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Jurisprudência TSE 060176555 de 06 de maio de 2022

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Mauro Campbell Marques

Data de Julgamento

07/04/2022

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas do Partido Socialista Brasileiro (PSB) Nacional, referentes ao exercício financeiro de 2016, impondo¿lhe determinações, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos, Carlos Horbach (com ressalva de entendimento), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin (Presidente). Falou pelo requerente, Partido Socialista Brasileiro (PSB) Nacional, o Dr. Felipe Santos Corrêa.Composição: Ministros Edson Fachin (Presidente), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. PSB – DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 7.685.604,85, EQUIVALENTE A 14,98% DO TOTAL DE RECURSOS RECEBIDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INSUFICIÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECURSOS PROVENIENTES DE FONTE VEDADA. REPASSES PARA DIRETÓRIOS ESTADUAIS IMPEDIDOS DE RECEBER RECURSOS PÚBLICOS. INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS NO FOMENTO À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. DESVIO DE FINALIDADE NA DEVOLUÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS, PELA FUNDAÇÃO, AO DIRETÓRIO NACIONAL DO PSB. MALFERIMENTO À TRANSPARÊNCIA, À LISURA E AO INDISPENSÁVEL ZELO NO USO DOS RECURSOS PÚBLICOS. CONTAS DESAPROVADAS.1. Prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) relativa ao exercício financeiro de 2016, cujo mérito se submete às disposições da Res.–TSE nº 23.464/2015.1.1. A fiscalização exercida por esta Justiça Eleitoral tem por escopo identificar a origem das receitas e a destinação das despesas com as atividades partidárias, mediante avaliação formal dos documentos contábeis e fiscais apresentados pelo partido político.1.2. Caso o Juízo Eleitoral verifique que a documentação constante aos autos é insuficiente para atestar a regularidade do gasto e o vínculo com as atividades partidárias, lhe é lícito determinar – inclusive por solicitação do MPE, do impugnante ou dos responsáveis – diligências necessárias ao exame das contas, tais como a requisição de esclarecimentos e a juntada de documentos ausentes e/ou complementares.1.3. A juntada de documento após a fase de diligências somente se justifica quando se tratar de documento novo, nos termos do art. 435 do Código de Processo Civil, ou, sendo preexistente, quando o prestador de contas não teve a oportunidade de sobre ele se manifestar, sendo ônus do prestador demonstrar a presença de justo motivo ou circunstância relevante que autorize a juntada após os momentos previamente estabelecidos. Precedentes.2. Falhas identificadas: (a) recebimento de recursos de origem não identificada e de fonte vedada; (b) insuficiência de documentação comprobatória relacionada aos seguintes serviços: informática, segurança eletrônica, editoração, assessoria de imprensa, propaganda, produção audiovisual, organização de eventos, fornecimento de alimentação, pesquisas de opinião, locação de imóvel, consultoria jurídica, agência de turismo (passagens e hospedagens), profissionais autônomos, atividades administrativas realizadas por servidores públicos em dupla jornada e fretamento de aeronaves; (c) pagamento de multas e impostos; (d) repasses de recursos do Fundo Partidário a diretórios impedidos, e as que se seguem.2.1. Assunção de dívidas de diretórios estaduais e municipais sem a observância das formalidades exigidas2.1.1. O partido custeou despesas dos Diretórios Estaduais do Maranhão, do Rio Grande do Norte, de São Paulo e de Goiás, os quais estavam proibidos de receber recursos do Fundo Partidário.2.1.2. As obrigações assumidas tinham por objeto salários e verbas rescisórias de funcionários, aluguel de imóveis, água, esgoto, energia, telefone, televisão, serviços contábeis e jurídicos, consultoria em informática, monitoramento eletrônico, materiais de consumo, hospedagem de site, sindicato, frete, entre outros.2.1.3. Esta Corte Superior já reconheceu a possibilidade de o diretório nacional assumir despesas consideradas essenciais de órgão partidário impedido de receber recursos do Fundo Partidário (PC nº 292–88/DF, rel. Min. Og Fernandes, DJe de 8.5.2019; PC nº 271–83/DF, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 20.3.2018).2.1.4. Na hipótese, contudo, nem sequer cabe analisar a espécie de cada um dos gastos assumidos pelo Diretório Nacional do PSB, na medida em que a agremiação não se desincumbiu de apresentar a documentação mínima exigida para a assunção de obrigações de órgão partidário diverso, notadamente o acordo firmado entre os diretórios envolvidos e os credores, assim como os documentos comprobatórios das despesas incluídas no pacto, conforme o art. 23, caput e §§ 3º e 4º, da Res.–TSE nº 23.464/2015.2.1.5. A exigência normativa para a regularidade da assunção de obrigações de órgão partidário diverso decorre da imperiosa necessidade de se conferir transparência ao gasto público, a fim de obstar que esse mecanismo seja utilizado como forma de burlar a sanção de suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário aplicada ao órgão partidário devedor (Cta nº 56–05/DF, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 13.10.2015; Cta nº 338–14/DF, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 29.5.2014.2.1.6. Tratando da assunção de dívida de campanha de candidato pelo partido, esta Corte Superior já esclareceu que "a natureza facultativa ressai evidenciada não somente pela semântica do verbo aplicado, senão ainda pelo fato de que o caráter automático é afastado pela pressuposição de uma série de formalidades condicionantes, dentre as quais figura com acentuada importância o aval concedido pela cúpula da direção nacional", sendo certo que "[...] a corresponsabilidade [...] pelos passivos [...] é excepcional e depende de uma especial manifestação de vontade, sem a qual prevalece a regra de obrigação pessoal [...]" (Cta nº 0600739–51/DF, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 5.8.2020).2.2. Desvio de finalidade na devolução de recursos públicos da fundação ao diretório nacional do partido instituidor a título de sobra financeira2.2.1. O órgão técnico verificou que o PSB transferiu para a Fundação João Mangabeira o valor de R$ 10.258.814,55 – correspondente ao mínimo legal obrigatório –, porém constatou que foram devolvidos ao partido, "[...] por meio de recibos de doação, o valor de R$ 5.050.000,00", o que implicou em considerar como montante efetivamente transferido o total de R$ 5.208.814,55, resultante da subtração dos valores devolvidos.2.2.2. O partido argumentou que os valores revertidos pela fundação consistem em sobras financeiras de exercícios anteriores, operação admitida pelo art. 44, § 6º, da Lei nº 9.096/1995.2.2.3. Da mesma forma que incumbe à esta Justiça Eleitoral fiscalizar o cumprimento, pelo partido, do repasse do percentual mínimo de 20% do Fundo Partidário para a entidade fundacional a ele vinculada, por via lógica, também cabe verificar se os valores que compõem a sobra financeira da fundação podem ser objeto da transferência prevista no § 6º do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, até porque, nos termos do art. 34, § 1º, do referido diploma, a fiscalização exercida por esta Justiça Eleitoral "[...] tem por escopo identificar a origem das receitas e a destinação das despesas com as atividades partidárias [...]".2.2.4. No caso, é incontroverso que:a) a Fundação João Mangabeira devolveu ao Diretório Nacional do PSB recursos do Fundo Partidário que lhe haviam sido transferidos pelo partido em razão da determinação do inciso IV do art. 44 da Lei nº 9.096/1995;b) as devoluções – que totalizaram a quantia de R$ 5.050.000,00 – decorreram de pedido expresso do presidente nacional do PSB ao presidente da Fundação João Mangabeira;c) as reversões foram fundamentadas no § 6º do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 e tiveram como motivo o custeio de despesas relacionadas a campanhas eleitorais do pleito de 2016;d) a afirmação do PSB de que os recursos devolvidos pela fundação se tratavam de sobras financeiras de 2015 não possui respaldo na documentação constante dos autos, haja vista que, em 1º.1.2016, a Fundação João Mangabeira dispunha, em sua conta bancária, de apenas R$ 851.040,51, porém, entre janeiro e julho de 2016, efetuou gastos no total de R$ 2.753.736,49, sendo certo que a primeira reversão – no montante de R$ 4.000.000,00 – ocorreu em 18.8.2016.2.2.5. Conquanto o regramento faculte a transferência ao partido instituidor de recursos financeiros não utilizados pela fundação no exercício em que lhe foram assinalados, essa liberalidade somente se mostra possível quando tal reversão não implicar malferimento ao inciso IV do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, uma vez que o desiderato da quantia revertida é – conforme a redação do § 6º do mencionado dispositivo legal – ser aplicada em "outras atividades partidárias".2.2.6. Constitui pressuposto indispensável para o uso da faculdade prevista no § 6º do art. 44 da Lei dos Partidos Políticos a comprovação de que o montante devolvido ao partido não integrou o repasse realizado pela agremiação sob a rubrica do art. 44, IV, da Lei nº 9.096/1995 no exercício anterior, sob pena de tornar ineficaz o dever legal que o partido político tem de assegurar o mínimo existencial anual à entidade de pesquisa, doutrinação e educação política a ele vinculada.2.2.7. Na hipótese, é patente o desvio de finalidade na utilização do mecanismo do § 6º do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 pela Fundação João Mangabeira, haja vista que (a) não se tratou de sobra financeira do exercício anterior; (b) os recursos públicos devolvidos integravam o mínimo legal de aplicação vinculada às estritas finalidades da fundação.2.2.8. Além disso – ainda que se tratasse de sobras do exercício financeiro anterior – não foi observado o procedimento previsto na Res.–TSE nº 23.464/2015, que estabelece o período fatal de janeiro do exercício financeiro seguinte para a realização das devoluções, sendo certo que as reversões levadas a efeito pela Fundação João Mangabeira foram realizadas em 18.8.2016, 10.10.2016 e 20.10.2016.2.2.9. Evidenciada a aplicação irregular dos recursos públicos de aplicação vinculada ao inciso IV do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, devem os valores malversados serem devolvidos ao erário.2.3. Incentivo à participação feminina na política2.3.1. A EC nº 117/2022 não excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral, no exercício de sua competência fiscalizatória, de aferir a regularidade do uso das verbas públicas relacionadas ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres e ao financiamento das candidaturas de gênero. A gravidade dessa espécie de falha, aliás, se tornou ainda mais evidente com a constitucionalização da ação afirmativa.2.3.2. A Justiça Eleitoral, antes de atestar se as despesas atendem à finalidade do inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995, verifica se o gasto se encontra comprovado à luz do art. 18 da Res.–TSE nº 23.464/2015. Somente após o reconhecimento da regularidade da despesa é que se verifica se houve o atendimento à específica finalidade do fomento à participação política feminina (PC nº 0601850–41/DF, de minha relatoria, DJe de 7.10.2021).2.3.3. Recursos do Fundo Partidário indicados pela agremiação como aplicados no programa de fomento à participação feminina na política cuja documentação, além de não comprovar essa específica finalidade, é insuficiente para atestar a regularidade do gasto devem ser devolvidos ao erário (PC–PP nº 159–75/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 18.5.2021).2.3.4. No caso, o partido deveria ter aplicado no programa de incentivo à participação política feminina o mínimo de R$ 2.817.203,64. Contudo, da análise da quantia destinada à ação afirmativa, (a) R$ 1.403.724,77 são regulares com observância da finalidade; (b) R$ 101.294,42 são regulares sem observância da finalidade; (c) R$ 67.035,14 são irregulares para qualquer finalidade. Assim, a insuficiência da destinação mínima de recursos a que se refere o art. 44, V, da Lei nº 9.096/1995 é de R$ 1.413.478,87.3. Conclusão3.1. O total de irregularidades encontrado nas contas, já decotado o montante objeto da anistia da EC nº 117/2022 (R$ 1.413.478,87), é de R$ 7.685.604,85, o que representa 14,98% do total que o partido recebeu do referido fundo público em 2016 (R$ 51.294.072,75).3.2. No caso, além do alto valor absoluto das irregularidades e do percentual das falhas, houve o recebimento de recursos de origem não identificada e de fonte vedada, o descumprimento do incentivo mínimo à participação política da mulher, o repasse a diretórios estaduais penalizados com suspensão, bem como se verificou o desvio de finalidade na devolução de recursos da Fundação João Mangabeira para o Diretório Nacional do partido, em prejuízo à consecução das atividades do ente fundacional, irregularidades que se revestem de notória gravidade.3.3. Contas desaprovadas. Determinações: (a) ressarcimento ao erário do valor de R$ 7.670.571,68; (b) recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 15.033,17; (c) multa de 15% sobre o montante apontado como irregular; (d) aplicação do valor de R$ 1.413.478,87 nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão.


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