das notas fiscais foram emitidas ulteriormente ao termo final do contrato; e (3) incongruência cronológica com relação à análise dos números de série de cada nota fiscal, considerando que não foi apresentado termo aditivo, justificativas ou informação sobre eventual prorrogação contratual.5. Conclusão5.1. A robustez do caderno probatório não leva a outra conclusão senão a de que o investigado engendrou trama financeira cujo modus operandi era consistente no recebimento de valores pecuniários de pessoas jurídicas durante o período eleitoral, com ulterior transferência de tais valores (ou valores próximos) sempre no mesmo dia (ou no dia seguinte) em favor de seu filho, o qual, por sua vez, posteriormente, devolvia tais importes ao investigado.5.2. Com relação à mencionada triangulação monetária, uma vez comprovada sua gravidade para vulnerar os bens jurídicos tutelados (normalidade e legitimidade da corrida eleitoral), a imposição das sanções da AIJE ao investigado é medida que se impõe.5.3. Recurso ordinário parcialmente provido para (1) desentranhar documentos, ante a nulidade de sua juntada; e (2) reconhecido o abuso do poder econômico, c/c a prática de arrecadação e gastos ilícitos por parte de Neri Geller, impor-lhe a cassação do diploma que lhe foi outorgado, bem como cominar sua inelegibilidade por 8 anos subsequentes ao pleito de 2018.