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Jurisprudência TSE 060170734 de 17 de abril de 2023

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Raul Araujo Filho

Data de Julgamento

14/03/2023

Decisão

(Julgamento Conjunto: Recursos Ordinários nº 0601.707¿34 e nº 0601.730¿77):O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar de nulidade do acórdão regional, nos termos do voto do Relator. No mérito, também por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário nº 0601.730¿77 para afastar a condenação pelo abuso de poder econômico e, por maioria, negou provimento ao recurso ordinário nº 0601.707¿34, a fim de manter as sanções decorrentes da captação ilícita de sufrágio, nos termos do voto do Relator, vencidos, nesse ponto, os Ministros Carlos Horbach e Sérgio Banhos.Votaram com o Relator os Ministros: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes (Presidente).Composição: Ministros Alexandre de Moraes (Presidente), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ementa

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. DEPUTADA ESTADUAL. SUPLÊNCIA. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDENAÇÃO NA ORIGEM. UTILIZAÇÃO ELEITOREIRA DE PROGRAMA FILANTRÓPICO DENOMINADO DENTISTAS SEM FRONTEIRAS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. PROMESSA DE ENTREGA DE INSUMOS ODONTOLÓGICOS EM TROCA DE VOTOS. DIÁLOGOS NO WHATSAPP. LICITUDE.1. No caso, o MPE ajuizou representação por captação ilícita de sufrágio e AIJE por abuso do poder econômico em desfavor da recorrente, candidata ao cargo de deputada federal nas eleições de 2018, e do coordenador de campanha, devido à utilização do programa Dentista sem Fronteiras com o fim de obter votos de beneficiários do programa filantrópico Dentistas sem Fronteiras.2. O TRE/AP, em julgamento conjunto, julgou procedentes os pedidos para cassar o diploma de suplente da recorrente, aplicar–lhe multa no valor de 5.000 Ufirs, bem como impor a ambos os recorrentes a sanção de inelegibilidade pelo prazo de 8 anos, com fundamento nos arts. 41–A, da Lei das Eleições, 19 e 22, XIV, da LC nº 64/1990.3. As condutas que fundamentaram a AIJE e a representação consistiram (a) no uso do programa Dentistas sem Fronteiras com finalidade eleitoreira; (b) na promessa e entrega de insumos odontológicos a estudantes de odontologia em troca de votos; e (c) na apreensão de documentos em diligência da Polícia Federal, cujo conteúdo indica se tratar de promessa e/ou entrega de benesses a eleitores.4. Inexistem violações aos arts. 489, IV e VI, e 1.022, do CPC e 275 do CE, na medida em que os alegados vícios dizem respeito à análise valorativa que o TRE/AP realizou sobre o acervo probatório dos autos, sendo certo que o inconformismo com o julgamento de mérito não se coaduna com a via estreita dos aclaratórios. Precedentes.5. As teses recursais (violação aos arts. 14, § 9º, da CF; 22, XVI, da LC nº 64/1990; 237 do CE; e 41–A, da Lei das Eleições) cingem–se a demonstrar eventual fragilidade do acervo probatório para o fim de se comprovar a finalidade eleitoreira e o desvio de finalidade do programa Dentistas sem Fronteiras. Alegam os recorrentes que os elementos de prova não permitem concluir ter havido qualquer promessa de entrega de materiais odontológicos em troca de votos, assim como as circunstâncias não possuem gravidade suficiente para malferir a igualdade de chances no pleito.5.1. O acervo probatório dos autos é composto por (a) depoimentos testemunhais da proprietária da clínica em que realizados os atendimentos odontológicos e de estudante e voluntário no programa Dentistas Sem Fronteiras; (b) declarações colhidas nos autos do Inquérito Policial nº 0218/2018; (c) documentos e materiais decorrentes de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal (planilhas com listas de pessoas, endereços e telefones, anotações com referência às eleições e quantitativo de gasolina, carros e cestas básicas, além de R$ 40.000.00 em espécie encontrados na casa dos recorrentes); e (d) diálogos de conversas no aplicativo WhatsApp.AIJE nº 0601730–776. Esta Corte Superior entende que o abuso do poder econômico "¿configura–se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas' (AgR–RO 8044–83, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2018 e REspe nº 114/MG, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 25.2.2019)" (AgR–RO nº 0602518–85/PA, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 18.3.2020)6.1. A caracterização do abuso de poder demanda a presença de provas robustas que demonstrem, indene de dúvida, a gravidade das condutas e o correlato benefício eleitoral auferido pelo(a) postulante ao cargo eletivo. Precedentes.6.2. No caso, o TRE/AP concluiu pelo abuso do poder econômico em razão das seguintes circunstâncias "1) a própria Investigada declarou que em razão do aumento da demanda foi necessário alugar uma sala para funcionamento do projeto; 2) a recepcionista da clínica declarou que o movimento dela aumentou drasticamente depois que a sala foi alugada [...]; 3) a Investigada possui elevada capacidade econômica, tendo declarado patrimônio de R$ 1.149.752,00 (um milhão, cento e quarenta e nove mil, setecentos e cinquenta e dois reais) à Justiça Eleitoral em 2020, usou recursos próprios para o programa; 4) a finalidade eleitoral do projeto é reforçada pelo fato de não ter havido continuidade dele, tudo a evidenciar a gravidade da conduta perpetrada pelos Investigados" (ID 157814838).6.3 Em relação aos documentos apreendidos em regular busca e apreensão – planilhas com listas de pessoas, endereços e telefones, anotações com referência às eleições e quantitativo de gasolina, carros e cestas básicas, além de R$ 40.000.00 encontrados na casa dos recorrentes –, o TRE/AP assentou que "[...] não se constata que essas apreensões tenham relação com o suposto uso do programa ¿Dentista Sem Fronteiras', merecendo destaque apenas o receituário com o timbre do referido projeto, apreendido no comitê de campanha da então candidata Patrícia Ferraz" (ID 157815001, fl. 25).6.4. É tênue o liame entre as ações filantrópicas e os atendimentos gratuitos com caráter eleitoreiro, mormente quando verificado o aumento do programa em ano eleitoral. Nessa hipótese, para fins de se reconhecer eventual abuso, faz–se mister prova robusta de que os serviços altruísticos visaram vincular a imagem do postulante a cargo eletivo às ações filantrópicas, a evidenciar o viés eleitoral, sob pena de criminalizar essa importante ação social em anos eleitorais.6.5. "O exercício de atividade de filantropia não configura, por si só, o abuso de poder econômico, ¿sendo imprescindível, a partir de elementos objetivos, a demonstração do caráter eleitoral da conduta para a sua configuração' (REspe nº 258–57/ES, rel. designado Min. Edson Fachin, DJe de 19.6.2020).6.6. Esta Corte Superior exige "provas robustas e incontestes para a procedência da AIJE por abuso do poder econômico e da representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio, não sendo suficientes meros indícios ou presunções" (AgR–REspe nº 475–91/ES, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 16.9.2019).6.7. No caso, a conclusão do acórdão regional acerca do uso abusivo do programa Dentistas Sem Fronteiras lastreou–se no depoimento isolado da responsável legal da clínica alugada devido à expansão do programa filantrópico e na apreensão, no referido local, de cartões de visita da recorrente em que consta seu nome, foto, telefone e redes sociais. Não há nenhum outro elemento probatório que corrobore as suspeitas aduzidas pela referida testemunha, sendo certo que nenhum beneficiário dos atendimentos odontológicos foi ouvido em Juízo.6.8. Nesse contexto, a circunstância de ter sido verificado um aumento da demanda por atendimentos odontológicos – que motivou o aluguel de um espaço maior – e o fato de a recorrente possuir patrimônio elevado não são hábeis a retirar o caráter presuntivo das declarações prestadas pela testemunha de acusação. Também ausente o quantitativo – ainda que estimado – de beneficiários dos atendimentos odontológicos realizados no âmbito do programa Dentistas sem Fronteiras, o que impossibilita aferir o grau de extensão dos supostos benefícios advindos das condutas narradas.6.9. "[...] embora o art. 22, XVI, da LC 64/1990 tenha afastado, como elemento configurador do ilícito, a potencialidade de o fato alterar o resultado do pleito, nada impede que o julgador a utilize como aspecto secundário para aferição da gravidade" (RO–El nº 1251–75/AP, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30.9.2021, DJe de 9.11.2021).6.10. Inexistente elementos probatórios que sustentem o cenário fático narrado na AIJE, é inviável a condenação pelo cogitado abuso do poder econômico.Rp nº 0601707–347. Quanto à prática da conduta prevista no art. 41–A da Lei das Eleições, a condenação decorreu da promessa de entrega de insumos odontológicos – materializada em diálogos realizados no WhatsApp – a uma estudante de odontologia que alegou possuir vinte votos.7.1. Esta Corte Superior entende que "[...] em caso de decisum judicial prévio em que se autorize expressamente a busca e apreensão [...], é lícito o acesso a dados estáticos contidos em aparelho celular, sendo despiciendo expedir novo ato para determinar a análise do conteúdo" (ED–REspe nº 324–68/MS, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10.10.2019, DJe de 12.12.2019).7.2. "A compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, pois o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei nº 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir eventual desequilíbrio da disputa (precedentes, dentre eles, o REspe nº 462–65/SP, Rel. Min. Rosa Weber, acórdão de 19.3.2019). Cuida–se de circunstância que por si só basta para a procedência dos pedidos, independentemente do impacto na disputa" (AgR–REspe nº 189–61/PE, rel. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 26.5.2020, DJe de 10.8.2020).7.3. Na hipótese, o coordenador de campanha levou ao conhecimento da candidata pedido de materiais em troca de votos realizado por, ao menos, uma eleitora identificada – que afirmou ter "20 votos pra ela" e que poderia "repassar a lista com os nomes titulo zona e seçao de cada um pra você e posso trabalhar juntamente cm vocês em tudo q quiserem [sic]" (ID 157815001) –, tendo a recorrente anuído e concordado com a conduta.Conclusão8. Recursos ordinários eleitorais parcialmente providos tão somente para afastar a condenação pelo abuso do poder econômico, julgando, por conseguinte improcedente a AIJE nº 0601730–77. Mantida as sanções impostas na Rp nº 0601707–34.


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