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Jurisprudência TSE 060164859 de 04 de setembro de 2024

Publicado por Tribunal Superior Eleitoral


Relator(a)

Min. Raul Araújo Filho

Data de Julgamento

22/08/2024

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, julgou aprovadas, com ressalvas, as contas do Diretório Nacional do PSDB, relativas à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2020 e determinou: (a) a aplicação do valor de R$ 431.570,35, oriundo do Fundo Partidário, em candidaturas de pessoas negras nas eleições municipais subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão; (b) o ressarcimento ao erário da quantia, devidamente atualizada, de R$ 118.366,66, decorrente da aplicação irregular de recursos públicos; e (c) o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor, também atualizado, de R$ 2.469,79, alusivo ao recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do voto do Relator. Acompanharam o Relator, a Ministra Isabel Gallotti, os Ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares e Nunes Marques (com ressalvas de entendimento), André Mendonça e a Ministra Cármen Lúcia (Presidente). Composição: Ministros (as) Cármen Lúcia (Presidente), Nunes Marques, André Mendonça, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.

Ementa

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO NACIONAL DO PSDB. ELEIÇÕES 2020. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO PARA A ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. OMISSÃO DE DOAÇÕES FINANCEIRAS A CANDIDATOS. DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS DO FEFC A CANDIDATOS DE OUTROS PARTIDOS. RECURSO DE FONTE VEDADA. INSUFICIÊNCIA NA APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO EM CANDIDATURA DE PESSOAS NEGRAS. INCIDÊNCIA DA EC Nº 117/2022. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS.1. Prestação de contas do Diretório Nacional do PSDB relativa à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2020, cujo mérito se submete às disposições da Res.–TSE nº 23.607/2019.1.1. O órgão técnico do TSE e o MPE sugeriram a desaprovação das contas. Irregularidade – receitas2. Descumprimento de prazo para a entrega de relatório financeiro.2.1. Conforme o art. 47, I, da Res.–TSE nº 23.607/2019, os partidos políticos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a enviar, por meio do SPCE, à Justiça Eleitoral, para a divulgação em página criada na internet para esse fim, os dados relativos aos recursos financeiros recebidos para o financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 horas contadas do recebimento.2.1.2. A Asepa consignou que o partido descumpriu o prazo para a entrega do relatório financeiro atinente ao recebimento de recursos do FEFC, no montante de R$ 130.452.061,58, e do Fundo Partidário, no total de R$ 6.646.461,082.1.3. A finalidade da norma é permitir o conhecimento tempestivo do montante de recursos (públicos e privados) recebidos e/ou disponibilizados para a aplicação em campanha, a fim de salvaguardar a transparência e o controle social das movimentações financeiras ocorridas no curso da campanha eleitoral.2.1.4. Em relação aos recursos do FEFC, registre–se que, nos termos do art. 5º, § 5º, da Res.–TSE nº 23.605/2019, o próprio TSE divulga quanto cada partido tem direito a receber. A mesma norma também dispõe que, após o recebimento desses recursos, o diretório nacional do partido político deverá providenciar imediatamente a divulgação, em sua página de internet, do valor total do FEFC e os critérios de distribuição desses recursos a seus candidatos (§ 6º do art. 6º da Res.–TSE nº 23.605/2019). Assim, não há falar que o atraso na entrega do relatório financeiro que informou o recebimento de recursos do FEFC afetou a transparência das contas, o controle social dos recursos ou o interesse do eleitorado, pois, por outros meios, tornou–se conhecido quanto o partido recebeu do mencionado fundo.2.1.5. Já os recursos do Fundo Partidário são destinados aos partidos políticos para o custeio de suas atividades ordinárias e podem ser utilizados, também, nas campanhas eleitorais, a critério de cada agremiação. Assim, é pelos relatórios financeiros que os órgãos de controle e o eleitorado poderão saber se o partido está utilizando recursos do Fundo Partidário na campanha eleitoral e quanto dele foi designado a esse fim.2.1.6. O TSE, a partir das eleições de 2020, adotou postura mais rígida em relação ao atraso na entrega de relatórios financeiros e à omissão na entrega da prestação de contas parcial. No julgamento do AgR–AI nº 0600055–29/PB, assentou que tais condutas não serão mais toleradas ante a justificativa de que os dados, que nesses documentos seriam inseridos, foram informados na prestação de contas final. Definiu, também, que a desaprovação das contas, ou aprovação com ressalvas, em virtude dessas irregularidades, será analisada no caso concreto, aferindo–se o quanto afetou a transparência das contas, haja vista ser o eleitor o principal destinatário das informações que os candidatos e partidos devem prestar e, por isso, deve ter acesso a elas antes do pleito, para melhor embasar sua escolha.2.1.7. Dessa forma, entende–se que apenas os valores provenientes do Fundo Partidário e informados após as eleições têm potencial para obstruir a finalidade da norma e devem ser somados às demais irregularidades. Isso porque se omitiu do eleitorado e da sociedade o real valor investido pelo partido na campanha eleitoral, prejudicando a transparência da contabilidade e o interesse do eleitor.2.1.8. Permanece, portanto, a irregularidade, apenas em relação à quantia de R$ 5.261.287,43, que, por se tratar de natureza contábil, não enseja a devolução ao erário.3. Omissão de receitas na prestação de contas parcial. Fundo Partidário.3.1. unidade técnica detectou que o partido não informou na prestação de contas parcial – registrou apenas na prestação de contas final retificadora, entregue em 28.6.2023 –, receitas no montante de R$ 1.090.000,00.3.2. Como já consignado no tópico anterior, as omissões na entrega dos relatórios financeiros e nas prestações de contas parciais serão avaliadas caso a caso para aferir se tiveram potencial para desvirtuar a finalidade da norma.3.3. Na espécie, apesar de a omissão ser de valor relevante, o qual só foi informado depois de passados mais de 6 meses do fim da eleição, verifica–se que os valores em questão já foram contabilizados como irregulares quando analisada a irregularidade relativa ao atraso na entrega do relatório financeiro, razão pela qual não podem ser computados novamente para não configurar bis in idem.4. Omissão de receita. Crédito realizado na conta do FEFC. Confronto com o extrato bancário.4.1. A Asepa apontou que, na conta bancária que movimenta recursos do FEFC, consta um crédito de pessoa física. O partido esclareceu que se trata de devolução, pelo candidato, de recurso do FEFC que lhe foi repassado anteriormente. A unidade técnica rejeitou o argumento, uma vez que esse candidato, em sua prestação de contas, registrou, como única receita, o recebimento desse recurso, bem como despesas pagas exatamente na quantia recebida.4.2. No id. 159788407, fl. 4, a agremiação comprovou que o crédito em conta adveio do referido candidato. Não há falar, portanto, em omissão de receita. A responsabilização sobre a suposta falha do candidato em ter devolvido quantia já despendida não pode ser atribuída ao partido. Afasta–se a irregularidade no valor de R$ 3.000,00. Irregularidade – despesas5. Omissão de despesas na prestação de contas parcial.5.1. A Asepa constatou que o partido deixou de informar, na prestação de contas parcial, doações financeiras a candidatos e diretórios municipais, que somaram R$ 1.270.000,00, entre recursos do FEFC (R$ 300.000,00) e do Fundo Partidário (R$ 970.000,00). Ressaltou que a falha foi sanada na prestação de contas final.5.2. Como já consignado, as omissões na prestação de contas parcial serão avaliadas caso a caso. Na espécie, não foram informados, tempestivamente, repasses a diversos diretórios municipais e a dois candidatos que, juntos, somam uma vultosa quantia.5.3. Logo, a irregularidade de R$ 1.270.000,00 é relevante e deve permanecer. Por se tratar de irregularidade de natureza contábil, não enseja a devolução ao erário.6. Distribuição de recursos do FEFC a candidatos de outros partidos.6.1. A Asepa apontou que foram identificados, nos extratos bancários das esferas partidárias, repasses de recurso do FEFC a candidatos ao cargo de vereador filiados a outros partidos políticos, no total de R$ 118.366,66, em desacordo com o art. 17, § 1º, da Res.–TSE nº 23.607/2019.6.2. O TSE já firmou entendimento contrário à tese defendida pelo prestador de contas, assentando que, ainda que exista coligação entre os partidos políticos para o pleito majoritário, é irregular a transferência de recursos públicos para candidato de partido diverso que disputa nas eleições proporcionais. Precedente.6.3. Nos termos do art. 8º da Res.–TSE nº 23.605/2019 e de precedente desta Corte Superior, são de responsabilidade do diretório nacional dos partidos políticos a fiscalização e o destino dos recursos do FEFC. Além disso, como bem registrou a PGE, a Res.–CEN–PSDB nº 010/2020, emitida pela Comissão Executiva Nacional do PSDB, ao fixar as diretrizes gerais para a gestão e distribuição dos recursos do FEFC nas eleições de 2020, atribuiu à Comissão Executiva Nacional a função de liberar os recursos financeiros aos destinatários. Dessa forma, não há como afastar a responsabilização do diretório nacional.6.4. Permanece a irregularidade na aplicação do valor de R$ 118.366,66, o qual deve ser ressarcido ao erário, devidamente atualizado.7. Omissão de despesas. Inconsistências nos registros de doações financeiras a outros prestadores de contas. Confronto com o extrato bancário.7.1. Pelos extratos das contas bancárias que movimentam os recursos do FEFC, a Asepa identificou que a agremiação fez transferências a outros prestadores de contas, que não foram registradas na contabilidade ora em análise, em descumprimento ao art. 53, I, f, da Res.–TSE nº 23.607/2019.7.2. Embora o partido tenha informado que procedeu à retificação, a unidade técnica constatou que duas transferências, que somam R$ 8.000,00, continuaram sem registro na prestação de contas. Irregularidade mantida.8. Omissão de despesas. Fonte vedada. Notas fiscais emitidas em nome do partido.8.1. A Asepa identificou, por meio de convênio entre as secretarias de fazenda estaduais/municipais e a Justiça Eleitoral, que foram emitidas notas fiscais eletrônicas em favor do PSDB Nacional, cujos registros foram omitidos da prestação de contas.8.2. O partido apresentou defesa parcial e alegou que, em relação a uma das notas fiscais, anexou declaração da empresa que atesta a tentativa de cancelamento. Contudo, esta Corte Superior já assentou que a declaração unilateral da empresa é insuficiente para comprovar o cancelamento da nota fiscal. Precedente.8.3. Permanece a irregularidade no valor de R$ 2.469,79.9. Aplicação de recursos do Fundo Partidário em percentual inferior ao da candidatura de gênero.9.1. O art. 19, § 3º, I, da Res.–TSE nº 23.607/2019 estabelece que, se os partidos políticos aplicarem verbas do Fundo Partidário nas campanhas, devem empregá–las, obrigatoriamente, em prol da ação afirmativa de gênero, proporcionalmente ao percentual de candidaturas femininas, observado o patamar mínimo de 30% dos recursos recebidos.9.2. No caso, a Asepa concluiu que o partido deixou de aplicar na referida ação afirmativa a quantia de R$ 500.014,53. Argumentou que o valor pago com honorários contábeis, nos termos do art. 35, § 9º, da Res.–TSE nº 23.607/2019, não constituem doação estimável e, por essa razão, não entram no cálculo para cumprimento da cota.9.3. À luz dos arts. 20 e 35, § 3º, da Res.–TSE nº 23.607/2019 e 23, § 10, e 26, § 4º, da Lei das Eleições, os honorários contábeis, assim como os advocatícios, são gastos eleitorais. O disposto nos §§ 4º e 5º do art. 45 da Res.–TSE nº 23.607/2019, inclusive, impõem, respectivamente, a obrigatoriedade de o profissional de contabilidade acompanhar toda a arrecadação e gastos eleitorais desde o início da campanha e a de se constituir advogado para a prestação de contas.9.4. Em recente julgado desta Corte Superior, nos autos do AgR–REspEl nº 0602278–79/CE, julgado em 5.8.2024, de relatoria do Ministro André Ramos Tavares, ratificou–se a decisão monocrática pela qual se assentou que as despesas com serviços advocatícios são computadas no total de gastos contratados com recursos do Fundo Partidário para fins de base de cálculo dos percentuais a serem destinados ao financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, conforme previsão do § 3º do art. 19 da Res.–TSE nº 23.607/2019.9.5. Em consonância com o parecer do MPE, os honorários contábeis gastos de campanha devem ser considerados para fins de cumprimento da ação afirmativa9.6. Computados os valores pagos com honorários contábeis, constata–se que o partido destinou o percentual mínimo às candidaturas femininas. Irregularidade afastada.9.7. Alerta–se que, embora os gastos com honorários advocatícios e contábeis possam ser computados para o cumprimento das ações afirmativas do art. 19, § 3º, da Res.–TSE nº 23.607/2019, a finalidade da lei é de que os recursos do Fundo Partidário, e também do FEFC, sejam destinados à efetiva promoção das candidaturas de gênero e de raça. Assim, eventual abuso com a destinação desses recursos, majoritariamente, em despesas contábeis e advocatícias não será tolerado.10. Aplicação de recursos do Fundo Partidário em percentual inferior ao da candidatura de pessoas negras.10.1. A unidade técnica apurou que o partido deixou de aplicar a quantia de R$ 1.073.617,45 em candidaturas de pessoas negras.10.2. O argumento do partido, de que a aplicação da norma de incentivo às candidaturas de pessoas negras nas eleições de 2020 ofende o princípio da anualidade eleitoral, já foi refutado pelo STF, no julgamento do referendo na medida cautelar na ADPF nº 738.10.3. Os gastos com serviços contábeis podem ser considerados no cálculo das despesas com as ações afirmativas de gênero e de raça, conforme análise do tópico anterior. Assim, o partido deixou de investir na ação afirmativa o valor de R$ 431.570,35.10.4. O montante não aplicado deverá ser utilizado em candidaturas de pessoas negras nas eleições municipais subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos da EC nº 117/2022. Precedente.11. Conclusão.11.1. O total de irregularidades, de cunho sobretudo formal, encontrado nas contas do Diretório Nacional do PSDB, relativas às eleições de 2020, é de R$ 5.261.287,43, equivalentes a 3,77% dos recursos recebidos na campanha. Já as irregularidades, também predominantemente formais, com as despesas somaram R$ 1.398.836,45 e representam 1,01% dos recursos aplicados na campanha.11.2. Malgrado os elevados valores em termos absolutos, a inexpressividade do percentual das falhas e a ausência de indícios de má–fé possibilitam a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no julgamento das contas para o fim de aprová–las com ressalvas. Precedentes.11.3. Contas aprovadas com ressalvas, com as seguintes determinações: (a) aplicação do valor de R$ 431.570,35, oriundo do Fundo Partidário, em candidaturas de pessoas negras nas eleições municipais subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão; (b) ressarcimento ao erário da quantia, devidamente atualizada, de R$ 118.366,66, decorrente da aplicação irregular de recursos públicos; e (c) recolhimento ao Tesouro Nacional do valor, também atualizado, de R$ 2.469,79, relativo ao recebimento de recursos de fonte vedada.


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