Jurisprudência TSE 060172981 de 10 de marco de 2023
Publicado por Tribunal Superior Eleitoral
Relator(a)
Min. Sergio Silveira Banhos
Data de Julgamento
27/02/2023
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, julgou desaprovadas as contas de João Vicente Fontella Goulart, referentes às eleições de 2018, determinando a devolução ao Erário do valor de R$ 29.376,84 (vinte e nove mil, trezentos e setenta e seis reais e oitenta e quatro centavos), devidamente atualizado, nos termos do voto do Relator. Votaram com o Relator os Ministros: Carlos Horbach, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.
Ementa
ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. REPROVAÇÃO.SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de prestação de contas de João Vicente Fontella Goulart, referente à campanha das Eleições de 2018, na qual foi candidato ao cargo de Presidente da República pelo Partido Pátria Livre (PPL), juntamente com o candidato à Vice–Presidência, Léo da Silva Alves.2. As falhas apuradas foram as seguintes: i) ausência de informações de gastos eleitorais na prestação de contas parcial; ii) gastos eleitorais registrados na prestação de contas pela data de emissão dos documentos fiscais e das faturas, e não pela data de contratação; iii) saque em espécie antes do registro da constituição e reversão do Fundo de Caixa; iv) doação indireta de pessoa jurídica em virtude de desconto expressivo concedido por empresa fornecedora de campanha; v) recebimento de recursos antes da abertura de conta bancária de campanha; vi) ausência de documentação comprobatória de doações estimáveis em dinheiro oriundas de pessoas físicas; vii) omissão de receita na prestação de contas e identificação incorreta do recurso (recurso de origem não identificada); viii) realização de despesas antes da abertura de conta bancária específica de campanha; ix) omissão de despesas consistentes em notas fiscais eletrônicas emitidas em favor da campanha obtidas pelo cruzamento de informações; x) insuficiência de comprovação de vínculo de beneficiários e despesas com passagens aéreas e hospedagens; xi) despesas com passagens para o candidato, que não constituem gastos eleitorais; xii) ausência de devolução dos recursos do FEFC não utilizados; xiii) utilização de recursos não declarados na prestação de contas no pagamento de despesa eleitoral e ausência de documentação fiscal; xiv) documentação insuficiente no exame de regularidade de despesas e ausência de capacidade operacional de empresas fornecedoras.ANÁLISE DA PRESTAÇÃO DE CONTASAusência de informações de gastos eleitorais na prestação de contas parcial3. Com relação às eleições ocorridas antes de 2020, para as impropriedades de atraso na apresentação dos relatórios financeiros ou de omissão de despesas na prestação de contas parcial, o entendimento firmado por esta Corte é no sentido de que tais falhas não ensejam a desaprovação das contas desde que essas informações sejam declaradas na prestação de contas final.Gastos eleitorais registrados na prestação de contas pela data de emissão dos documentos fiscais e das faturas, e não pela data de contratação4. A falha não comprometeu isoladamente a prestação de contas, ensejando apenas anotação de ressalvas.Saque em espécie antes do registro da constituição e reversão do Fundo de Caixa5. A unidade técnica constatou a realização de saque na conta destinada ao FEFC sem o registro da movimentação financeira no SPCE–Cadastro, tendo o prestador informado que seria relativo à constituição frustrada de fundo de caixa pela campanha, motivo pelo qual o valor teria sido devolvido à conta do FEFC.6. Como não houve efetiva utilização da quantia, mas apenas a falta do devido registro, a omissão na prestação de contas enseja apenas anotação de ressalvas.Doação indireta de pessoa jurídica em virtude de desconto expressivo concedido por empresa fornecedora de campanha7. Ainda que os valores de descontos aparentem ser elevados, não há nos autos elementos aptos a demonstrar que destoem dos valores de mercado, ou mesmo que tenham sido praticados unicamente em prol do candidato.8. A glosa não pode ser fundamentada em mera presunção.Recebimento de recursos antes da abertura de conta bancária de campanha9. A arrecadação para a campanha antes da data de abertura da conta específica afronta o disposto no art. 3º, III, da Res.–TSE 23.553.10. É "firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a arrecadação de recursos e a realização de despesas antes da abertura de conta específica constituem irregularidades de natureza insanável, ensejando a desaprovação da prestação de contas" (AgR–REspEl 0600353–78, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 10.10.2018).Ausência de documentação comprobatória de doações estimáveis em dinheiro oriundas de pessoas físicas11. As despesas com passagens estão suficientemente comprovadas ante a juntada das faturas e dos cheques, bem como diante da discriminação dos beneficiários e dos itinerários (art. 63, § 7º, da Res.–TSE 23.553).12. A emissão de recibos fora da ordem cronológica, in casu, deve ser considerada irregularidade.Omissão de receita na prestação de contas e identificação incorreta do recurso (recurso de origem não identificada)13. O prestador procedeu à devolução da referida importância, devendo ser mantida a irregularidade, mas afastando–se o dever de recolhimento.Realização de despesas antes da abertura de conta bancária específica de campanha14. Somente uma das faturas foi contratada antes da abertura da conta específica.15. Somente o valor de R$ 1.901,82 merece glosa, afastando–se o remanescente.Omissão de despesas consistentes em notas fiscais eletrônicas emitidas em favor da campanha obtidas pelo cruzamento de informações16. Destaca–se que "a omissão de despesas em sede de ajuste de contas constitui vício que impede efetivo controle pela Justiça Eleitoral, ensejando sua desaprovação. Precedentes" (AgR–AI 435–15, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 6.12.2019).17. Na esteira dos pareceres do Ministério Público e da unidade técnica, permanece a irregularidade, devendo o montante de R$ 26.573,90 ser recolhido ao Tesouro Nacional.Insuficiência de comprovação de vínculo de beneficiários e despesas com passagens aéreas e hospedagens18. As despesas com passagens estão suficientemente comprovadas, ante a juntada das faturas e cheques, bem como diante da discriminação dos beneficiários e dos itinerários (art. 63, § 7º, da Res.–TSE 23.553).19. Quanto às despesas com hospedagens, a comprovação dar–se–á por meio de nota fiscal emitida pelo estabelecimento com a identificação do hóspede, devendo, ainda, ser demonstrada sua vinculação com as atividades de campanha.20. Não estão comprovadas as despesas com hospedagem, visto que não há informações sobre o local de hospedagem, tampouco está comprovado o vínculo de terceiro com a campanha do prestador.21. Irregularidade parcialmente mantida para considerar o montante de R$ 1.437,03 como despesa de hospedagem não comprovada e, desse total, R$ 1.172,92 foram pagos com recursos do FEFC, devendo tal quantia ser restituída.Despesas com passagens para o candidato, que não constituem gastos eleitorais22. A reforma eleitoral inserida pela Lei 13.488/2017 vedou a utilização do FEFC para a realização de despesas pessoais dos candidatos (art. 26, § 3º, da Lei 9.504/97).23. Observo que este Tribunal Superior, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 0601116–98, de minha relatoria, publicado no DJE em 23.6.2020, ao analisar matéria semelhante, relativa às Eleições de 2018, firmou entendimento no sentido de que o art. 26, § 3º, da Lei 9.504/97 – que retira a necessidade de registro na prestação de contas as despesas de natureza pessoal do candidato, incluindo gastos com hospedagens – se refere apenas aos casos em que são utilizados recursos privados.24. Dessa forma, está parcialmente sanada a irregularidade com despesas pessoais dos candidatos relativas a hospedagens próprias, permanecendo a glosa com relação ao valor de R$ R$ 1.913,44.Ausência de devolução dos recursos do FEFC não utilizados25. O prestador informou que procedeu à devolução da referida importância.26. Tendo em vista o referido recolhimento, permanece a irregularidade, mas afasta–se o dever de recolhimento.Utilização de recursos não declarados na prestação de contas no pagamento de despesa eleitoral e ausência de documentação fiscal27. Trata–se de recurso de origem não identificada pela falta de identificação do recurso e do doador (art. 34, § 1º, I, da Res.–TSE 23.553).28. Na esteira dos pareceres do Ministério Público e da unidade técnica, permanece a impropriedade, devendo ser restituído o valor de R$ 40,00.Documentação insuficiente no exame de regularidade de despesas e ausência de capacidade operacional de empresas fornecedoras29. Constatou–se a inconsistência com documentos apresentados como despesas de reembolso realizadas para a empresa prestadora de serviços. Destacam–se, dentre as falhas, falta de documento fiscal, ilegibilidade e reembolso sem amparo contratual ou vedado (bebida alcoólica), inconsistências que violam o disposto nos arts. 37 e 63 da Res.–TSE 23.553, devendo a quantia gasta com verbas do FEFC ser restituída (R$ 1.325,97), por ser considerada gasto irregular.30. Com relação à capacidade operacional do prestador de serviços, "a apuração da existência de capacidade operacional de uma empresa extrapola a competência do processo de prestação de contas, que deve se ater à análise do balanço contábil da agremiação partidária. Quanto à ausência de empregados na RAIS, esta Corte Superior fixou o entendimento de que tal circunstância não caracteriza irregularidade contábil que deva ser analisada no processo de prestação de contas, de modo que supostos ilícitos de natureza diversa devem ser apurados em âmbito próprio" (PC 13984, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 27.4.2021).CONCLUSÃO31. O total de recursos recebidos pelo candidato foi de R$ 477.714,35, e as irregularidades referentes a tais recursos totalizam 8,8%.32. Foram gastos na campanha R$ 476.304,99, e as irregularidades referentes a tais recursos totalizam 6,16%.33. Em vista dos requisitos quantitativos, correspondentes ao percentual de irregularidades, seria, em tese, passível a aprovação com ressalvas das contas campanha.34. A arrecadação para a campanha antes da data de abertura da conta específica afrontou o disposto no art. 3º, III, da Res.–TSE 23.553/2017, sendo "firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a arrecadação de recursos e a realização de despesas antes da abertura de conta específica constituem irregularidades de natureza insanável, ensejando a desaprovação da prestação de contas" (AgR–REspEl 0600353–78, rel. Min. Rosa Weber, DJE de 10.10.2018).35. As irregularidades não perpassam o critério qualitativo da gravidade, não sendo possível a aplicação do juízo de proporcionalidade e razoabilidade, constatando–se vício de natureza grave consistente na arrecadação para a campanha antes da abertura de conta específica, o que impõe a sua desaprovação, na forma do art. 77, III, da Res.–TSE 23.553.36. Em julgamento ocorrido na sessão de 15.2.2022, nos autos da Prestação de Contas 0000292–88, rel. Min. Luís Roberto Barroso, esta Corte – destacando a decisão deste Tribunal proferida em 10.2.2022 nos autos do REspEl 0602726–21, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes – decidiu pela possibilidade de utilização de recursos recebidos do Fundo Partidário para o cumprimento voluntário da determinação de recolhimento de valores ao erário.37. O candidato deverá ser notificado para devolver ao Tesouro Nacional o valor de R$ 29.376,84, devidamente atualizado, nos termos do art. 82 da Res.–TSE 23.553.Prestação de contas reprovada.