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Jurisprudência TSE 060176640 de 11 de novembro de 2021

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Mauro Campbell Marques

Data de Julgamento

21/10/2021

Decisão

O Tribunal, por maioria, vencidos os Ministros Sérgio Banhos, Carlos Horbach e Luís Roberto Barroso (Presidente), julgou desaprovadas as contas do Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Nacional, relativas ao exercício financeiro de 2016, com determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luis Felipe Salomão. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PTB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 2.875.800,18, EQUIVALENTE A 9,29% DO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VERBA PÚBLICA IRREGULARMENTE APLICADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE GASTOS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. CONTAS DESAPROVADAS. 1. Análise da documentação apta a comprovar a regularidade das despesas e o vínculo com as atividades partidárias 1.1. Nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015 e da jurisprudência do TSE, a comprovação do regular dispêndio de recursos do Fundo Partidário e a necessária vinculação ao rol do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 requerem, em regra, a juntada de documento fiscal que contenha elementos informativos referentes à data e ao valor da operação, à identificação das partes envolvidas e à descrição detalhada do respectivo objeto contratual, sendo facultado ao julgador a admissão de outros meios de prova idôneos. 1.2. Esta Corte Superior tem, de forma reiterada, ratificado o entendimento segundo o qual, ainda que facultada a apresentação de alegações finais ao prestador de contas, não é possível, nesta fase, a juntada de documentos destinados a supostamente sanear as irregularidades já constantes do parecer conclusivo do órgão técnico, ressalvada a hipótese prevista no art. 435, parágrafo único, do CPC, em que, mesmo que configurada a situação excepcional, deve o interessado efetivamente demonstrar a relevância e a pertinência da nova prova. Por todos: PC–PP nº 182–21/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgada em 15.4.2021, DJe de 22.6.2021. 2. Prestação de serviços advocatícios 2.1. A agremiação não comprovou a contratação de sociedade de advogados mediante contrato de prestação de serviços e não demonstrou a vinculação com as atividades partidárias. Precedentes. Irregularidade mantida. 3. Despesas com aquisição de TV 55" Led Samsung e suporte para TV 3.1. Esta Corte Superior entende não ser possível aplicar às prestações de contas relativas a exercícios financeiros anteriores à vigência da Lei nº 13.877/2019 as disposições desse novel regramento, ante a incidência do princípio do tempus regit actum – que impõe a observância do arcabouço normativo vigente à época do exercício financeiro a que aludem as contas sob exame – e da compreensão de que "[...] a utilização dos recursos do Fundo Partidário obedece ao preceito da legalidade estrita, a exigir autorização legal prévia para dispêndio da verba pública [...]" (PC–PP nº 166–67/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 3.8.2021). 3.2. Excepcionalmente, a aquisição de bens ou serviços pelo partido, com recursos públicos, pode ser chancelada, desde que, da análise dos elementos comprobatórios da despesa, seja possível atestar a exclusiva vinculação aos fins partidários e a obediência aos princípios da transparência e da economicidade. Precedentes. 3.3. No caso, da análise da documentação comprobatória relativa à compra de televisor e suporte, não se verificou desvio de finalidade e nem violação aos princípios da economicidade e da transparência, sendo possível inferir o atendimento aos fins partidários. Irregularidade afastada. 4. Pagamento de IPVA de veículo com recursos do Fundo Partidário 4.1. Esta Corte Superior já pacificou o entendimento de que o valor indevidamente pago a título de IPVA de veículo pertencente à agremiação deve ser devolvido ao erário, sem prejuízo da obtenção do posterior ressarcimento da importância pelo diretório nacional. Irregularidade mantida. 5. Despesas efetuadas junto ao Serasa. 5.1. O pagamento de despesa por fornecimento de dados relativos à inadimplência de órgãos partidários não faz parte do rol de gastos previstos no art. 44 da Lei nº 9.096/1995. Irregularidade mantida. 6. Gestão de dados eleitorais e socioeconômicos por meio de plataforma eletrônica 6.1. A despesa com a TOQ Soluções em Informática Ltda. se refere a serviço de gestão em plataforma eletrônica de informações eleitorais e socioeconômicas obtidas nos IBGE, IPEA e TSE e decorre diretamente do contrato firmado ainda no exercício de 2015. 6.2. Para comprovar a regularidade do gasto, o partido juntou, além de comprovantes de pagamento e nota fiscal, termo aditivo ao contrato entabulado em 2015, cujo gasto, à época, foi tido por regular pelo órgão técnico (PC nº 159–75/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 6.5.2021, DJe de 18.5.2021). 6.3. Sendo a vinculação do serviço com a finalidade partidária um pressuposto necessário para a regularidade da despesa custeada com recursos do Fundo Partidário, é de rigor afastar a glosa efetuada pelo órgão técnico – que se fundamentou na ausência de demonstração do vínculo do serviço prestado com as atividades do partido –, haja vista que a atividade desenvolvida pela TOQ Soluções em Informática Ltda. decorre diretamente do contrato considerado regular no exercício anterior. Irregularidade afastada. 7. Despesas com alimentação 7.1. O partido alegou que as despesas com alimentação se referem a "[...] produtos e insumos para realização do preparo das refeições dos dirigentes partidários [...]" e "[...] serviços [...] para o lanche dos deputados federais da agremiação [...]" (ID 135980038, fls. 145–146). 7.2. Conforme a jurisprudência do TSE, "[...] o art. 44 da Lei dos Partidos Políticos estabelece diversas possibilidades de uso de recursos do fundo partidário, mas nenhuma delas de forma restrita a um pequeno grupo de detentores de cargos públicos. Ao contrário, o espírito da norma ali contido é o de permitir o florescimento da grei de forma orgânica e na qualidade de representante de uma ideologia perante a sociedade brasileira e, por isso, a possibilidade de uso de recursos públicos nesse sentido" (PC nº 0000251–87/DF, rel. Min. Luiz Edson Fachin, DJe de 9.6.2020). 7.3 No caso, os gastos devem ser reputados irregulares, seja porque a documentação constante dos autos não permite identificar os beneficiários, seja porque a alimentação ordinária de dirigentes partidários e de membros dos Poderes da República não atende as finalidades do art. 44 da Lei 9.096/1995. Nesse sentido: PC nº 270–93/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, DJe de 1º/9/2020 e PC nº 159–75/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 18.5.2021. 8. Serviços prestados por trabalhadores autônomos 8.1. A indicação genérica das atividades desenvolvidas pelos profissionais autônomos, aliada à ausência de contratos, relatórios de serviços prestados ou outras provas materiais que pudessem comprovar a efetiva execução dos serviços e a necessária vinculação com as atividades do partido, impossibilitam a chancela dos gastos. Precedentes. 8.2. O partido também pagou a diversos dirigentes partidários – como profissionais autônomos – alegando que "[...] diante das ocupações de cargos de dirigentes [...] e a competência a eles conferidas pelo estatuto da agremiação [...], não se há falar em contratação, elaboração de relatório de atividades e ato administrativo que autoriza o pagamento [...]" (ID 135980038, fl. 157). 8.3. Conforme assentado no julgamento da PC nº 264–86/DF, rel. Min. Og Fernandes, julgada em 19.6.2020, "[...] em casos nos quais recursos públicos são direcionados ao pagamento de despesas decorrentes de contratos firmados com empresas pertencentes a dirigentes partidários ou diretamente com o próprio dirigente da agremiação – hipótese em comento –, faz–se mister '[...] a apresentação de [...] relatórios claros das atividades desenvolvidas e demonstração de custos compatíveis com o mercado [...]' (PC nº 228–15/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 26.4.2018, DJe de 6.6.2018)". 8.4 As despesas com pagamento de autônomos – membros do partido – totalizou o valor de R$ 1.404.891,15. O referido dispêndio de recursos públicos mostra–se incompatível com os princípios da economicidade, da moralidade, da razoabilidade e da boa–fé, mormente porque não foi demonstrada a compatibilidade com os custos comumente aplicados no mercado. Precedentes. 9. Despesa antieconômica com salário de empregado 9.1. "Indiscutível a autonomia financeira e administrativa dos partidos políticos conferida expressamente pela Constituição Federal no art. 17, § 1º. Contudo, quis o legislador que essa garantia não fosse absoluta, estabelecendo parâmetros sólidos para os gastos partidários, materializados pelo art. 44 da Lei 9.096/1995. Assim, é ônus da agremiação constituir, por meio de atos normativos internos, critérios transparentes de remuneração, com valores fixados em patamares condizentes com o nível de responsabilidade de cada cargo, não se afastando da análise das contas por parte desta CORTE ELEITORAL eventuais circunstâncias que extrapolam a discricionariedade, descambando para o desvio" (PC nº 165–82/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 6.5.2021, DJe de 4.6.2021). 9.2. No caso, intimado para esclarecer sobre a despesa salarial de assistente de departamento financeiro, que totalizou R$ 233.962,69, o PTB limitou–se a apresentar fichas de registro da empregada e o histórico de reajuste da remuneração, não tendo comprovado a efetiva prestação dos serviços, a demonstração de que os pagamentos observaram os preços praticados no mercado e a conformidade do gasto com princípio da economicidade, o que inviabiliza a chancela dos gastos. Irregularidade mantida. 10. Irregularidade da aplicação de recursos do Fundo Partidário no incentivo da participação da mulher na política 10.1. Para atender à finalidade da norma prevista no art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995, que determina a aplicação mínima de 5% do total recebido de recursos do Fundo Partidário, a agremiação deveria aplicar o valor de R$ 1.546.748,73. Contudo, o partido logrou comprovar a aplicação de apenas R$ 1.228.206,03. Irregularidade mantida. 11. Repasses à Fundação Ivete Vargas 11.1. Esta Corte, na sessão jurisdicional de 27.10.2020, por maioria, decidiu questão de ordem suscitada pelo MPE na PC–PP nº 192–65/DF, de relatoria do Ministro Sérgio Banhos, no sentido de que, a partir do exercício financeiro de 2021 – leia–se "contas relativas ao exercício financeiro de 2021 e seguintes" –, caberá, também, à Justiça Eleitoral fiscalizar as contas das fundações, não sendo, portanto, aplicável esse novo entendimento ao caso dos autos, tendo em vista que se trata de prestação de contas do exercício financeiro de 2016. 12. Conclusão: contas desaprovadas 12.1. O total de irregularidades encontrado nas contas do PTB relativas ao exercício financeiro de 2016 é de R$ 2.875.800,18. (valor que se refere aos recursos do Fundo Partidário irregularmente utilizados ou que não foram devidamente comprovados), o que representa 9,29% do total que o partido recebeu do referido fundo público em 2016 (R$ 30.934.974,61). 12.2. No julgamento da PC nº 0601850–41/DF, de minha relatoria, ocorrido na sessão por meio eletrônico finalizada em 23.9.2021, esta Corte Superior, diante de irregularidades com recursos públicos que totalizaram R$ 785.540,03 – equivalente a 1,49% do montante que o partido recebeu do Fundo Partidário no respectivo exercício financeiro –, ratificou a compreensão de que o percentual das falhas não é o único critério adotado para o julgamento das contas submetidas à análise desta Justiça especializada, de modo que o elevado valor absoluto das irregularidades constitui fundamento hábil a ensejar a desaprovação das contas, conforme decidido nos julgamentos das PCs nºs 159–75/DF, 162–30/DF, 165–82/DF, 0601752–56/DF, 0601829–65/DF e 0601763–85/DF, todas de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, respectivamente publicadas no DJe de 18.5.2021, 2.6.2021, 4.6.2021, 3.8.2021 e 14/09/2021. A orientação deve ser mantida, em respeito aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. 12.3. No caso, o alto valor absoluto das irregularidades com recursos públicos denota descaso do partido em sua utilização, bem como configura malferimento à transparência, à lisura e ao indispensável zelo no uso das verbas públicas, circunstância que, na linha dos recentes precedentes desta Corte Superior, é grave o suficiente para ensejar a desaprovação das contas. 13. Determinações. Ressarcimento ao erário do valor de R$ 2.557.257,48, a ser pago com recursos próprios, acrescidos de multa de 4%, a ser descontada dos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, e a transferência de R$ 318.542,70 para conta específica do programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, devendo o saldo remanescente ser aplicado na ação afirmativa dentro do exercício financeiro subsequente ao trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de acréscimo de 12,5% do Fundo Partidário de 2016.


Jurisprudência TSE 060176640 de 11 de novembro de 2021